A Economia no Século 21mentira – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A raiz do problema http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/11/05/a-raiz-do-problema/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/11/05/a-raiz-do-problema/#respond Thu, 05 Nov 2015 07:00:34 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=318 Lula, Dilma, Temer, Aécio, Marina, Serra, não importa: quem estivesse no governo estaria buscando fazer um ajuste fiscal. Todos eles e muitos outros acreditam que o país estará pior sem o ajuste.

As possíveis exceções a esse consenso seriam partidos com muito pouca expressão, mas não é claro que esses seriam fiéis a seus discursos se acaso vencessem a eleição.

Apesar desse consenso, muito pouco ajuste fiscal foi feito. Claro, há discordâncias sobre a forma de fazer o ajuste fiscal, mas esse não é o principal empecilho. O problema é que muitos eleitores são contra o ajuste.

Em casos como esse, os políticos têm dois caminhos: (1) tentar convencer a população (se possível, antes da eleição); ou (2) falar uma coisa e tentar fazer outra.

Por tempo demais, a segunda opção tem sido escolhida – e, frequentemente, premiada pelos eleitores.

Em uma democracia que funciona bem, há partidos políticos com visões e propostas distintas. O partido que ganha a eleição busca implementar medidas condizentes com seus ideários que, em linhas gerais, são conhecidos pelo eleitor. Assim, ao votar em um candidato, estamos votando em um conjunto de propostas.

Aqui, não. Aqui, há o curioso conceito de estelionato eleitoral, que consiste, nas palavras de Lula, em ganhar as eleições com um discurso e, depois, mudar o discurso e fazer o que dizia-se que não seria feito.

Temos, então, uma estranha forma de democracia: o discurso de campanha não é para valer e nem é claro que um partido buscará implementar medidas consistentes com suas bandeiras. Não é só que os candidatos prometem demais; por vezes, prometem o oposto do que buscarão fazer.

A questão fiscal é apenas um exemplo do debate político de mentira que tem assolado o país nos últimos anos. Na eleição de 2014, dos pratos que sumiam das mesas das pessoas às ameaças de se entregar o Ministério da Fazenda a um banqueiro, nada buscava se relacionar à realidade.

O debate político em 2014 centrava-se em questões sobre as quais havia muito pouca diferença nos reais planos dos candidatos. Muito pouca atenção era dada a questões sobre as quais havia, de fato, grandes diferenças entre os planos da oposição e as ações de Dilma no primeiro mandato.

Por trás da dificuldade de governar de hoje, está o debate de mentira que há tempos assola o país.

De maneira mais geral, falta à nossa democracia uma discussão política de verdade. Assim, fica difícil construir um país melhor.

Na raiz do problema, a meu ver, há dois fatores: (1) a maior parte das pessoas (inteligentes e bem informadas) entende relativamente pouco de economia; e (2) os caminhos da história recente da nossa política contribuíram para nos trazer ao surreal debate corrente.

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Por conta disso, há um ano, eu resolvi descer da proverbial torre de marfim onde se passa minha vida acadêmica para escrever um livro. A versão impressa será lançada nessa sexta-feira dia 6 de novembro, pela Editora BEI. A versão digital (com pequenas diferenças, cerca de 4 páginas mais curta) foi lançada em julho deste ano.

O livro tem dois objetivos básicos: (1) gerar uma compreensão mais clara e profunda sobre política monetária, ajustes fiscais, o programa Bolsa Família e várias outras questões de política econômica menos aparentes, mas ainda mais importantes; e (2) mostrar os caminhos trilhados pela economia brasileira nos últimos anos e as visões por trás das políticas adotadas em diferentes períodos.

O título que imaginei há um ano era “A grande mentira”, mas acabei achando que parecia sensacionalista demais. Escolhi então “A riqueza da nação no século XXI”, em uma alusão a Adam Smith e Thomas Piketty.

Além de contribuir para a discussão sobre política econômica, o livro pretende ajudar o leitor a entender como chegamos a um debate político tão surreal (a “grande mentira” do título inicial).

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A mentira da crise internacional http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/28/a-mentira-da-crise-internacional/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/28/a-mentira-da-crise-internacional/#respond Mon, 28 Sep 2015 15:45:13 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=41 Mais uma vez, a tal crise internacional é usada pelo governo como justificativa para o fraco desempenho econômico do Brasil nos últimos anos. Faz sentido essa justificativa?

Se a economia mundial cresce pouco, é natural que o país acabe sendo afetado. Em primeiro lugar, pelo efeito direto: a demanda por nossas exportações e a capacidade de investimento estrangeiro crescem junto com a economia mundial. Em segundo lugar, porque os motivos que fazem a economia mundial crescer pouco também devem afetar o Brasil, sejam lá quais forem esses motivos.

