A Economia no Século 21Prêmio Nobel – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Douglass North: um breve obituário http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/11/24/douglass-north-um-breve-obituario/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/11/24/douglass-north-um-breve-obituario/#respond Wed, 25 Nov 2015 01:11:29 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=401 Douglass North, falecido ontem aos 95 anos de idade, recebeu o Prêmio Nobel em 1993 e seu trabalho tem uma enorme influência na maneira que pensamos sobre economia hoje.

North mostrou a importância para uma economia das “instituições que regem como as leis são aplicadas e como elas podem ser modificadas”. Hoje, essas tais “instituições” são vistas como fatores fundamentais para explicar o desenvolvimento econômico.

Explico com um exemplo, tirado de um artigo dele muito conhecido.

Em 1688, na Inglaterra, a Revolução Gloriosa modificou o equilíbrio de poder entre o rei e o parlamento. A partir de 1689, o rei inglês não podia mais aumentar tributos sem autorização do parlamento. Em pouco tempo, o parlamento ganharia o poder de auditar como o rei gastava os recursos cobrados.

Além disso, o judiciário passou a ser mais independente, o rei não mais poderia mais substituir e nomear juízes como desejasse. O rei não mais estava acima da lei, nem acima do parlamento.

Essa mudança institucional teria fortes implicações econômicas.

Com a Revolução Gloriosa, o rei perdia o poder de modificar as regras do jogo. Antes, o rei constantemente mudava as regras de pagamentos de empréstimos, recorria a “empréstimos forçados” para financiar seus gastos, etc. Agora, qualquer mudança nas regras dependia da aprovação do parlamento (que representava quem pagava os impostos).

northweingast

Como resultado do novo desenho institucional, direitos individuais estavam mais seguros. Em particular, os credores passaram a acreditar que a coroa honraria suas dívidas.

A tabela mostra que antes da Revolução Gloriosa, o governo gastava pouco e tinha pouca dívida. Não porque não queria (“empréstimos forçados” eram comuns), mas porque ninguém queria emprestar para um rei que podia mudar as regras de tudo.

A partir de 1689, o governo passaria a poder se endividar muito mais. Não está na tabela, mas os juros dos empréstimos pós-1690 eram mais baixos que os juros dos empréstimos anteriores (apesar da dívida muito maior), realçando a enorme queda no risco de default por conta da mudança institucional.

A palavra chave aqui é comprometimento. Com a mudança institucional, a coroa se tornara mais comprometida a pagar suas dívidas e respeitar o direito dos outros. Isso permitiu um crescimento enorme no crédito para o governo inglês.

Incidentalmente, o exemplo mostra que não deveríamos ficar surpresos que alguns países tem dívidas muito altas (como proporção do PIB) e conseguem tomar emprestado a taxas baixíssimas, enquanto o prêmio de risco para outros é muito maior mesmo quando a dívida é menor. A disposição a pagar dívidas não é um dado da natureza, depende das instituições de cada país.

Nesse mesmo artigo, North mostra que direitos de propriedade mais seguros levaram ao desenvolvimento dos mercados de capitais, tão importantes para o desenvolvimento.

Combinando a análise histórica com a lógica econômica, Douglass North alterou de maneira definitiva a nossa maneira de pensar sobre os fatores que determinam os rumos de uma economia.

Referência:

– O artigo é “Constitutions and commitment: the evolution of institutions governing public choice in seventeenth-century England” de Douglass North e Barry Weingast, Journal of Economic History, 1989″. A tabela e a citação do segundo parágrafo eu peguei do artigo.

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O Nobel de Economia de 2015 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/12/o-nobel-de-economia-de-2015/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/12/o-nobel-de-economia-de-2015/#respond Mon, 12 Oct 2015 13:05:45 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=191 Na terça-feira passada, o Prêmio Nobel da Física foi para a descoberta que o neutrino tem massa. No dia seguinte, Ricardo Mioto comentava na Folha sobre a dificuldade, para o público geral, de entender as descobertas premiadas, e dizia que essa dificuldade era uma fonte de frustração para não especialistas.

Em Economia, em geral, a sensação é diferente. Apesar de ser difícil entender os pormenores dos trabalhos premiados, é mais fácil entender em linhas gerais o objetivo e a contribuição. Contudo, com frequência, as descobertas parecem banais.

Hoje, foi anunciado que Angus Deaton ganhou o Prêmio Nobel em 2015 por suas contribuições na análise de consumo, pobreza e bem estar. OK, importante e interessante. Mas o que exatamente ele fez?

São muitas as suas contribuições. O anúncio do prêmio descreve algumas delas: Deaton criou maneiras de estimar a demanda por bens na economia; Deaton mostrou que, para entender as flutuações do consumo na economia, não podemos olhar para dados que agregam o consumo de todos, ricos e pobres; entre outras.

