A Economia no Século 21impostos – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A proposta do PT de reforma do Imposto de Renda http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/01/11/a-proposta-do-pt-de-reforma-do-imposto-de-renda/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/01/11/a-proposta-do-pt-de-reforma-do-imposto-de-renda/#respond Mon, 11 Jan 2016 04:00:11 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=534 Um grupo de deputados do PT apresentou recentemente ao governo um conjunto de propostas para “a retomada do desenvolvimento econômico com justiça social”.

Desse conjunto de propostas, o site do PT destaca a alteração na tabela do Imposto de Renda para Pessoas Físicas. Focarei nisso também.

O deputado Vicente Cândido (PT-SP) explica que a reforma está “em busca da justiça tributária”, pois hoje os impostos são “maiores sobre a classe média e sobre os trabalhadores”.

A mudança na tabela do IR geraria uma grande redução no imposto de renda das pessoas. O gráfico abaixo mostra a redução na taxa do imposto de renda devido, em pontos percentuais, para cada nível de renda (para o imposto pago para cada nível de renda, veja este post).

irpf-PT

Para quem ganha até R$ 1900 por mês, a proposta não faz diferença nenhuma.

Quem ganha R$ 5 mil por mês, pagaria 8,5% a menos. Quem tem salário mensal de R$ 10 mil deixa de pagar 18,8% e passa a pagar apenas 4,9%. Quem leva R$ 20 mil por mês deixa de pagar 23,2% e passa a pagar 11,5% (o IR cai pela metade).

Os trabalhadores que recebem R$ 40 mil por mês também se beneficiam da nova proposta: ao invés dos atuais 25,3%, passam a pagar 19%. Para o pessoal da classe média que leva R$ 80 mil mensais de salário, o ganho é de pouco menos de 2 pontos percentuais (mas esse ganho é maior que a renda da maioria da população).

Perde quem ganha mais que R$ 115 mil mensais. Os ricos! Eis a justiça social da proposta.

A proposta é bizarra mas ilustra um ponto que precisamos esclarecer: os ricos somos (muitos de) nós.

De acordo com o censo do IBGE de 2010, cerca de 74% das pessoas com algum rendimento recebiam menos que 2 salários mínimos. Os dados da receita federal indicam uma proporção ainda maior.

R$ 1900 é mais que 2 salários mínimos. Os mais pobres, a vasta maioria da população, têm renda inferior ao piso e não pagam IR. A proposta do PT não os afeta diretamente.

Contudo, a proposta reduz bastante a arrecadação de impostos. Assim, ou mais impostos precisarão ser coletados ou menos serviços serão prestados à população. De qualquer maneira, os mais pobres pagariam parte da conta.

Assim, os mais pobres seriam negativamente afetados por essa proposta de justiça social do PT.

A classe média que se beneficia com a proposta equivale aos 25% mais ricos da população, com exceção de uma ínfima minoria de muito ricos.

A parcela com renda superior a R$ 115.000 equivale a menos de 0,1% da população com renda (dados da receita federal, de 2013). No debate político, os ricos são os outros.

Com base nos dados da receita federal, em 2013, pouco mais de 5% da população com renda declarou rendimentos totais superiores a R$ 6.780. Pouco mais de 2% da população recebeu mais de R$ 13.560.

É difícil estimar quanta renda está no setor informal e é sonegada, então não sabemos exatamente quanto ganham os 5% ou 10% mais ricos. Ainda assim, a implicação dos dados é inescapável: a chamada classe média é a real classe alta.

Sindicatos de trabalhadores que ganham R$ 5 mil ou R$ 10 mil visam defender os direitos de seus associados, que estão dentre os 10% mais ricos. Não há nada errado com isso, em princípio.

Partidos políticos podem escolher defender essa chamada classe média, mas não me venham com discursos inflamados sobre os ricos e poderosos, não se coloquem como os guardiões dos mais pobres. Isso seria ignorância ou hipocrisia.

Na campanha para a eleição de 2001 no Reino Unido, Tony Blair disse: “justiça para mim está concentrada em levantar a renda daqueles que não tem uma renda decente. Não é minha ambição assegurar que David Beckham ganhe menos dinheiro”.

Eu concordo plenamente.

Contudo, hoje em dia, está na moda falar sobre a renda dos 0,1% mais ricos. Nada contra olhar para esses dados, mas o foco pode acabar criando uma falsa sensação de que os ricos são os outros, quando os ricos somos (muitos de) nós.

