A Economia no Século 21lava jato – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Lava Jato: o que está em jogo é a regra do jogo http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/03/28/lava-jato-o-que-esta-em-jogo-e-a-regra-do-jogo/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/03/28/lava-jato-o-que-esta-em-jogo-e-a-regra-do-jogo/#respond Mon, 28 Mar 2016 11:30:40 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=784 Richard Turere tinha 13 anos e um problema. Os leões do Parque Nacional de Nairobi atacavam o gado que garantia a sobrevivência de sua família no Quênia.

Após tentativas e erros, sem nunca ter estudado circuitos elétricos, ele criou um sistema que acendia e apagava luzes e passava aos leões a impressão de que alguém vigiava o gado com uma lanterna.

Funcionou, os leões não mais incomodaram o gado e sua invenção se espalhou para outras famílias no Quênia.

Larry Page e Sergey Brin tinham vinte e poucos anos e um produto na cabeça. Era o começo da era da internet, começava a haver mais e mais informação na rede, mas não era fácil achar o que se buscava.

Page e Brin criaram o Google.

Softwares e sites são criados a todo momento no mundo todo. De acordo com notícia da Folha, um software foi desenvolvido para o departamento de propinas da Odebrecht.

Assim como o Google, a Odebrecht é (ou era) uma empresa de grande sucesso, líder no seu mercado.

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Quando comparamos o Quênia de Richard Turere e os Estados Unidos do Google, salta aos olhos a grande diferença entre o estoque de capital, o nível educacional e o grau de avanço da tecnologia embutida nos processos de produção nos dois países.

Contudo, essa é só parte da explicação pela grande diferença de renda entre os dois países.

O trabalho de pessoas talentosas e bem educadas e o capital disponível para investimentos podem ser alocados em atividades que geram riqueza, ou em atividades que trazem benefícios a uns em detrimento de outros.

O que as pessoas decidirão fazer vai depender das regras do jogo.

Larry Page e Sergey Brin criaram o Google e ficaram bilionários.

Eles foram capazes de desenvolver um excelente algoritmo para procurar sites na internet e um site de buscas muito bom para o usuário.

Para criar o Google, eles precisaram de dinheiro. Ainda antes da empresa ser registrada, eles receberam um cheque de US$ 100 mil de Andy Bechtolsheim, a primeira injeção de capital no que seria a Google Inc.

Por esses e outros investimentos e por seu trabalho na área, Andy Bechtolsheim também ficou bilionário.

O sucesso nesse mercado depende de fatores como a eficiência do algoritmo e a qualidade da interface. A recompensa pelo sucesso é grande, e isso atrai profissionais muito talentosos e qualificados.

Além disso, investidores se sentem suficientemente seguros para colocar dinheiro nesses empreendimentos. Sabem que se a empresa tiver sucesso, eles receberão sua parte nos lucros.

A grande maioria das empresas do mundo da internet são americanas. Não porque os americanos são intrinsecamente melhores nesse negócio. Sergey Brin nasceu na Rússia; Andy Bechtolsheim, na Alemanha.

Uma das explicações para o sucesso americano nesse mercado é o grande desenvolvimento de seu mercado de capitais.

Os mercados de capitais americanos são desenvolvidos não porque os americanos sabem emprestar dinheiro melhor que os outros, mas porque os investidores se sentem protegidos pelas regras do jogo. Estas garantem os direitos de quem colocou dinheiro na empresa.

Há muitas histórias como a do Google (por exemplo, a criação da Apple por Steve Jobs, Steve Wozniak e Mike Markkula).

Em suma, nos Estados Unidos, as regras do jogo levam muitas pessoas talentosas a trabalharem no desenvolvimento de softwares para o mundo da internet, financiadas com o capital aventureiro de quem quer apostar nessas empresas.

Marcelo Odebrecht também ficou bilionário.

A Odebrecht tem a capacidade de ganhar concorrências para executar obras públicas que dão um bom lucro.

De acordo com as denúncias recentes, o segredo do sucesso da Odebrecht não é um método inovador de produção, que garante baixos custos à empresa, mas um bem montado esquema de propinas que garante a vitória nas concorrências.

