A Economia no Século 21inflação – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A inflação como calote http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/19/a-inflacao-como-calote/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/19/a-inflacao-como-calote/#respond Mon, 19 Oct 2015 10:26:31 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=245 Este post fecha a sequência de três textos sobre a relação entre a inflação e o desequilíbrio nas contas públicas.

Nos últimos posts, falei sobre a inflação como um imposto. Há um outro canal ligando a inflação e as contas públicas: a inflação pode funcionar como uma espécie de calote na dívida.

A ideia é a seguinte: suponha que o governo tenha uma dívida de R$ 120 vencendo daqui a dois anos.

  • Se a inflação no período todo for 20%, a dívida equivale a R$ 100 hoje: corrigindo pela inflação de 20%, R$ 100 hoje equivalem a R$ 120 ao final do período.
  • Se a inflação no período for 50%, a dívida equivale a R$ 80 hoje: corrigindo pela inflação de 50%, R$ 80 hoje equivalem a R$ 80 + $ 40 = R$ 120 ao final do período.

Isso significa que a inflação maior reduz o valor real da dívida que não é indexada. Uma espécie de calote.

Parece, então, que a inflação pode acabar fechando as contas do governo por esse canal. Note, porém que:

  1. A maior parte da dívida do governo brasileiro é indexada à inflação ou à taxa de juros corrente (ou ao câmbio). O efeito explicado acima só funciona para a parte da dívida pré-fixada (ou seja, não indexada). Hoje, uma parte substancial da dívida é pré-fixada, mas a maior parte não é .
  2. Além disso, se a inflação sobe e passa a funcionar como uma espécie de calote, os investidores deixam de comprar títulos públicos pré-fixados de prazo mais longo. De fato, na época da inflação alta, títulos pré-fixados tinham prazo de pouco meses, não mais. A inflação de poucos meses é relativamente bem antecipada pelo mercado.

Assim, não creio que a inflação será o calote que “fechará a conta” do governo porque a maior parte da dívida é indexada e, além disso, à medida que a inflação sobe, deixa de existir dívida pré-fixada cujo valor pode de fato ser afetado por mais inflação.

Resumindo a sequência de posts sobre a inflação e as contas públicas:

  • a inflação pode funcionar como um calote (relativamente pequeno para inflações moderadas) em uma parte da dívida, mas isso tem efeito significativo apenas no curto prazo, enquanto os investidores não esperam esse “calote”;
  • além disso, a inflação pode funcionar como um imposto, mas é preciso uma inflação substancial para que esse imposto resolva o problema fiscal (como expliquei aqui).

Conclusão: como eu já disse, a inflação seria uma solução ruim para o desequilíbrio fiscal. Podendo escolher, qualquer governo vai preferir o ajuste fiscal à inflação.

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O imposto inflacionário http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/17/imposto-inflacionario/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/17/imposto-inflacionario/#respond Sat, 17 Oct 2015 14:38:35 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=230 No post do dia 16/10, a pergunta era se a inflação seria o imposto que fecharia as contas públicas. Julgando pelo feedback que eu recebi, vale a pena explicar melhor esse tal de imposto inflacionário.

A quantidade de moeda que carregamos conosco é proporcional aos preços na economia. Quase ninguém carrega 5.000 reais na carteira, mas isso não seria estranho se o cafezinho custasse 500 reais. Uma padaria tem muito mais que 18 reais em caixa para dar troco, mas essa quantia seria mais que suficiente se o pãozinho custasse 3 centavos.

Se tirássemos 1 zero da moeda, ou seja, se criássemos o Real Novo valendo 10 Reais atuais e nada mais mudasse na economia, carregaríamos conosco a mesma quantidade de reais (ou seja, quem hoje gosta de ter 50 reais no bolso, andaria com 5 reais novos).

Para entender o imposto inflacionário, vamos agora considerar um exemplo hipotético. Suponha que a inflação seja 10% ao ano todo ano e nada mais se modifique na economia. Nesse caso:

1. A cada ano, as pessoas e empresas vão querer portar 10% a mais em moeda (para ficar com a mesma quantidade de moeda em termos reais).

2. A cada ano, a moeda comprará 10% a menos. 11 reais hoje comprarão o que 10 reais comprava há um ano.

Se ano passado havia R$ 100 bilhões em moeda na economia, esse ano haverá R$ 110 bilhões. Como esses R$ 10 bilhões entraram na economia? O governo (ou o Banco Central) trocou esse dinheiro por alguma outra coisa. Por exemplo, o governo usou esses R$ 10 bilhões para pagar parte de sua dívida que vencia. Assim, ao emitir moeda e usá-la para pagar sua dívida, o governo ganhou R$ 10 bilhões.

Contudo, ao emitir moeda, o governo não criou recursos, não aumentou a capacidade de produção na economia. Assim, se o governo ganhou R$ 10 bilhões, alguém tem que ter perdido. Quem?

Perdeu quem portava moeda. Ao passar de um ano, os R$ 100 bilhões compram menos coisas na economia. Seriam necessários R$ 110 bilhões para comprar o que R$ 100 bilhões compravam há um ano. Cada nota de R$ 100 vale R$ 10 reais a menos do que valia há um ano.

