A Economia no Século 21burocracia – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O outro caminho para o desenvolvimento http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/11/02/o-outro-caminho-para-o-desenvolvimento/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/11/02/o-outro-caminho-para-o-desenvolvimento/#respond Mon, 02 Nov 2015 12:00:22 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=310 Na semana passada, foi divulgado o relatório de 2016 do projeto Doing Business, um projeto que compara o ambiente de negócios em praticamente todos os países do planeta e recebe muita atenção em todo o mundo.

Poucos sabem, mas a história do projeto Doing Business começa no Peru.

Nos idos de 1983, pesquisadores de um instituto de pesquisa peruano simularam a montagem de uma pequena fábrica têxtil no subúrbio de Lima, capital do país, para descobrir quanto tempo e dinheiro isso custaria, cumprindo todos os procedimentos burocráticos legais, sem intermediários ou despachantes.

O complicado processo levou 289 dias (9 meses e meio).

O interessante é que apesar do longo e custoso processo, as autoridades não perceberam em momento algum que estavam lidando com uma simulação.

O estudo foi publicado no livro El otro sendero (“O outro caminho”) de Hernando de Soto, com o subtítulo “A resposta econômica ao terrorismo”. O título do livro fazia alusão ao Sendero Luminoso, a guerrilha de orientação comunista que buscava tomar o poder no Peru.

O Sendero Luminoso propunha mudanças radicais no Peru. O livro de Hernando de Soto, também, mas apontava um caminho completamente diferente, defendendo a remoção das barreiras que impediam os peruanos de produzir, trabalhar e trocar.

Hernando de Soto não poderia ter imaginado o impacto que seu livro teve, fora do Peru. O estudo chamou a atenção de pesquisadores de economia e de ciência política pelo mundo todo.

Anos depois, inspirados pelo livro de De Soto, os pesquisadores Djankov, La Porta, Lopez de Silanes e Shleifer fizeram um estudo sobre a regulamentação da entrada de novas empresas usando dados de 85 países. O trabalho contou com financiamento do Banco Mundial e daria origem ao projeto Doing Business. Um dos autores do estudo, Simeon Djankov, é o principal criador do projeto.

Assim como no trabalho peruano, o objetivo era descobrir o custo e o tempo necessário para cumprir os requerimentos legais para abrir uma empresa nesses países. Diferentemente do trabalho peruano, eles mediram o tempo e o custo de acordo com as leis (seria impraticável tentar abrir empresas em 85 países).

A pergunta de fundo do estudo era a seguinte: as regulamentações existem para diminuir ineficiências, ou seja, elas cumprem um papel econômico? Ou existem para gerar benefícios privados (como proteção das empresas que já existem, suborno, etc)?

O artigo mostrava que a regulação variava muito de país para país.

Por exemplo, abrir uma empresa tomava 2 dias no Canadá e na Austrália e pouco mais que isso em uma série de países desenvolvidos, mas levava 5 meses em Moçambique e em Madagascar. Isso levando em conta os dados oficiais, sem considerar o “não era esse o papel, precisava de outro carimbo”, o “não ficou pronto, volta semana que vem”…

Na República Dominicana, os 21 procedimentos custavam mais de 4 vezes a renda média anual do país. Na Georgia, os 13 procedimentos tomavam 69 dias, mas com um despachante, a coisa toda saía em 3 dias.

O estudo mostrava também que a quantidade de regulação estava positivamente correlacionada com corrupção, mas não tinha qualquer relação com a qualidade dos serviços. Difícil acreditar que os demorados e custosos procedimentos estavam cumprindo algum papel econômico e gerando benefícios.

O trabalho foi publicado em 2002 no Quarterly Journal of Economics, um dos periódicos de maior prestígio na área de Economia e teve um grande impacto.

Não é nada surpreendente que em países onde abrir e operar empresas seja custoso e difícil, haja menos competição, menos produtividade e menos renda. O que surpreendia é que os custos para operar empresas fossem tão altos em alguns países (tipicamente os mais pobres) e tão mais baixos em outros (os mais desenvolvidos). Além disso, esses custos não pareciam estar associados a benefícios.

Esses trabalhos foram peças importantes de uma mudança de ênfase no estudo e pesquisa sobre o desenvolvimento econômico, ocorrida nas últimas décadas.

Até os anos 1990, boa parte da pesquisa sobre desenvolvimento focava em fatores “macroeconômicos” (como, por exemplo, o regime cambial). Mas quão importante pode ser a taxa de câmbio se é preciso 9 meses para se abrir uma empresa, ou se a empresa não consegue cumprir os trâmites burocráticos para exportar?

Desde então, a pesquisa sobre desenvolvimento econômico tem focado mais em aspectos “microeconômicos” (por exemplo, qual o efeito de melhorias no acesso ao crédito sobre a produtividade das empresas? Quão rápido crescem as empresas mais produtivas? )

Uma questão fundamental da pesquisa sobre desenvolvimento econômico é: “o que o Estado precisa fazer para induzir o desenvolvimento nos países mais pobres?” Uma das respostas desses trabalhos era: “precisa parar de atrapalhar”.

