Como noticiou a Folha, os países signatários da Convenção do Clima (1992) assinaram neste sábado dia 12 de dezembro um acordo que os obriga a adotar medidas de combate ao aquecimento global.
Por que só agora?
De modo geral, quanto antes se age para prevenir problemas como o aquecimento global, mais barata e melhor é a solução. Por que então os países demoraram tanto para assinar esse acordo?
Pode ser que as autoridades tenham demorado para se convencer da importância de reduzir emissões. Contudo, não parece que aprendemos tanto assim sobre o clima desde as últimas conferências. Essa não parece uma boa explicação.
Uma explicação para atrasos ineficientes, em um contexto completamente diferente, foi formulada por J. Maynard Smith e publicada no “Journal of Theoretical Biology” em 1974.
Ele usa o seguinte exemplo: dois pássaros buscam estabelecer seu território em uma área que é pequena demais para conter ambos. O perdedor vai ter que procurar um território menos favorável.
Os pássaros ficam empatando a vida um do outro, desperdiçando energia nessa disputa, até que um desiste e vai para pior território. A partir daí, eles começam a tocar suas vidas, têm chances de se reproduzir etc.
O atraso é ruim para os dois pássaros. O melhor para eles seria decidir no cara ou coroa quem fica no território melhor. Só que isso não é possível.
A estratégia de largar o jogo imediatamente é ruim. Afinal, se um pássaro vai desistir logo, o outro só precisa esperar um pouquinho mais para ganhar o melhor território. Vale a pena esperar um pouco.
Por outro lado, esperar indefinidamente também não faz sentido. Nesse caso, seria melhor ir para o território menos favorável.
O jogo é, portanto, complicado e seu desfecho é muito difícil de prever. O tempo que cada pássaro está disposto a esperar parece aleatório para um observador externo. Mas sabemos que levará algum tempo até que algum deles desista.
Voltando à conferência do clima, vamos supor que os países (e setores organizados dentro de cada país) saibam há tempos que é necessário agir para reduzir as emissões. Isso é economicamente custoso.
A questão é: quem vai pagar os custos?
Há muitas formas diferentes de se distribuir os custos da prevenção entre os diversos países e entre os diversos grupos. Por exemplo, o acordo prevê um piso de US$ 100 bilhões de ajuda dos países ricos aos mais pobres. Por que esse valor?
O acordo poderia estabelecer um imposto mínimo (ou vetar subsídios) para combustíveis fósseis. Por que não?
Nesse jogo, para um país ou para um grupo, não vale a pena aceitar qualquer condição que os outros peçam. No jogo dos passarinhos, isso seria como desistir logo de cara e ir para o pior território: não é uma boa estratégia.
Para um país (ou grupo de países negociando em conjunto, ou representantes de uma indústria), faz sentido esperar, dizer que as condições não são boas o suficiente, assim não é possível, teremos que esperar até a próxima conferência.
Essa barganha continua até que, em algum momento, um grupo voa para o território menos favorável.
Lógica semelhante à do jogo dos passarinhos foi utilizada por economistas para explicar por que ajustes macroeconômicos demoram.
Por exemplo, suponha que um ajuste fiscal seja necessário em determinado país. A questão é: quem vai pagar a conta? Qual imposto vai passar? Um grupo organizado, pensando em seus próprios interesses, vai preferir tentar empurrar a conta para os outros.
O problema é que, se todos tentam agir assim, ninguém concorda e o ajuste demora para sair, e só acontece quando alguns cedem e voam para o território menos favorável.
No jogo dos pássaros, é sempre boa notícia quando um dos pássaros desiste. Quanto mais atrasos pior. Mas a barganha entre os pássaros implica, necessariamente, que haverá algum atraso.
Assim, se o que estava atrasando o acordo do clima era a barganha entre os países, o acordo do clima de hoje deve ser comemorado pelo mundo como um todo.
Referências:
– O artigo que dá o exemplo dos pássaros é Maynard Smith, J. (1974), “Theory of games and the evolution of animal conflicts”, Journal of Theoretical Biology 47: 209-221. Mas é um artigo teórico sobre teoria dos jogos, cheio de matemática, os pássaros só aparecem em um parágrafo.
– O artigo que usa essa mesma lógica para falar sobre atrasos em ajustes macroeconômicos é “Why are Stabilizations Delayed?”
de Alberto Alesina and Allan Drazen, American Economic Review 81, 1170-1188.
Agradecimento:
– Esse artigo nasceu de sugestão da editora Ana Estela de Sousa Pinto.
Detalhe técnico:
– O equilíbrio do jogo se dá em estratégias mistas. Usando o argumento de Harsanyi de purificação, segue que “o tempo que cada pássaro está disposto a esperar parece aleatório para um observador externo”, como eu escrevi.