Métodos de construção mais eficientes nos permitem produzir mais com menos. É esse o motor do desenvolvimento. Contudo, um bom esquema de propinas só muda a alocação de obras entre construtoras, não gera riqueza.

Se a regra do jogo premia quem monta o melhor esquema de propina, pessoas inteligentes trabalharão em atividades que não geram riqueza para o país.

Para as pessoas, isso é lucrativo. Para o país, é um desperdício de recursos.

Richard Turere não ficou bilionário, muito pelo contrário. Outras famílias do Quênia copiaram sua ideia (com sua ajuda), mas ele não ganhou um dólar por isso.

Desenvolver maneiras de evitar que os leões ataquem as vacas no Quênia ajuda muitas famílias, mas isso não se traduz em lucro para o inventor. As regras do jogo não atraem o dinheiro e o trabalho de pessoas talentosas para resolver esse problema.

Assim, o progresso tecnológico nessa área depende das invenções de adolescentes brilhantes que nunca estudaram eletrônica.

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Se fosse resumir os princípios básicos da ciência econômica em algumas frases, uma delas certamente seria: “as pessoas reagem a incentivos”.

Há mentes brilhantes, energia para o trabalho e vontade de ganhar dinheiro em todas as partes do mundo.

As regras do jogo determinam se o caminho para ganhar dinheiro é gerar mais ideias ou se é puxar o dinheiro dos outros para si.

No Brasil de hoje, montar um esquema de propina é lucrativo. Isso não nos torna mais produtivos. Não gera desenvolvimento.

O Brasil será um país desenvolvido e próspero quando as regras do jogo direcionarem a vontade de ter lucro para o trabalho em atividades que geram riqueza.

As recentes operações anti-corrupção, com as prisões de grandes executivos e de alguns políticos, trazem a esperança de que o caminho pelo esquema de propinas esteja se tornando mais arriscado do que se pensava.

Claro que muitos corruptos não serão presos. Mas para o futuro, o que importa é a mudança nas regras do jogo (e na percepção sobre as regras).

Se passarmos a acreditar que a corrupção pode custar caro, haverá menos incentivos para bons esquemas de propinas e mais incentivos para inovações e ganhos de produtividade.

Para o desenvolvimento de uma nação no longo prazo, há poucas coisas tão importantes quanto regras do jogo que premiam a produção, as invenções e as ideias que nos fazem mais produtivos – seja para afastar os leões, construir rodovias ou encontrar algo na internet.

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A quem interessa o fim desse governo? http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/03/21/a-quem-interessa-o-fim-desse-governo/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/03/21/a-quem-interessa-o-fim-desse-governo/#respond Mon, 21 Mar 2016 11:07:39 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=763 Há diversas narrativas no debate sobre o atual governo e as investigações sobre corrupção. Este post foca em duas delas.

Primeira narrativa:

Há muita corrupção no governo, o Petrolão é um escândalo de enormes proporções e os principais líderes do governo devem ser responsabilizados.

Há, aliás, corrupção demais na política em geral. Em parte, porque há muita impunidade: políticos e empresários corruptos quase nunca são punidos.

É exatamente por isso que as investigações e prisões recentes são tão animadoras. Empreiteiros milionários e políticos poderosos têm sido presos e condenados. Daqui para frente, políticos e empresários, ao decidir entre a corrupção e um caminho mais honesto, levarão em conta que há possibilidade de punição.

A forte reação da maioria contra esse governo decorre não apenas da corrupção, mas de dois outros fatores.

O primeiro é a incompetência do governo que está causando uma crise enorme, afetando negativamente a renda de todos, ricos e pobres.

O segundo é o discurso desonesto do governo, que inventa uma luta entre poderosos e oprimidos para justificar a corrupção e a incompetência.

Segunda narrativa:

Sim, há corrupção no governo e na política como um todo. Mas é ingenuidade achar que o que se retrata hoje como uma operação anti-corrupção tem de fato esse objetivo.

O que se vê hoje é uma operação orquestrada pelas elites para acabar com o governo do PT. A maioria que hoje defende o impeachment está sendo enganada pela grande imprensa.