Em muitos casos, a intervenção do Estado traz importantes benefícios para a economia. Contudo, em muitos outros casos, e especialmente em países mais pobres, as intervenções estatais impõem barreiras aos motores do desenvolvimento sem gerar benefícios para a sociedade.

Nas últimas décadas, alguns países têm conseguido reduzir as barreiras aos negócios. Contudo, como mostra a décima terceira edição do relatório Doing Business, divulgada na semana passada, muitos lugares do mundo ainda não encontraram esse caminho para o desenvolvimento.

Referências:

– O artigo que fez o estudo para vários países é “The regulation of entry”, de S Djankov, RL Porta, F Lopez de Silanes e A Shleifer, publicado no Quarterly Journal of Economics em 2002. Logo no início do artigo, os autores escrevem que o trabalho “deve muito” ao livro de Hernando De Soto.

– O livro “O outro caminho” de De Soto trata de muitos aspectos da burocracia peruana, não apenas do tempo que se leva para abrir uma empresa.

– A Folha falou sobre o Brasil no último relatório do Doing Business aqui. Eu falei sobre a relação entre o ranking do Doing Business e a renda de cada país aqui e sobre um quesito em que estamos particularmente mal (pagamento de impostos) aqui.

– A parte sobre o livro de Hernando de Soto foi adaptada de meu livro Economia sem Truques (co-autorado com Carlos Eduardo Gonçalves).

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O ambiente de negócios e a renda http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/28/o-ambiente-de-negocios-e-a-renda/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/28/o-ambiente-de-negocios-e-a-renda/#respond Wed, 28 Oct 2015 10:29:17 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=296 Foi divulgado ontem (dia 27/10) o relatório da edição de 2016 do “Doing Business”, um estudo de uma organização ligada ao Banco Mundial que mede a facilidade de fazer negócios pelo mundo. O Brasil caiu 5 posições e está mal, na posição #116, como mostra a reportagem da Folha.

Apesar de receber (relativamente) pouca atenção nas discussões sobre política econômica, esse é um fator fundamental para o desenvolvimento.

Cada ponto no gráfico abaixo representa um país. No eixo horizontal, está a posição do país no ranking que ordena os países pela renda per capita. No eixo vertical, está a posição do país no ranking “Doing Business” de fazer negócios.

Quanto mais à esquerda, mais rico é o país. Quanto mais abaixo, mais fácil é fazer negócios no país.

O ponto verde é o Brasil, na posição #74 na classificação pela renda per capita e na posição #116 na classificação pela facilidade de fazer negócios.

doingbusiness-renda

Note que a grande maioria dos países à esquerda no gráfico está também na parte de baixo. Isso significa que na maioria dos países ricos, é facil fazer negócio.

As exceções são, em geral, países exportadores de petróleo. O ponto alto mais à esquerda é a Guiné Equatorial, outros pontos altos à esquerda incluem Qatar, Kuwait, Brunei, Arábia Saudita, Líbia, etc. Excluindo esses países, a relação fica ainda mais forte. Em países desenvolvidos, fazer negócio é, de modo geral, muito mais fácil.

Da mesma maneira, a grande maioria dos países à direita no gráfico está também na parte de cima. Isso significa que na maioria dos países pobres, é difícil fazer negócio

Além disso, nos países que eram emergentes e hoje são desenvolvidos, fazer negócio é especialmente fácil. Cingapura tem liderado o ranking nos últimos anos, a Coreia do Sul ocupa a quarta posição, Taiwan está em décimo primeiro lugar. Esses países tinham renda próxima à do Brasil há cerca de meio século e hoje são muito mais ricos e prósperos (Cingapura é hoje um dos países mais ricos do mundo).

Claro, correlação não implica causalidade. O fato de existir uma associação positiva entre a facilidade de fazer negócios e o nível de renda não prova que a facilidade de fazer negócios causa o desenvolvimento.

Contudo, temos razões para acreditar que parte da relação acima reflete um efeito positivo do ambiente de negócios na renda. Afinal, entraves à produção, aos contratos, à competição e às trocas são barreiras aos fatores mais fundamentais para o desenvolvimento.

Dizendo de outra maneira, não é nada surpreendente que a dificuldade de estabelecer contratos e operar empresas reduza a produção e, consequentemente, a renda. O que surpreende é que existam enormes diferenças entre os países na facilidade de fazer negócios .

O Brasil tem um ambiente de negócios bastante ruim. Puxar o ponto verde do gráfico para baixo deveria ser uma prioridade do nosso governo.

Referências:

– Dados do site doingbusiness.org para a facilidade de fazer negócios e do FMI para a renda por habitante.

– Eu falei mais sobre um dos critérios desse ranking neste post.

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