Isso não gera apenas conversas bizarras em rodas de amigos da chamada classe média. Gera, também, propostas de políticas públicas concentradoras de renda em nome da “justiça social”.

Referências:

– Explico com mais detalhes os efeitos da proposta neste post.

– Discuto a política por trás da proposta neste post.

– A proposta com a nova tabela de alíquotas do IR está no site do PT. As alíquotas marginais de acordo com a proposta são maiores para aqueles que têm renda superior a R$ 27 mil, mas o percentual efetivamente pago só é maior para quem ganha mais que R$ 115 mil mensais.

– Os dados do IBGE estão aqui, mas parecem subestimar a renda dos mais ricos. Os dados da receita federal (aqui) fornecem uma indicação mais próxima da renda das pessoas.

– A citação à frase de Tony Blair está no artigo “Spend it like Beckham? Inequality and redistribution in the UK”, de Andreas Georgiades e Alan Manning, Public Choice (2012), 151: 537-563.

Detalhe:

– Outras mudanças no imposto de renda, além da mudança na tabela, seriam necessárias para que mais que 0,01% da população passasse a pagar mais impostos com a reforma tributária proposta. Uma reforma tributária mais ampla que mexesse nesse ponto seria muito bem vinda, mas esse é assunto para outro post.

 

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O imposto inflacionário http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/17/imposto-inflacionario/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/17/imposto-inflacionario/#respond Sat, 17 Oct 2015 14:38:35 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=230 No post do dia 16/10, a pergunta era se a inflação seria o imposto que fecharia as contas públicas. Julgando pelo feedback que eu recebi, vale a pena explicar melhor esse tal de imposto inflacionário.

A quantidade de moeda que carregamos conosco é proporcional aos preços na economia. Quase ninguém carrega 5.000 reais na carteira, mas isso não seria estranho se o cafezinho custasse 500 reais. Uma padaria tem muito mais que 18 reais em caixa para dar troco, mas essa quantia seria mais que suficiente se o pãozinho custasse 3 centavos.

Se tirássemos 1 zero da moeda, ou seja, se criássemos o Real Novo valendo 10 Reais atuais e nada mais mudasse na economia, carregaríamos conosco a mesma quantidade de reais (ou seja, quem hoje gosta de ter 50 reais no bolso, andaria com 5 reais novos).

Para entender o imposto inflacionário, vamos agora considerar um exemplo hipotético. Suponha que a inflação seja 10% ao ano todo ano e nada mais se modifique na economia. Nesse caso:

1. A cada ano, as pessoas e empresas vão querer portar 10% a mais em moeda (para ficar com a mesma quantidade de moeda em termos reais).

2. A cada ano, a moeda comprará 10% a menos. 11 reais hoje comprarão o que 10 reais comprava há um ano.

Se ano passado havia R$ 100 bilhões em moeda na economia, esse ano haverá R$ 110 bilhões. Como esses R$ 10 bilhões entraram na economia? O governo (ou o Banco Central) trocou esse dinheiro por alguma outra coisa. Por exemplo, o governo usou esses R$ 10 bilhões para pagar parte de sua dívida que vencia. Assim, ao emitir moeda e usá-la para pagar sua dívida, o governo ganhou R$ 10 bilhões.

Contudo, ao emitir moeda, o governo não criou recursos, não aumentou a capacidade de produção na economia. Assim, se o governo ganhou R$ 10 bilhões, alguém tem que ter perdido. Quem?

Perdeu quem portava moeda. Ao passar de um ano, os R$ 100 bilhões compram menos coisas na economia. Seriam necessários R$ 110 bilhões para comprar o que R$ 100 bilhões compravam há um ano. Cada nota de R$ 100 vale R$ 10 reais a menos do que valia há um ano.

Portanto, com a inflação, o governo emitiu moeda e ganhou R$ 10 bilhões, enquanto as pessoas e empresas que portavam moeda perderam os mesmos R$ 10 bilhões por conta da desvalorização da moeda.

Assim, a inflação funciona como um imposto: há uma transferência de recursos das pessoas para o governo. O portador da nota de R$ 100 perde R$ 10 em um ano. Ao mesmo tempo, para cada nota de R$ 100, o governo emitiu R$ 10 em um ano.

A base da arrecadação do imposto inflacionário é a quantidade de moeda na economia. A alíquota do imposto é a inflação.

