A Economia no Século 21ineficiência – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O Uber e a síndrome da licença do táxi http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/07/uber-e-sindrome-da-licenca-do-taxi/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/07/uber-e-sindrome-da-licenca-do-taxi/#respond Wed, 07 Oct 2015 12:19:26 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=86 Diariamente, milhares de pessoas tomam o táxi do Aeroporto Internacional de Guarulhos às regiões centrais de São Paulo e outras tantas vão de táxi no sentido inverso. Contudo, o taxista do aeroporto que traz as pessoas para São Paulo não pode pegar passageiros na rua na cidade. Da mesma maneira, o motorista que leva as pessoas do centro de São Paulo ao aeroporto não pode esperar em uma fila por lá para trazer um passageiro de volta à capital.

À primeira vista, essa restrição pode parecer pouco importante: cada grupo atende o seu mercado, há trabalho para todos, qual o problema?

O problema é que uma viagem de cerca de 28 quilômetros custa o trabalho de um motorista e o uso de um carro por 56 quilômetros. Sob o ponto de vista da sociedade, estamos produzindo cerca de metade do que poderíamos produzir com os recursos que temos.

Claro, há maneiras mais eficientes de organizar os táxis. Se um motorista que leva um passageiro ao aeroporto pudesse esperar em uma fila para trazer passageiros de volta,  o trabalho do motorista e o uso de um carro por 56 quilômetros renderia 2 viagens de 28 quilômetros. A produtividade dobraria. O trânsito seria menor.

A ineficiência é fruto da regulação. Cabe então perguntar: por que precisamos de regulação?

A padaria perto de sua casa oferece pão fresco às 6 horas da manhã não porque o prefeito lutou para forçar o padeiro a trabalhar, mas porque interessa ao padeiro produzir para sua clientela. Por que precisamos de regulação para o transporte urbano?

Na polêmica envolvendo o Uber, os táxis e o transporte urbano, duas opções são normalmente consideradas: regulação e proibição. Mas há também a possibilidade de desregulamentar o táxi, sugerida, por exemplo, por Hélio Schwartsman em coluna na Folha no dia 03/10. O que é melhor para a sociedade como um todo?

A primeira pergunta que devemos nos fazer é: quais as falhas desse mercado? Suponha que não haja qualquer regulação, que o governo arranje uma maneira de cobrar um imposto sobre quem presta esse tipo de serviço e nada mais. Que cada um de nós tenha o direito de pintar três Kombis de laranja no quintal, contratar os vizinhos e montar um negócio de transporte urbano. Quais seriam os problemas?

Em geral, a regulação pode ajudar a minimizar 3 tipos de problemas:

(1) poder de monopólio, que leva a preços muito altos: é o caso dos serviços de telefonia e eletricidade, mas no caso do transporte urbano, a regulação não está aumentando a concorrência (tem até o efeito de reduzir a concorrência);

(2) dificuldade para o consumidor verificar a qualidade do serviço antes da compra (a chamada informação assimétrica): por exemplo, o consumidor não consegue verificar se os freios da minha Kombi funcionam. A pergunta aqui é se o governo consegue reduzir esse problema a um custo que vale a pena para nós contribuintes, ou se o setor privado se encarrega de prestar um bom serviço para construir reputação. O Uber é evidencia de que, no século 21, o governo não precisa interferir para que tenhamos um serviço de transporte de qualidade; e

(3) efeitos indesejáveis sobre outras pessoas (as externalidades): no caso, sem regulação, haveria veículos demais transitando nas ruas, muito trânsito e poluição. Esse é, de fato, um problema relevante. Contudo, a melhor solução é cobrar um imposto que leve em conta esse efeito negativo. (Esse ponto é relacionado à Cide). Aí, arrecadamos recursos e podemos deixar o mercado operar.

O que fazemos hoje? Isentamos os táxis de IPI e ICMS e limitamos o acesso a esse mercado. Fazemos com que os táxis voltem vazios da viagem para o aeroporto (ou do aeroporto). Sob o ponto de vista econômico, essas são maneiras criativas de piorar o funcionamento de um mercado sem qualquer benefício.

O problema é que a razão da existência da regulação para a sociedade como um todo recebe pouca atenção nas discussões. O foco é sempre nos impactos que a regulação tem sobre cada grupo (os taxistas do aeroporto, os 30 mil motoristas de táxi de São Paulo, quem trabalha para o Uber, etc).

Essa é a síndrome da licença do táxi. Esquece-se completamente que a regulamentação deve servir um propósito econômico e que afeta a riqueza do país como um todo. A única coisa que parece estar em jogo é o direito que a regulamentação confere a cada um que tem a licença para operar.

A síndrome da licença do táxi afeta muito mais que o transporte urbano. Ao impor custos e restrições que não trazem benefícios, restringir a competição e não corrigir as reais falhas de mercado, essa síndrome nos torna muito menos produtivos do que poderíamos ser com os recursos físicos e humanos que temos.

E assim, como sociedade, achamos que é natural proibir as pessoas de montarem um negócio com os vizinhos para levar as pessoas de Kombi ao trabalho; nem notamos que a regulação nos obriga a dirigir 56 quilômetros para andar 28, produzindo metade do que poderíamos produzir com os recursos que temos; e não entendemos que é isso que faz do Brasil um país pouco desenvolvido.

Referência:

– Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello fazem uma análise mais detalhada sobre a questão do Uber no post “O Uber e a natureza da regulamentação” no blog “Leis da Oferta”.

– Para a importância de usarmos os recursos com eficiência, ver esse meu post.

Detalhe:

– O caminho de volta para um taxista é permitido se a viagem de táxi foi previamente agendada, mas na prática é difícil casar uma ida com outra volta e na grande maioria dos casos, os táxis voltam vazios.

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