Há interesses econômicos por trás do clamor por impeachment: a elite quer tirar do poder um governo que tem optado por beneficiar os pobres em detrimento dos ricos.

Como distinguir entre as narrativas?

Algumas implicações são comuns às duas narrativas. Por exemplo, nos dois casos, espera-se que os ricos estejam contra o governo (na primeira narrativa porque o governo é ruim para todos, na segunda porque o governo é ruim para os ricos)

Além disso, é claro que as motivações de vários políticos não são nada nobres. Isso é consistente com as duas narrativas (pode resultar de uma conspiração das elites contra o PT, ou da existência de muitos corruptos na política).

Quem defende a primeira narrativa dirá que se queremos um ambiente político menos corrupto, precisamos começar a punir, e há motivos de sobra para tal. Quem defende a segunda dirá que os políticos em geral não se sentirão mais ameaçados com o sucesso da Lava Jato, pois o processo é só uma investida contra o PT.

Para distinguir entre teorias, precisamos buscar implicações distintas de cada uma delas que possam ser contrastadas com fatos e dados.

As duas narrativas têm implicações bem diferentes para a política econômica.

De acordo com a primeira narrativa, as escolhas de política econômica nessa década têm sido desastrosas para todos. O fim desse governo interessa a todos.

De acordo com a segunda narrativa, a política econômica do governo tem focado nos pobres e prejudicado os ricos. O fim desse governo só interessa aos ricos.

Precisamos, então, olhar para a política econômica. E aí, a evidência é consistente com a primeira narrativa e contrária à segunda.

A política econômica desde 2010

O aumento real do salário mínimo é um exemplo frequentemente citado de medida do governo do PT para beneficiar os mais pobres.

A expansão desenfreada do BNDES é um exemplo frequentemente citado de medida do governo do PT para beneficiar os mais ricos.

Há vários exemplos como esses. Combinados, mostram que é incorreto caracterizar a política econômica dessa década como sendo pró-rico ou pró-pobre.

A política econômica dessa década foi, isso sim, mais intervencionista. Por vezes, isso afeta diretamente os mais ricos; por vezes, o efeito direto é sobre os mais pobres. Só que o efeito não para por aí.

Essas intervenções de política têm efeitos sobre a economia como um todo. Efeitos bons ou ruins? Muitos economistas, como eu, acham que na maior parte das vezes, são ruins. Outros acham que são bons (ou achavam na época). Outros defendem o caminho em linhas gerais, mas discordam das políticas aplicadas.

A discordância é, portanto, sobre o efeito na economia como um todo, não sobre favorecer pobres ou ricos.

A economia vai muito mal nessa década por conta das políticas econômicas aplicadas desde 2010. O governo culpa uma crise internacional, mas sabe que isso é mentira. Fazendo de conta que a Nova Matriz Econômica de 2012-2013 nunca existiu, o governo tenta mudar o rumo da política econômica. Economistas discordam sobre quanto de fato se pretende mudar. Não dá para saber mesmo, porque o governo não está conseguindo mais governar. E assim, a economia como um todo sofre.

A questão central da discussão sobre política econômica até pouco tempo atrás era o efeito da política fiscal sobre a economia como um todo.

Quem era contra o ajuste fiscal argumentava que o ajuste causaria recessão e nos afundaria em uma crise. Seria, portanto, ruim para todos.

Quem era a favor, dizia que o ajuste fiscal era necessário para equilibrar as contas e gerar confiança, o que traria de volta os investimentos. Seria, portanto, bom para todos.

Por fim, a discussão sobre o Bolsa Família é falsa. Lula tem o mérito de ter implementado um programa de transferência de renda muito bom e muito bem sucedido. Mas o mérito deve ser repartido com os economistas “ortodoxos” do seu governo que elaboraram o programa, não com os ministros do PT que, na época, eram contra (a história do Bolsa Família não cabe neste post, eu conto no meu livro).

Hoje, ninguém quer acabar com o Bolsa Família e muitos dos seus principais criadores se opõem fortemente ao governo Dilma.