Parecem úteis e relevantes, mas, comparados às descobertas dos físicos e dos químicos, esses trabalhos parecem rudimentares. Enquanto os mecanismos de reparação do DNA ganham o Prêmio Nobel da Química e o neutrino ganha o Prêmio Nobel da Física, os economistas estão descobrindo como estimar o aumento na demanda por alimentos quando caem os preços?

Nesse post, vou tentar explicar duas coisas relacionadas ao Prêmio Nobel: (1) por que é difícil estimar um sistema de demanda, a ponto desse tipo de contribuição ganhar o prêmio; e (2) a mudança na relação entre a “microeconomia” e a “macroeconomia”, parte do motivo pelo qual a pesquisa de Angus Deaton teve bastante impacto na pesquisa em economia.

Começo pela primeira. Em linhas gerais, um sistema de demanda nos dá a relação entre as escolhas dos consumidores e os preços dos bens. A ideia básica é simples: se sobe o preço da manga, as pessoas vão substituir o consumo dessa fruta por outras. Um sistema de demanda nos mostra esse efeito.

À primeira vista, estimar a demanda por manga (e por qualquer outra coisa) parece relativamente simples: com dados sobre o preço praticado e sobre a quantidade comprada em diversos momentos no tempo, podemos encontrar a relação entre preço e quantidade. Qual o problema?

O problema é que usando essa técnica, estamos ignorando que a demanda não depende apenas dos preços. Isso leva a resultados completamente errados. Por exemplo, usando dados sobre preços de hotel nas cidades de praia e taxa de ocupação dos hotéis, descobriríamos que os hotéis estão cheios justamente quando cobram preços muito altos (em janeiro, nos feriados…).

Claro, isso não significa que as pessoas gostam de pagar caro. Os preços estão altos nos feriados e fins de semana, quando as pessoas podem viajar. De modo mais geral, um produto pode estar mais caro que usualmente porque muitos querem comprá-lo: a demanda aumentou. No exemplo dos hotéis, é relativamente fácil contornar o problema, mas em geral, não é.

Por causa desse problema, estimar um sistema de demanda é bem difícil.

Angus Deaton não descobriu nada disso, esse problema já era conhecido há muito tempo. Sua contribuição foi escrever modelos abstratos que buscam captar as escolhas das pessoas e empregar métodos estatísticos apropriados em suas estimações. Seus trabalhos nos permitiram avançar muito na estimação de um sistema de demanda por bens e serviços.

Hoje, entende-se que para estimar um sistema de demanda, é preciso começar da teoria. Basicamente, parte-se de um modelo da escolha do consumidor, ou seja, uma representação abstrata das preferências das pessoas que gera, como resultado, suas escolhas de consumo. Além disso, são necessárias técnicas estatísticas para contornar o problema explicado no exemplo dos hotéis.

Essa combinação de modelos, métodos estatísticos e dados sobre indivíduos ou firmas é hoje a norma na pesquisa em economia. Isso me traz ao segundo ponto: a relação entre a “microeconomia” e a “macroeconomia”.

Um modelo macroeconômico é, basicamente, um conjunto de equações que tenta representar a economia como um todo. Ainda que os modelos sejam bastante complicados, eles são uma representação muito simplificada da economia real.

Há 40 anos, os modelos macroeconômicos postulavam relações entre variáveis agregadas (por exemplo, entre o consumo total na economia e o PIB). Havia, portanto, uma grande distância entre a macroeconomia e o estudo das decisões de firmas e indivíduos, a microeconomia.

Hoje em dia, os modelos macroeconômicos partem de hipóteses sobre as escolhas das pessoas. A distinção entre macroeconomia e microeconomia é cada vez mais difícil de estabelecer. Além disso, a pesquisa empírica relacionada à macroeconomia está mais e mais voltada a dados microeconômicos.

Angus Deaton teve um papel importante nesse processo ao mostrar que, para entender as flutuações no consumo agregado (total consumido na economia), não basta olhar para dados de consumo agregado, é preciso olhar para dados individuais.

Esse post cobre apenas parte da contribuição de Deaton. Não falei sobre sua contribuição para medir pobreza e desigualdade, que é muito importante (ele explica sobre isso aqui). Também não expliquei o que ele fez, busquei passar uma visão geral sobre os problemas econômicos e a evolução da pesquisa em economia nos últimos anos.

Mais detalhes sobre o prêmio podem ser encontrados aqui.

Em suma, nas últimas décadas, a pesquisa em economia tem se beneficiado muito da aproximação entre teoria econômica e métodos estatísticos nos trabalhos empíricos, focando cada vez mais em dados microeconômicos (ou seja, dados sobre pessoas, empresas etc). Isso se deve ao sucesso de pesquisadores que buscaram esse caminho, como Angus Deaton.

Detalhe:

– O Nobel de Economia é o único da série que não foi criado por Alfred Nobel, mas pelo Banco Central da Suécia. É, portanto, o Prêmio de Economia em memória a Alfred Nobel.

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