A Economia no Século 21religião – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O Ramadã, a economia e o bem-estar das pessoas http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/06/06/o-ramada-a-economia-e-o-bem-estar-das-pessoas/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/06/06/o-ramada-a-economia-e-o-bem-estar-das-pessoas/#respond Mon, 06 Jun 2016 12:01:05 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=888 O Ramadã de 2016 começa hoje, segunda-feira dia 6 de junho. Nos próximos 30 dias, muçulmanos de todo o mundo praticarão o jejum ritual, desde a hora que o sol nasce até o momento em que o Sol se põe.

Para os muçulmanos de Jacarta, na Indonésia, isso significa que eles só poderão comer e beber qualquer coisa entre as 17:45 de um dia e as 6:00 da manhã do dia seguinte.

Parece difícil, mas para os muçulmanos de Istambul, na Turquia, a tarefa é mais complicada: comida e bebida só entre as 20:30 de um dia e as 5:30 do dia seguinte.

Será que o Ramadã tem implicações para a economia desses países?

Os dias do Ramadã variam conforme o ano (por exemplo, no ano que vem, o Ramadã começará dia 27 de maio). Em alguns lugares, essas variações modificam bastante o período do jejum. Por exemplo, quando o Ramadã cai no final de dezembro, no inverno de Istambul, jejum só entre as 7:30 e as 16:45. Em Jacarta, as variações são bem menos relevantes.

Filipe Campante e David Yanagizawa-Drott, pesquisadores da Harvard Kennedy School, utilizaram essas variações para testar o efeito do Ramadã na economia.

A ideia é a seguinte: é possível comparar, de maneira informal, o que acontece com as economias da Turquia e da Indonésia quando o Ramadã cai em dezembro (o período de jejum é bem mais curto na Turquia) e quando cai em junho (o período de jejum é bem mais longo na Turquia). Será que a economia da Turquia vai relativamente melhor quando o Ramadã é mais curto?

Métodos estatísticos apropriados permitem estimar esse efeito de maneira formal, utilizando uma base de dados com todos os países de maioria muçulmana e todos os anos desde 1950.

Campante e Yanagizawa-Drot encontram de fato um efeito negativo substancial de um Ramadã mais longo sobre a economia.

Um Ramadã longo (como o da Turquia em 2016) reduz o crescimento do PIB do país no ano em pouco mais de 1 ponto percentual quando comparado a um Ramadã mais normal.

É efeito do Ramadã mesmo? Não pode ser alguma outra coisa que acontece, por acaso, mais ou menos na mesma época do Ramadã? Se fosse esse o caso, esse efeito deveria estar presente em países não muçulmanos, mas os pesquisadores não acham efeito algum para essa amostra de países.

A estimação utiliza as diferenças no período de jejum do Ramadã, mas o resultado sugere uma conclusão mais geral: o Ramadã é uma prática religiosa com um custo econômico.

Só que o trabalho não para aí.

Campante e Yanagizawa-Drott estimaram também o efeito de um Ramadã mais longo sobre as respostas das pessoas em questionários sobre felicidade e bem-estar, do mesmo modo que estimaram o efeito sobre o PIB.

Em média, nas respostas a esses questionários, as pessoas se dizem mais felizes quando o Ramadã é mais longo que o normal.

Os resultados sugerem, portanto, que o Ramadã é um ritual com custos econômicos que traz uma sensação de bem-estar para os fiéis. Eu acho que essa conclusão concorda com uma visão comum sobre a religião.

Dados de questionários não são dados ideais, mas nesse caso não temos dado melhor para tentar medir variações na sensação de bem estar de uma pessoa. Se as pessoas se dizem mais felizes, quem sou eu para duvidar? Então, para quem for participar, bom Ramadã.

Referência:

– O artigo citado é “Does Religion Affect Economic Growth and Happiness? Evidence from Ramadan”, de Filipe Campante e David Yanagizawa-Drott, no Quarterly Journal of Economics 130, 615-658 (2015).

– Uma outra visão econômica da religião é que os rituais religiosos são custosos, mas fazem parte de um todo que traz benefícios para a comunidade (eu expliquei neste post).

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Uma visão econômica da religião http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/11/16/uma-visao-economica-da-religiao/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/11/16/uma-visao-economica-da-religiao/#respond Mon, 16 Nov 2015 04:00:29 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=353 Religião é um assunto que envolve muitos aspectos diferentes. Esse post busca passar uma das visões econômicas da religião.

Vivendo em sociedade, frequentemente temos que escolher entre “cooperar, fazer o certo” e “trapacear, levar vantagem”.

