A Cide é um bom imposto

Por Bernardo Guimarães

É preciso ajustar as contas públicas. Para isso, há que se aumentar os impostos, ou cortar os gastos, ou fazer um pouco de cada. Eu estou dentre os que preferem o ajuste pelo corte de gastos, mas vamos deixar essa discussão de lado por ora. Se é preciso tributar mais, o que devemos tributar?

Um dos tributos que estão sendo considerados é a Cide, o chamado “imposto da gasolina”. O ponto deste post é que a Cide é um bom imposto. E a explicação começa pelo número de janelas nas casas na Inglaterra no século 18.

A figura abaixo mostra a distribuição do número de janelas por casa na Inglaterra nos idos de 1765. Cerca de 27% das casas inglesas tinha exatamente 7 janelas! (É a barrinha comprida da figura). Numerologia? Curiosamente, 15 anos antes, a proporção de casas com 7 janelas era apenas 3%, bem dentro do normal. Estranho, não?

windowtax

A explicação: havia na Inglaterra da época um imposto sobre o número de janelas de cada casa. Em 1765, eram isentas do imposto as casas com até 7 janelas. Casas com 8 janelas pagavam muito imposto. A figura mostra um número anormal de casas com 19 janelas e a explicação é a mesma: com 20 janelas, o imposto subia bastante.

Até 10 anos antes, eram isentas de impostos as casas com até 9 janelas, então havia muitas casas com 9 janelas, só 3% com 7 janelas.

OK, mas janelas não são móveis, como as pessoas mudavam o número de janelas das casas? Simples: cobriam-se as janelas com tijolos. Uau.

Esse tipo de comportamento não é, de forma alguma, particular aos ingleses de 250 anos atrás.

Impostos transferem recursos das pessoas ao governo, mas não fazem só isso. O imposto desestimula justamente aquilo que gera a base da arrecadação.

Um maior imposto sobre a renda torna a informalidade mais atraente ou incentiva as pessoas a receberem como pessoa jurídica (e aí, o imposto é efetivamente menor). Isso reduz a base onde incide o imposto. Contudo, nesse caso, a pessoa precisa arcar com os custos de abrir uma empresa, pagar um contador, etc. Tudo isso é muito parecido com cobrir a janela com tijolos. Assim como o imposto inglês do século 18 resultava em menos janelas nas casas, tributar mais o salário reduz a quantidade de pessoas trabalhando com carteira assinada.

Da mesma maneira, um maior imposto sobre a produção de bens ou serviços faz com que esses produtos fiquem mais caros ou que sua produção fique menos lucrativa para as empresas. Isso desestimula as trocas e a produção. A CPMF, por sua vez, reduz as transações financeiras.

Esses impostos reduzem os incentivos para produzir e transacionar e criam incentivos para gastos que não geram benefício algum, não porque assim queremos, mas porque os impostos tem esse efeito na economia.

Por outro lado, nós de fato queremos que haja menos carros nas ruas. Na cidade de São Paulo, há até um rodízio que proíbe a circulação de automóveis em determinados dias. Isso significa que os impostos que cobramos sobre a compra, posse e circulação de automóveis não são suficientes para que tenhamos, em São Paulo, desestímulos suficientes para atingirmos o número de carros desejados nas ruas. A poluição urbana e o trânsito também são preocupações importantes dos habitantes de outras grandes cidades.

Um imposto sobre a gasolina desestimularia ações que de fato queremos desencorajar.

Impostos transferem recursos das pessoas ao governo, mas fazem mais que isso. Para um dada quantidade que se pretende arrecadar, é melhor desestimular o uso de gasolina porque de fato queremos tirar carros das ruas ao invés de desestimular o trabalho ou as transações entre pessoas e empresas. Se é preciso aumentar impostos, a Cide é uma boa opção.

Referências:

– Os dados e o gráfico com o número de janelas foram extraídos do artigo “The Window Tax: A Case Study in Excess Burden” de Wallace Oates e Robert Schwab, publicado no Journal of Economic Perspectives 29, 163-180 (2005). Esse é um periódico acadêmico com artigos em uma linguagem bem mais acessível que o normal (mas menos acessível que um artigo de jornal).

– Alguns trechos do post foram adaptados do meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”.

– O imposto das janelas aparece em vários livros de economia. Essas e outras “casas esquisitas” são discutidas no meu livro “Economia sem Truques”, escrito com Carlos Eduardo Gonçalves.

*Detalhes:

– O imposto de renda é efetivamente menor se o funcionário abre uma empresa e emite nota fiscal para a empresa para a qual trabalha porque o “lucro presumido” da empresa (a base da arrecadação) é apenas uma proporção do que a empresa fatura (em muitos casos, 32%). Então se a alíquota do imposto de renda é 25%, o imposto é efetivamente 32% x 25% = 8% (mas há outros impostos).

– Tecnicamente, a Cide é uma contribuição, não um imposto, mas isso não faz diferença para o argumento.