A Economia no Século 21Nelson Barbosa – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O estímulo ao crédito e a Selic http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/01/29/o-estimulo-ao-credito-e-a-selic/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/01/29/o-estimulo-ao-credito-e-a-selic/#respond Fri, 29 Jan 2016 11:28:13 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=635 Suponha que você esteja devendo R$ 1.000 no cheque especial, pagando juros de 7% ao mês. Você consegue um empréstimo de um parente próximo, R$ 1.000, sem juros, por um mês.

Se você colocar o dinheiro na poupança, a juros de 0,65%, receberá ao final do mês R$ 6,50 além dos R$ 1.000 que você deve pagar de volta. Seria um péssimo negócio: os juros de um mês no cheque especial custam R$ 70. Seria muito melhor abater a dívida do cheque especial.

De acordo com a matéria na Folha, o ministro Nelson Barbosa anunciou ontem medidas para expandir o crédito. Em muitos casos, isso se dará “com recursos do FGTS”.

O dinheiro depositado no FGTS rende juros de cerca de 5% ao ano. A taxa básica de juros sobre a dívida do governo é 14,25% ao ano. O governo está no cheque especial.

Ao dizer que fornecerá crédito usando os recursos do FGTS, o governo quer dizer que emprestará a taxas superiores a 5% ao ano — mas inferiores a 14,25% ao ano.

Ou seja, como negócio, o governo está usando o dinheiro que toma emprestado do parente e aplicando na caderneta de poupança, enquanto paga juros muito maiores no seu próprio cheque especial.

Isso é crédito subsidiado.

Com isso, o governo pretende expandir o crédito em dezenas de bilhões de reais.

A oferta de crédito a juros mais baixos de fato aumenta os investimentos na economia? Em geral, sim. O efeito direto é que juros mais baixos tornam os empréstimos mais atrativos. Contudo, políticas macroeconômicas ruins podem tornar o investimento menos atraente. Por exemplo, a expectativa de um rombo nas contas públicas com a necessidade de taxação futura desestimula os investimentos.

OK, agora vamos considerar uma maneira alternativa de tentar expandir o crédito.

Suponha agora que ao invés de expandir o crédito dessa maneira, o Banco Central reduzisse a Selic. Os juros mais baixos tornariam o crédito mais atrativo para empresas com a corda no pescoço e para pessoas que querem comprar bens duráveis.

Haveria, também, uma expansão de crédito. Sem subsídios. Parece melhor.

Mas baixar a Selic afeta o controle da inflação, não?

Sim. Justamente porque o crédito mais barato estimula o investimento e a compra de bens duráveis. Mas isso é verdade para qualquer expansão de crédito.

No que diz respeito ao impacto na inflação e na demanda agregada, o estímulo ao crédito “com recursos do FGTS” equivale a baixar a Selic para um nível que gere a mesma expansão no crédito.

Não há porque achar que o efeito na inflação será diferente.

Há, porém, diferenças importantes entre as duas medidas.

A primeira é que a expansão do crédito subsidiado é direcionado a setores que o governo escolhe. A queda da Selic vai para todo mundo que toma empréstimos a taxas de mercado.

Ou seja, a queda da Selic beneficia a dona de um pequeno negócio que vai mal e precisa descontar duplicatas (uma modalidade de crédito) a 3% ao mês para pagar suas contas e o rapaz que quer financiamento para comprar uma geladeira. Gente que não tem assento no Conselhão.

Descontadores de duplicatas e compradores de eletrodomésticos de todo o país, uni-vos!

A segunda diferença é que a queda na Selic torna a dívida do governo mais barata. Ajuda a situação fiscal. (Detalhe: quando o BC baixa a Selic, a taxa de juros de curtíssimo prazo cai. As taxas de longo prazo, porém, podem até subir se a queda na Selic aumentar as expectativas futuras de inflação. Contudo, em geral, a taxa de juros real (descontada a expectativa de inflação) cai e é essa a que importa. Nem sempre é assim, mas quando esse não é o caso, a expansão do crédito subsidiado também tende a gerar problemas semelhantes.)