Por exemplo, pessoas envolvidas em um negócio frequentemente tem a chance de roubar um pouco dos ganhos da outra (“trapacear”), com baixa chance disso despertar suspeitas.

Ou, considere duas pessoas de uma comunidade primitiva caçando ou lutando em guerra contra um inimigo. Se um é ferido, o outro pode ajudá-lo (“cooperar”), ainda que isso implique riscos para si mesmo, ou pode abandonar o parceiro (“trapacear”).

De modo geral, as pessoas de um grupo estarão melhor se todos cooperarem, se ninguém trapacear. Isso possibilitará mais negócios (pois uma confia na outra), mais empenho nas batalhas (pois um sabe que o outro tentará socorrê-lo, se preciso for), etc.

Contudo, para um indivíduo pensando apenas em si mesmo, com frequência o melhor será “trapacear, levar vantagem”.

Além disso, cooperar é ainda mais custoso se o outro não coopera. O indivíduo que age de boa fé com um membro da comunidade que quer roubá-lo é o que mais tem a perder.

Em suma, apesar de “cooperar” ser o melhor para a comunidade, os indivíduos estarão tentados a “trapacear” com frequência. Essa perda de confiança nos outros afeta as decisões de cada um: há menos negócios, batalhas e caçadas. Isso afeta negativamente o grupo.

Essa exposição pode passar a ideia de uma visão simplista da humanidade, sem espaço para qualquer outro senso de moralidade. Não é isso. O ponto é que induzir mais cooperação entre as pessoas nos negócios e nas batalhas contra outros grupos traz vantagens para a comunidade.

Agora, entra a religião.

Suponha que exista nesse mundo a seguinte crença: se você trapacear, uma força superior lhe punirá; se você cooperar, uma força superior lhe recompensará. As punições e recompensas ocorrerão na vida que começa depois da morte.

Digamos que essa crença seja parte de um conjunto de crenças, chamada de “religião”.

Essa crença tem o poder de induzir os indivíduos a cooperarem, mesmo quando seria possível roubar sem o parceiro perceber, abandonar o amigo ferido ou fugir da batalha. Para o grupo como um todo, isso traz muitas vantagens no longo prazo.

Há, porém, uma questão: como eu vou saber que meu parceiro também vai cooperar comigo e, portanto, vale a pena cooperar?

Bem, ele vai cooperar comigo se acredita que será recompensado se assim o fizer, ou seja, se ele acreditar na religião.

Mas como eu sei que ele acredita na religião?

Suponha que, de acordo com a religião, as forças superiores que recompensam as boas ações também punem quem não obedece o jejum em determinadas épocas do ano, as mulheres que cortam cabelos ou as pessoas que não oferecem seus serviços ou doações aos templos.

Quem acredita na religião estará disposto a esses sacrifícios e privações e, com frequência, estará feliz de seguir as instruções e participar dos rituais, pois estará agradando às forças superiores.

Esses custosos rituais mostram que uma pessoa envolvida acredita que será punida se não cooperar com seu grupo. Assim, para os outros que também acreditam na religião, vale a pena cooperar com ela.

Como consequência, o grupo todo fica melhor, apesar dos custos (se esses não forem altos demais).

O que emerge dessa análise é o seguinte:

(1) A crença em uma força superior que recompensa os humanos por boas ações e pune as más ações pode trazer benefícios para a comunidade por si só (independentemente da existência ou não das punições depois da morte).

(2) Faz todo sentido que essa crença exija rituais custosos, pois isso permite às pessoas mostrarem aos outros que acreditam no conjunto de crenças (“a religião”) e, portanto, que vão cooperar. Assim, faz sentido cooperar com elas.

Uma implicação desse argumento é que não é nada surpreendente que a religião seja um componente importante da grande maioria das sociedades que prosperaram.

Cooperar, em geral, é algo muito bom. Entretanto, em muitos casos importantes, “cooperar” pode significar arriscar a vida na guerra. O grupo que tem indivíduos dispostos a morrer pela vitória na batalha vai ter mais chances de vencer guerras e, portanto, conquistar territórios e prosperar.

De acordo com essa lógica, não é nada estranho que a religião seja, ao mesmo tempo, fonte de crenças que nos levam a cuidar do próximo, mas também fonte de crenças que nos levam a matar quem enxergamos como inimigo.

Referências:

– Implicações dessa visão econômica da religião são estudadas, por exemplo, em artigos recentes de Gilat Levy e Ronny Razin, como: “Religious Beliefs, Religious Participation and Cooperation”, American Economic Journal: Microeconomics, 2012; “Rituals or Good Works: Social Signalling in Religious Organizations”, Journal of European Economic Association, 2014.

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