Impostos são necessários na economia. Em geral, porém, achamos que o imposto inflacionário é um imposto ruim. Um dos motivos (não o único) é que esse imposto inflacionário atinge principalmente o setor varejista (lojas, mercearias, etc) e os mais pobres, que carregam seus (poucos) recursos em dinheiro. Os mais ricos guardam uma fração ínfima de seus recursos em dinheiro vivo ou em contas sem remuneração. Assim, eles conseguem escapar do imposto inflacionário.

E o dinheiro que fica depositado em uma conta corrente no banco?

Os R$ 100 que ficam na conta corrente (sem remuneração) por um ano também valem, no nosso exemplo, R$ 10 a menos ao final de um ano. O dinheiro que comprava 30 litros de leite há um ano agora só compra 27 litros.

Assim, ao deixar R$100 parados na conta corrente por um ano, com uma inflação de 10%, você perde R$ 10. Quem ganha? O banco. Afinal, há um ano, o banco lhe devia o equivalente a 30 litros de leite, agora só lhe deve 27.

Em suma, a inflação provoca uma transferência de quem tem dinheiro em conta corrente sem remuneração para o banco e, também, de quem está portando moeda para o governo. Esta última transferência pode ser vista como um imposto, o imposto inflacionário.

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A inflação como um imposto http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/16/a-inflacao-como-um-imposto/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/16/a-inflacao-como-um-imposto/#respond Fri, 16 Oct 2015 05:00:20 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=224 Alguns economistas têm alertado que uma das possíveis consequências do desequilíbrio nas contas públicas é o aumento da inflação. O que uma coisa tem a ver com a outra?

A inflação é, entre outras coisas, um imposto sobre o dinheiro que portamos.

Uma alta nos preços de 10% significa que a nota de R$ 10 perde parte do seu valor, pois essa nota só compra agora o que antes custava pouco mais de R$ 9.

Para onde vai esse R$ 1?

Quando emitiu essa nota, o Banco Central a trocou por algo que valia R$ 10.

Digamos que essa nota circulou na economia e, depois de uma inflação de 10%, voltou para o Banco Central, trocada por títulos públicos. Essa nota só comprou o que antes valia R$ 9.

Assim, a perda de valor do dinheiro causada pela inflação gerou uma transferência no valor de R$ 1, de quem portou a nota de R$ 10 para o Banco Central. A inflação funcionou como um imposto sobre o porte de dinheiro.

A base da arrecadação do imposto inflacionário é a quantidade de moeda que circula na economia. A alíquota do imposto é a inflação. (Atualização: escrevi uma explicação mais detalhada sobre o imposto inflacionário neste post).

Se o governo não arrecada o suficiente, a inflação pode ser o imposto que fecha a conta? Quanto esse imposto é capaz de arrecadar?

A quantidade de moeda na economia (a chamada base monetária) é hoje cerca de R$ 250 bilhões, cerca de 4% do PIB brasileiro.

Uma inflação de 0,5% por mês (próxima da dos anos passados) resulta em uma “arrecadação” do imposto inflacionário de cerca de 0,25% do PIB em um ano.

Uma inflação 60 vezes maior (1% ao dia) levaria a uma arrecadação 60 vezes maior (15% do PIB)?

Não, porque um imposto desestimula justamente o que gera a base da arrecadação.

 

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O gráfico acima mostra a quantidade de moeda na economia como proporção do PIB nos anos 1990.

Antes do Plano Real, a inflação era cerca de 1% ao dia.

Pessoas e empresas buscavam deixar quase todo o dinheiro aplicado, ficando com a menor quantidade de moeda possível.

Assim, a quantidade de moeda na economia girava em torno de 0,8% do PIB. O imposto inflacionário arrecadava cerca de 3% do PIB.

Com o Plano Real, a alíquota do imposto inflacionário (a inflação) caiu drasticamente. Ficar com dinheiro no bolso se tornou menos custoso. Para empresas, não valia mais a pena incorrer em custos altos para ficar com o caixa zerado no final do dia.

Logo após o Plano Real, a quantidade de moeda na economia quase triplicou. Aos poucos, pessoas e empresas foram se acostumando à nova situação e a quantidade de moeda na economia continuou aumentando.

Os dados mostram que uma inflação 60 vezes maior gerava uma arrecadação do imposto inflacionário apenas 12 vezes maior, porque a quantidade de moeda na economia era um quinto do que tem sido recentemente (tudo como proporção do PIB).

Conclusão: para uma arrecadação significativa de imposto inflacionário, é preciso uma inflação muito alta.

Essa seria uma solução muito ruim para o desequilíbrio fiscal. Podendo escolher, qualquer governo vai preferir o ajuste fiscal à inflação.