OK, então a expansão no crédito subsidiado se parece com uma queda na Selic, mas com um impacto fiscal muito pior e com benefícios para alguns setores que o governo escolhe. Faltou dizer alguma coisa?

Sim! Faltou uma parte muito importante.

Os preços!

Quem quer tomar emprestado a 3% ao mês precisa mais do dinheiro que quem só está disposto a pagar 1% ao mês.

A dona do negócio que está descontando duplicadas pagando juros altos realmente precisa desse crédito. Ela sabe que é caro. Se ela assim faz, é porque a empresa deve precisar disso para sobreviver. O retorno deve ser alto.

Por outro lado, quem só quer pagar 1% ao mês deve ter um projeto com retorno mais baixo. Por isso que essa pessoa não está disposta a pagar mais.

A economia cresce mais se o dinheiro é investido nos projetos mais rentáveis. O problema do crédito subsidiado é que ele não segue o sinal dos preços: segue caminhos determinados pelo governo.

Além das questões de equidade, há questões de eficiência: o retorno desses investimentos (e, portanto, o crescimento da economia) será muito menor, a não ser que o governo consiguisse identificar setores em que: (i) o retorno para o empresário é pequeno (por isso ele não quer pagar mais de 1% ao mês de juros) e (ii) o retorno para a sociedade como um todo é grande.

Consegue? Isso foi testado no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Deu muito errado (para a economia como um todo; claro que muitos se beneficiam).

E, mais uma vez, a gente parece estar querendo aplicar o dinheiro do parente na caderneta de poupança.

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Muitos vão me perguntar:

– Você falou que o Nelson Barbosa seria melhor do que as expectativas. O que acha agora? Continuo achando que Nelson Barbosa “tem até mais chance que Joaquim Levy de promover algum ajuste e colocar o país em um rumo um pouco melhor”. O governo vai tentar passar medidas de ajuste fiscal, está até falando em reforma da previdência e, politicamente, dever ser um pouco mais fácil vencer resistências com Barbosa que com Levy. Mas continuo achando que Nelson Barbosa “é um heterodoxo, ou seja, alguém que estudou economia lendo pesquisa de muito pouca relevância na academia internacional e que acha que isso faz sentido. “

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Nelson Barbosa será melhor do que se espera http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/12/21/nelson-barbosa-sera-melhor-do-que-se-espera/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/12/21/nelson-barbosa-sera-melhor-do-que-se-espera/#respond Mon, 21 Dec 2015 04:00:19 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=375 Era quarta-feira, 19/11/2014. Kaushik Basu, economista chefe do Banco Mundial, estava em São Paulo por conta de uma conferência acadêmica e aproveitava a ocasião para jantar com um grupo de economistas brasileiros da academia e do mercado financeiro.

Naturalmente, Kaushik Basu estava interessado na opinião dos economistas sobre o Brasil.

Em grupos como esse, era praticamente unânime a opinião que o primeiro mandato de Dilma Rousseff havia sido lastimável e que 2015 seria um ano muito difícil para a economia brasileira.

Por isso, um dos economistas presentes no jantar causava enorme surpresa. Falando animadamente, ele emitia opiniões razoavelmente positivas sobre a economia brasileira e não era muito crítico à presidente recém reeleita.

Parecia muito estranho.

Dois dias depois, o mistério se resolvia. Na sexta-feira, a Folha anunciava que esse economista, Joaquim Levy, assumiria o Ministério da Fazenda.

Já no jantar de quarta-feira, Joaquim Levy tentava fazer parte de um todo onde ele não cabia. Ele continuaria tentando por mais de um ano, sem muito sucesso. A situação continuaria parecendo estranha.

No fim de semana do anúncio, eu encontraria, por acaso, num prosaico sushi de shopping center, o outro ministro indicado para a área econômica, que almoçava sem ser notado. Desejei sorte a Nelson Barbosa e fui.

É improvável que algo assim prosaico tenha tido espaço nesse fim de semana de Nelson Barbosa, o homem sob todos os holofotes.

A maior parte dos petistas parece comemorar a guinada na política econômica.