Portanto, com a inflação, o governo emitiu moeda e ganhou R$ 10 bilhões, enquanto as pessoas e empresas que portavam moeda perderam os mesmos R$ 10 bilhões por conta da desvalorização da moeda.

Assim, a inflação funciona como um imposto: há uma transferência de recursos das pessoas para o governo. O portador da nota de R$ 100 perde R$ 10 em um ano. Ao mesmo tempo, para cada nota de R$ 100, o governo emitiu R$ 10 em um ano.

A base da arrecadação do imposto inflacionário é a quantidade de moeda na economia. A alíquota do imposto é a inflação.

Impostos são necessários na economia. Em geral, porém, achamos que o imposto inflacionário é um imposto ruim. Um dos motivos (não o único) é que esse imposto inflacionário atinge principalmente o setor varejista (lojas, mercearias, etc) e os mais pobres, que carregam seus (poucos) recursos em dinheiro. Os mais ricos guardam uma fração ínfima de seus recursos em dinheiro vivo ou em contas sem remuneração. Assim, eles conseguem escapar do imposto inflacionário.

E o dinheiro que fica depositado em uma conta corrente no banco?

Os R$ 100 que ficam na conta corrente (sem remuneração) por um ano também valem, no nosso exemplo, R$ 10 a menos ao final de um ano. O dinheiro que comprava 30 litros de leite há um ano agora só compra 27 litros.

Assim, ao deixar R$100 parados na conta corrente por um ano, com uma inflação de 10%, você perde R$ 10. Quem ganha? O banco. Afinal, há um ano, o banco lhe devia o equivalente a 30 litros de leite, agora só lhe deve 27.

Em suma, a inflação provoca uma transferência de quem tem dinheiro em conta corrente sem remuneração para o banco e, também, de quem está portando moeda para o governo. Esta última transferência pode ser vista como um imposto, o imposto inflacionário.

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A inflação como um imposto http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/16/a-inflacao-como-um-imposto/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/16/a-inflacao-como-um-imposto/#respond Fri, 16 Oct 2015 05:00:20 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=224 Alguns economistas têm alertado que uma das possíveis consequências do desequilíbrio nas contas públicas é o aumento da inflação. O que uma coisa tem a ver com a outra?

A inflação é, entre outras coisas, um imposto sobre o dinheiro que portamos.

Uma alta nos preços de 10% significa que a nota de R$ 10 perde parte do seu valor, pois essa nota só compra agora o que antes custava pouco mais de R$ 9.

Para onde vai esse R$ 1?

Quando emitiu essa nota, o Banco Central a trocou por algo que valia R$ 10.

Digamos que essa nota circulou na economia e, depois de uma inflação de 10%, voltou para o Banco Central, trocada por títulos públicos. Essa nota só comprou o que antes valia R$ 9.

Assim, a perda de valor do dinheiro causada pela inflação gerou uma transferência no valor de R$ 1, de quem portou a nota de R$ 10 para o Banco Central. A inflação funcionou como um imposto sobre o porte de dinheiro.

A base da arrecadação do imposto inflacionário é a quantidade de moeda que circula na economia. A alíquota do imposto é a inflação. (Atualização: escrevi uma explicação mais detalhada sobre o imposto inflacionário neste post).

Se o governo não arrecada o suficiente, a inflação pode ser o imposto que fecha a conta? Quanto esse imposto é capaz de arrecadar?

A quantidade de moeda na economia (a chamada base monetária) é hoje cerca de R$ 250 bilhões, cerca de 4% do PIB brasileiro.

Uma inflação de 0,5% por mês (próxima da dos anos passados) resulta em uma “arrecadação” do imposto inflacionário de cerca de 0,25% do PIB em um ano.

Uma inflação 60 vezes maior (1% ao dia) levaria a uma arrecadação 60 vezes maior (15% do PIB)?

Não, porque um imposto desestimula justamente o que gera a base da arrecadação.

 

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O gráfico acima mostra a quantidade de moeda na economia como proporção do PIB nos anos 1990.

Antes do Plano Real, a inflação era cerca de 1% ao dia.

Pessoas e empresas buscavam deixar quase todo o dinheiro aplicado, ficando com a menor quantidade de moeda possível.

Assim, a quantidade de moeda na economia girava em torno de 0,8% do PIB. O imposto inflacionário arrecadava cerca de 3% do PIB.

Com o Plano Real, a alíquota do imposto inflacionário (a inflação) caiu drasticamente. Ficar com dinheiro no bolso se tornou menos custoso. Para empresas, não valia mais a pena incorrer em custos altos para ficar com o caixa zerado no final do dia.

Logo após o Plano Real, a quantidade de moeda na economia quase triplicou. Aos poucos, pessoas e empresas foram se acostumando à nova situação e a quantidade de moeda na economia continuou aumentando.

Os dados mostram que uma inflação 60 vezes maior gerava uma arrecadação do imposto inflacionário apenas 12 vezes maior, porque a quantidade de moeda na economia era um quinto do que tem sido recentemente (tudo como proporção do PIB).

Conclusão: para uma arrecadação significativa de imposto inflacionário, é preciso uma inflação muito alta.

Essa seria uma solução muito ruim para o desequilíbrio fiscal. Podendo escolher, qualquer governo vai preferir o ajuste fiscal à inflação.

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