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O imposto que pagamos mas ninguém recebe http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/14/o-imposto-que-ninguem-recebe/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/14/o-imposto-que-ninguem-recebe/#respond Mon, 14 Sep 2015 09:00:52 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=38 payingtaxes

Por conta da necessidade de ajustar as contas públicas, muita atenção tem sido voltada à tributação e a possíveis alternativas para o governo arrecadar mais recursos. Esse post é sobre um aspecto importante do nosso sistema tributário que parece ter sido ignorado nos últimos anos.

A tabela ao lado mostra uma situação incomum: um ranking relacionado à economia com o Brasil na posição #177 (dentre 189 países) e na companhia de países muito pobres. Incomum porque o Brasil é um país de renda média, está por volta da posição #75 na classificação de países de acordo com a renda per capita.

Que ranking é esse? O Banco Mundial classifica os países de acordo com a facilidade de se fazer negócio, a partir de 10 subclassificações, tais como a facilidade para abrir empresas, conseguir crédito, importar e exportar. O resultado desse estudo é disponibilizado no site doingbusiness.org.

A tabela ao lado é a rabeira da lista dos 189 países de acordo com o quesito “pagar impostos” (paying taxes).

Note que os países nessa tabela não são os que mais arrecadam impostos. Os escandinavos pagam muito em impostos, mas estão todos no topo da lista (a Dinamarca é #12, Noruega é #15, Finlândia é #21 e Suécia é #35).

Esse ranking busca medir a dificuldade de pagar impostos para as empresas, o custo, o tempo gasto. Considera, por exemplo, que quando uma pequena empresa brasileira de serviços emite uma nota, ela paga IR, CSLL, PIS, COFINS e ISS e que cada um desses impostos tem suas próprias regras com relação a quanto deve ser retido na fonte por quem comprou o serviço, quando se recebe esse crédito, etc.

Entender as leis e suas modificações, prestar contas, pagar esses impostos, tudo isso impõe custos às empresas: gasta-se tempo e energia, é preciso contratar os serviços de um contador ou até contratar funcionários apenas para essas funções. Essas complicações são custosas e não geram benefício algum.

Sob o ponto de vista da sociedade, esses custos podem ser vistos como um outro imposto que as empresas precisam pagar, mas que ninguém recebe, não vai aos cofres do governo.

Claro, tamanha burocracia gera empregos para contadores e despachantes, mas isso não é uma coisa boa. Quebrar todos os tratores faria com que fossem necessárias muito mais pessoas trabalhando na agricultura para produzir uma mesma quantidade de alimentos — ou seja, geraria empregos — mas ninguém acha que isso é uma boa ideia.

Os contadores que passam seus dias na divertida tarefa de explicar a seus clientes as regras sobre o Cofins poderiam estar identificando oportunidades lucrativas de negócios. Ao invés de recomendar emitir notas fiscais no início do mês, eles poderiam estar recomendando o investimento em boas empresas.

Sob o ponto de vista da sociedade, um sistema que torna desnecessariamente custoso pagar impostos nos faz gastar recursos (o tempo e esforço de profissionais que poderiam estar se dedicando a atividades produtivas) com atividades que não aumentam a produção do país como um todo e, portanto, não aumentam a renda total dos brasileiros.

Muito tem se discutido sobre o ajuste fiscal e possíveis aumentos de impostos, mas a tributação engloba muitos outros aspectos além da quantidade de dinheiro que se pretende arrecadar. Um desses aspectos eu discuti em post recente sobre o “imposto da gasolina”: alguns impostos são mais nocivos que outros para a sociedade como um todo. Outro aspecto importante é o custo que a burocracia impõe às empresas que produzem e geram renda, um custo que pode ser visto como um imposto que nós pagamos, mas que não chega aos cofres de nenhum governo.

Referência:

– O site doingbusiness.org explica a metodologia para o ranking.

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A Cide é um bom imposto http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/09/a-cide-e-um-bom-imposto/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/09/a-cide-e-um-bom-imposto/#respond Wed, 09 Sep 2015 20:30:20 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=61 É preciso ajustar as contas públicas. Para isso, há que se aumentar os impostos, ou cortar os gastos, ou fazer um pouco de cada. Eu estou dentre os que preferem o ajuste pelo corte de gastos, mas vamos deixar essa discussão de lado por ora. Se é preciso tributar mais, o que devemos tributar?