A grande maioria dos analistas que leio espera menos austeridade fiscal e uma gestão ruim no ministério, com a ressurreição das políticas malfadadas do primeiro mandato de Dilma Rousseff.

Eu não concordo. Se tanta gente pensa assim, eu devo estar enganado, mas não entendo.

No momento, me parece que Nelson Barbosa tem até mais chance que Joaquim Levy de promover algum ajuste e colocar o país em um rumo um pouco melhor.

Não que eu aprecie as ideias econômicas de Nelson Barbosa.

Nelson Barbosa é um heterodoxo, ou seja, alguém que estudou economia lendo pesquisa de muito pouca relevância na academia internacional e que acha que isso faz sentido. Não tenho nada positivo a falar sobre sua formação (explico aqui o que significa ortodoxo em economia).

São frutos dessa visão heterodoxa as fracassadas ideias econômicas do primeiro mandato de Dilma Rousseff, como a “Nova Matriz Econômica”, a enorme expansão do BNDES e a lei do conteúdo local.

Entretanto, Nelson Barbosa é uma pessoa inteligente, capaz de aprender com os erros do passado. Dentre o grupo de economistas heterodoxos, ele deve estar entre os melhores. Comparado com o Mantega, Nelson é um enorme avanço.

OK, mas por que ele pode ser melhor que o Joaquim Levy?

Porque Joaquim Levy era o estranho no ninho, a parte que não cabia no todo, por mais que ele se esforçasse para parecer o contrário. Isso gerava dois problemas: (1) era muito difícil conseguir apoio para as medidas; e (2) os eleitores não aprendiam.

Com Levy no ministério, entidades ligadas ao PT protestavam contra a política econômica. Os economistas heterodoxos atacavam sua política neoliberal, o culpavam pela crise. Para piorar, o Ministro do Planejamento queria seu cargo.

Agora, com Nelson Barbosa na Fazenda, o PT não pode botar a culpa no “neoliberal infiltrado”. Economistas heterodoxos que antes se opunham às propostas de ajuste fiscal agora serão menos críticos a propostas muito parecidas.

Os eleitores, por sua vez, têm mais uma chance de aprender. Afinal, se o Nelson Barbosa quer o ajuste fiscal, é porque isso deve ser mesmo bom para o país (o efeito Nixon-vai-a-China, que eu expliquei aqui).

E me parece claro que Nelson Barbosa vai fazer o possível para ajustar as contas.

Ele entende que a recuperação econômica depende do setor privado investir e que, para isso, é preciso recuperar a confiança dos investidores, reduzir a incerteza. Ele sabe que isso requer ajustes nas contas do governo e uma mudança na trajetória de gastos públicos.

De acordo com a visão geral pessimista (e com a visão otimista dos petistas), Nelson Barbosa acha que o ajuste fiscal não é necessário, que a crise é fruto do ajuste. Isso é implausível.

Em suma, a vantagem nessa troca é que Nelson Barbosa deve ter mais facilidade para aprovar as medidas de ajuste. A desvantagem vem das diferenças entre as visões para a economia de Nelson Barbosa e Joaquim Levy.

Para o momento atual, a desvantagem não é muito importante.

Afinal, Joaquim Levy não estava conseguindo aprovar muita coisa. Qual a política econômica desse governo? Quaisquer que fossem os ideais de Levy, o fato é que muito pouco estava dentro do limite do possível para ele.

Além disso, no momento, interessa menos o tipo de economia que cada um quer construir. É hora de apagar o incêndio, ajustar as contas.

Então, o que mais importa é que Nelson Barbosa tem uma chance um pouco maior de conseguir aprovar algumas reformas e fazer algum ajuste.

É improvável que você tenha mais desprezo que eu pela chamada “heterodoxia econômica”. E eu gosto do Joaquim Levy. Mas respeito o Nelson Barbosa e acho que essa mudança no ministério pode contribuir para tirar o Brasil do buraco.

Referências:

– Como exemplos, essas matérias na Folha e na Economist vêem com preocupação a mudança de ministros.

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