Vamos, então, aos dados. O gráfico abaixo mostra o crescimento do produto mundial entre 1991 até 2014.

crescimentoprodutomundo

Vemos, em 2009, o efeito da crise internacional, mas e depois? A economia mundial cresceu 3,6% ao ano no período 2011-2014, praticamente o mesmo que entre 1995-2002 e 2007-2010 (3,5% ao ano nos dois casos). No período correspondente ao primeiro mandato de Lula, 2003-2006, a economia mundial cresceu 5% ao ano.

Nem todos os países estão indo bem, como sempre, mas a economia mundial tem crescido bem e sem solavancos desde 2011. Além disso, são os países emergentes, os mais parecidos com o Brasil, aqueles que mais têm crescido. Quem não vai bem é a velha Europa.

As evidências sobre a tal crise internacional parecem se basear em exemplos específicos, do tipo “saiu ontem no jornal que tal país da Europa está em recessão este ano”. Isso faz tanto sentido quanto usar uma matéria do telejornal que noticia crimes como evidência sobre o aumento da criminalidade. O gráfico deste post mostra o crescimento da economia mundial como um todo.

Os dados podem parecer surpreendentes, pois tanto os países europeus quanto os asiáticos parecem estar crescendo menos que cresciam antes. Note, porém, que na década de 1990, os países asiáticos tinham um peso modesto na economia mundial. Assim, naqueles tempos, um crescimento de 10% ao ano na China não afetava tanto a economia do mundo como um todo (assim como um grande aumento na remuneração do garoto estagiário não muda muito a renda da família).

Desde então, as economias asiáticas cresceram muito e passaram a ter um peso muito maior no produto do mundo. Hoje, um crescimento de 7% na China corresponde a um aumento substancial na demanda e na capacidade de investimento mundial (na analogia com a renda da família, a China não é mais o garoto estagiário, é um gerente com um bom salário).

Está bem, a economia mundial vem crescendo bem, mas essa não é a única variável relevante no cenário internacional, certo? Sim. Duas outras variáveis importantes são: (1) a taxa de juros vigente nos países desenvolvidos e (2) o preço dos produtos não industrializados (as tais commodities).

Como eu expliquei neste post, a taxa de juros norte-americana em termos reais (já descontada a inflação do dólar) pode ser vista, de maneira bem simplificada, como uma espécie de taxa Selic do mundo. Quando os juros reais americanos estão baixos, emprestar ao governo dos Estados Unidos rende muito pouco. Assim, outras oportunidades de investimento ficam mais atraente. As taxas de juros reais nos países desenvolvidos estão em níveis baixíssimos, o que é muito bom para as economias emergentes, como o Brasil.

Por fim, os preços das commodities. Não estão tão baixos (em termos históricos), mas meu ponto aqui é outro. Quão importantes são esses preços?

A exportação de produtos não industriais foi responsável por 38,5% do valor total exportado pelo Brasil em 2014. Bastante. Porém, cerca de 88% da produção brasileira é destinada ao mercado interno, apenas 12% do que produzimos é exportado.

Assim, as exportações de commodities são cerca de 5% do produto brasileiro. Além disso, cerca de 2% do produto brasileiro é gasto com a importação de produtos não industriais. Quando as commodities estão baratas, recebemos menos pela soja exportada, mas também pagamos menos pelo trigo que importamos.

Portanto, uma queda de 15% no preço de todas as commodities (algo incomum) seguida por alguns anos de estabilidade de preços nesse nível mais baixo tem um efeito direto sobre o produto brasileiro inferior a 0,5% no primeiro ano e nenhum efeito nos anos seguintes (pois os dados de crescimento comparam um ano com o ano anterior). Efeitos indiretos podem atenuar ou acentuar o efeito direto.

Assim, variações nos preços de commodities afetam o Brasil, mas não tanto para derrubar nossa economia agora, nem para justificar o desempenho bom na década passada.

Em suma, a crise internacional do discurso oficial é uma mentira.

Os reais motivos para a forte desaceleração da economia brasileira durante o governo de Dilma Rousseff são outros. Ao usar a crise internacional como justificativa para os déficits em anos passados, a presidente não está reconhecendo os erros que nos trouxeram a uma situação de baixa produtividade e pouco investimento.

Referências:

– Boa parte desse post foi adaptada de um trecho do meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”.

– Os dados para o crescimento mundial eu tirei do site do FMI.

– Os dados de exportação e importação eu tirei do site do ministério que cuida disso.

– Discurso da presidente: “Por seis anos, buscamos evitar que os efeitos da crise mundial que eclodiu em 2008, no mundo desenvolvido, se abatessem sobre nossa economia e sociedade.

Detalhe:

– Exemplo de efeito indireto atenuante: se cai demais a demanda internacional por bens agrícolas e seus preços nos mercados internacionais, o produtor pode passar a produzir outra coisa, possivelmente para o mercado interno.

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