Um dos tributos que estão sendo considerados é a Cide, o chamado “imposto da gasolina”. O ponto deste post é que a Cide é um bom imposto. E a explicação começa pelo número de janelas nas casas na Inglaterra no século 18.

A figura abaixo mostra a distribuição do número de janelas por casa na Inglaterra nos idos de 1765. Cerca de 27% das casas inglesas tinha exatamente 7 janelas! (É a barrinha comprida da figura). Numerologia? Curiosamente, 15 anos antes, a proporção de casas com 7 janelas era apenas 3%, bem dentro do normal. Estranho, não?

windowtax

A explicação: havia na Inglaterra da época um imposto sobre o número de janelas de cada casa. Em 1765, eram isentas do imposto as casas com até 7 janelas. Casas com 8 janelas pagavam muito imposto. A figura mostra um número anormal de casas com 19 janelas e a explicação é a mesma: com 20 janelas, o imposto subia bastante.

Até 10 anos antes, eram isentas de impostos as casas com até 9 janelas, então havia muitas casas com 9 janelas, só 3% com 7 janelas.

OK, mas janelas não são móveis, como as pessoas mudavam o número de janelas das casas? Simples: cobriam-se as janelas com tijolos. Uau.

Esse tipo de comportamento não é, de forma alguma, particular aos ingleses de 250 anos atrás.

Impostos transferem recursos das pessoas ao governo, mas não fazem só isso. O imposto desestimula justamente aquilo que gera a base da arrecadação.

Um maior imposto sobre a renda torna a informalidade mais atraente ou incentiva as pessoas a receberem como pessoa jurídica (e aí, o imposto é efetivamente menor). Isso reduz a base onde incide o imposto. Contudo, nesse caso, a pessoa precisa arcar com os custos de abrir uma empresa, pagar um contador, etc. Tudo isso é muito parecido com cobrir a janela com tijolos. Assim como o imposto inglês do século 18 resultava em menos janelas nas casas, tributar mais o salário reduz a quantidade de pessoas trabalhando com carteira assinada.

Da mesma maneira, um maior imposto sobre a produção de bens ou serviços faz com que esses produtos fiquem mais caros ou que sua produção fique menos lucrativa para as empresas. Isso desestimula as trocas e a produção. A CPMF, por sua vez, reduz as transações financeiras.

Esses impostos reduzem os incentivos para produzir e transacionar e criam incentivos para gastos que não geram benefício algum, não porque assim queremos, mas porque os impostos tem esse efeito na economia.

Por outro lado, nós de fato queremos que haja menos carros nas ruas. Na cidade de São Paulo, há até um rodízio que proíbe a circulação de automóveis em determinados dias. Isso significa que os impostos que cobramos sobre a compra, posse e circulação de automóveis não são suficientes para que tenhamos, em São Paulo, desestímulos suficientes para atingirmos o número de carros desejados nas ruas. A poluição urbana e o trânsito também são preocupações importantes dos habitantes de outras grandes cidades.

Um imposto sobre a gasolina desestimularia ações que de fato queremos desencorajar.

Impostos transferem recursos das pessoas ao governo, mas fazem mais que isso. Para um dada quantidade que se pretende arrecadar, é melhor desestimular o uso de gasolina porque de fato queremos tirar carros das ruas ao invés de desestimular o trabalho ou as transações entre pessoas e empresas. Se é preciso aumentar impostos, a Cide é uma boa opção.

Referências:

– Os dados e o gráfico com o número de janelas foram extraídos do artigo “The Window Tax: A Case Study in Excess Burden” de Wallace Oates e Robert Schwab, publicado no Journal of Economic Perspectives 29, 163-180 (2005). Esse é um periódico acadêmico com artigos em uma linguagem bem mais acessível que o normal (mas menos acessível que um artigo de jornal).

– Alguns trechos do post foram adaptados do meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”.

– O imposto das janelas aparece em vários livros de economia. Essas e outras “casas esquisitas” são discutidas no meu livro “Economia sem Truques”, escrito com Carlos Eduardo Gonçalves.

*Detalhes:

– O imposto de renda é efetivamente menor se o funcionário abre uma empresa e emite nota fiscal para a empresa para a qual trabalha porque o “lucro presumido” da empresa (a base da arrecadação) é apenas uma proporção do que a empresa fatura (em muitos casos, 32%). Então se a alíquota do imposto de renda é 25%, o imposto é efetivamente 32% x 25% = 8% (mas há outros impostos).

– Tecnicamente, a Cide é uma contribuição, não um imposto, mas isso não faz diferença para o argumento.

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