Vamos resolver essa discussão

Há uma conspiração contra o PT, pois o governo beneficia pobres em detrimento dos ricos? Ou o governo está sendo ruim para todos?

Hoje, leigos de todo o Brasil discutem aspectos jurídicos da operação Lava Jato. Contudo, por trás da questão jurídica, paira um embate entre versões das narrativas apresentadas aqui.

Sem resolver esse embate, as discussões sobre esses e outros aspectos conjunturais não são úteis e nem agradáveis.

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As urnas punem os políticos corruptos? http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/03/07/as-urnas-punem-os-politicos-corruptos/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/03/07/as-urnas-punem-os-politicos-corruptos/#respond Mon, 07 Mar 2016 13:47:37 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=713 Muito se especula sobre o efeito das notícias recentes sobre corrupção no comportamento do eleitor nas próximas eleições. Será que essas notícias terão impacto nas urnas?

urna

Em maio de 2003, o governo deu início a um programa de auditoria dos gastos de governos municipais. As auditorias verificavam se havia corrupção e mau uso do dinheiro público.

Todo mês, alguns municípios passaram a ser sorteados para essa auditoria. Os resultados para cada município eram postados na internet e divulgados para a imprensa.

Em vários municípios, os auditores da CGU encontravam casos de superfaturamento, negócios da prefeitura com empresas fantasmas, recibos falsos, etc. Em outras cidades, não se encontravam casos de corrupção.

Essas auditorias oferecem aos pesquisadores uma oportunidade de verificar a reação dos eleitores às informações sobre os casos de corrupção.

Em trabalho publicado em 2008, Claudio Ferraz e Frederico Finan usam esses dados e uma estrátégia de estimação criativa para driblar os problemas comuns a trabalhos empíricos em ciências sociais.

A pergunta é a seguinte: como a informação sobre corrupção em uma cidade afeta a chance de reeleição do prefeito?

A auditoria realizada antes da eleição de 2004 nos traz informações sobre corrupção às quais o eleitor teve acesso; a auditoria realizada em 2005 nos traz as mesmas informações, mas essas chegam tarde demais para afetar a eleição.

Comparando municípios com casos de corrupção parecidos auditados antes e depois das eleições, podemos ver quão importantes são as informações reveladas pelas auditorias.

As técnicas estatísticas usadas no trabalho basicamente fazem essa comparação de modo sistemático e nos traduzem em números os efeitos médios dos casos de corrupção revelados pelas auditorias.

O trabalho de Ferraz e Finan mostra que em municípios com muitos (três ou mais) casos de corrupção, a auditoria reduz a probabilidade de reeleição do prefeito em cerca de 14 pontos percentuais.

Comparando duas cidades muito parecidas, ambas com muitos casos de corrupção, se a probabilidade de reeleição seria 50% sem a informação da auditoria, ela cai para 36% com a auditoria antes da eleição.

Esse efeito é grande. Afinal, as auditorias não devem ser a única fonte de informação sobre corrupção. Em geral, casos de corrupção devem despertar suspeitas. Além disso, nem todos os eleitores devem ficar sabendo do resultado da auditoria.

Por outro lado, mesmo a revelação de casos graves de corrupção não aniquila as chances de reeleição do prefeito. Não faltam exemplos de políticos corruptos reeleitos e isso não é diferente nas eleições municipais.

Não é fácil traduzir o significado desses resultados para o contexto de eleições nacionais, mas também não faz sentido descartar essa informação.

A evidência com dados de auditorias nas contas dos municípios mostra que o eleitor aprende com as notícias sobre corrupção e leva isso em conta em suas decisões.

A corrupção é apenas um dos vários determinantes do comportamento do eleitor, mas tem um efeito considerável nas chances de reeleições dos prefeitos.

Referência:

– Ferraz, Claudio and Finan, Frederico (2008), “Exposing Corrupt Politicians: The Effect of Brazil’s Publicly Released Audits on Electoral Outcomes”, Quarterly Journal of Economics 123, 703–745. O Quarterly Journal of Economics é um dos períodicos de maior prestígio na área de Economia.

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