Que políticas seriam boas para o mercado de crédito?

Por Bernardo Guimarães

Com frequência, escrevo neste blog contra políticas que direcionam o crédito para alguns a taxas muito inferiores às de mercado. Surge, então, a questão: se essas não são boas políticas, como aumentar o acesso ao crédito?

A resposta inclui regras do jogo claras, que protejam os direitos de quem emprestou, competição entre os bancos e um sistema de justiça eficiente.

Um estudo recente, que usa dados brasileiros e será publicado este ano em um dos mais prestigiosos periódicos internacionais da área de economia, traz evidências que corroboram esse tipo de política.

O estudo estuda o efeito da reforma na lei de falências em 2005. Dentre outras coisas, a nova lei oferecia mais proteção a bancos que haviam emprestado dinheiro às empresas com alguma forma de garantia.

A ideia subjacente a esse tipo de lei é que se os bancos recuperam uma parte maior do que foi emprestado no caso da empresa falir, eles vão estar mais dispostos a emprestar. Consequentemente, as empresas terão mais acesso ao crédito, ou acesso a crédito mais barato.

O estudo encontra uma maneira bastante interessante de testar esse efeito.

A justiça no Brasil é, de modo geral, lenta. Contudo, há substancial heterogeneidade: em alguns distritos muito congestionados, leva-se muito tempo para uma ação ser julgada. Em outros distritos, o processo é bem mais rápido.

A ideia do estudo é a seguinte: se mais garantias aos credores estimulam a concessão de crédito, esse efeito deve ser mais importante onde a justiça funciona melhor. Que adianta a lei me dizer que eu tenho acesso à garantia do empréstimo se a justiça não me garante esse direito?

O estudo mostra que nos distritos onde a justiça funciona mais rapidamente, a lei das falências de fato levou a um aumento bem maior no acesso ao crédito (em média). Isso levou a aumentos maiores no investimento e na produção.

O efeito é grande. Para entender o tamanho do efeito, considere um conjunto de municípios que são bastante parecidos em quase tudo, mas podem diferir na celeridade da justiça. Vamos sortear dois municípios desse conjunto.

Simplificando um pouco, em geral, o crédito com garantias aumentou para as firmas de ambos municípios nesse período. O importante é que o aumento foi 5% maior no município onde a justiça funciona melhor, em média.

Essa maior expansão no crédito se traduziu em um aumento maior na produção das empresas. No município onde a justiça funciona melhor, o aumento no valor produzido foi 2,3% maior.

Se os números parecem pequenos, lembre-se que essa é uma estimativa a diferença média do efeito de uma mesma lei em dois municípios brasileiros parecidos.

Agora imagine qual seria o efeito de uma melhoria substancial nas regras do jogo do mercado de crédito e na eficiência do sistema de justiça.

O mercado de crédito precisa de boas instituições para florescer. Quem empresta dinheiro precisa de garantias. Para isso, é preciso leis e um bom sistema de justiça. A competição entre instituições financeiras faz com que benefícios de mais garantias sejam repassados a empresas e pessoas.

A lição é surpreendente? Talvez não, mas é certamente muito importante num Brasil acostumado a pirotecnias e intervenções estatais diretas na alocação do crédito.

Referência:

– O artigo é “Court Enforcement, Bank Loans and Firm Investment: Evidence from a Bankruptcy Reform in Brazil”, Jacopo Ponticelli and Leonardo Alencar, a ser publicado no Quarterly Journal of Economics este ano.

Questões técnicas:

– O efeito é que o aumento em um desvio padrão na rapidez da justiça leva a um aumento no crédito da magnitude que eu descrevi, condicional aos outros regressores. Expliquei como se fosse o desvio médio, a desigualdade de Jensen requereria um post inteiro.

– Os autores usam variáveis instrumentais para identificar causalidade, recomendo o artigo aos economistas e estudantes para mais explicações.