A Economia no Século 21brasil em crise – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O estímulo ao crédito e a Selic http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/01/29/o-estimulo-ao-credito-e-a-selic/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/01/29/o-estimulo-ao-credito-e-a-selic/#respond Fri, 29 Jan 2016 11:28:13 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=635 Suponha que você esteja devendo R$ 1.000 no cheque especial, pagando juros de 7% ao mês. Você consegue um empréstimo de um parente próximo, R$ 1.000, sem juros, por um mês.

Se você colocar o dinheiro na poupança, a juros de 0,65%, receberá ao final do mês R$ 6,50 além dos R$ 1.000 que você deve pagar de volta. Seria um péssimo negócio: os juros de um mês no cheque especial custam R$ 70. Seria muito melhor abater a dívida do cheque especial.

De acordo com a matéria na Folha, o ministro Nelson Barbosa anunciou ontem medidas para expandir o crédito. Em muitos casos, isso se dará “com recursos do FGTS”.

O dinheiro depositado no FGTS rende juros de cerca de 5% ao ano. A taxa básica de juros sobre a dívida do governo é 14,25% ao ano. O governo está no cheque especial.

Ao dizer que fornecerá crédito usando os recursos do FGTS, o governo quer dizer que emprestará a taxas superiores a 5% ao ano — mas inferiores a 14,25% ao ano.

Ou seja, como negócio, o governo está usando o dinheiro que toma emprestado do parente e aplicando na caderneta de poupança, enquanto paga juros muito maiores no seu próprio cheque especial.

Isso é crédito subsidiado.

Com isso, o governo pretende expandir o crédito em dezenas de bilhões de reais.

A oferta de crédito a juros mais baixos de fato aumenta os investimentos na economia? Em geral, sim. O efeito direto é que juros mais baixos tornam os empréstimos mais atrativos. Contudo, políticas macroeconômicas ruins podem tornar o investimento menos atraente. Por exemplo, a expectativa de um rombo nas contas públicas com a necessidade de taxação futura desestimula os investimentos.

OK, agora vamos considerar uma maneira alternativa de tentar expandir o crédito.

Suponha agora que ao invés de expandir o crédito dessa maneira, o Banco Central reduzisse a Selic. Os juros mais baixos tornariam o crédito mais atrativo para empresas com a corda no pescoço e para pessoas que querem comprar bens duráveis.

Haveria, também, uma expansão de crédito. Sem subsídios. Parece melhor.

Mas baixar a Selic afeta o controle da inflação, não?

Sim. Justamente porque o crédito mais barato estimula o investimento e a compra de bens duráveis. Mas isso é verdade para qualquer expansão de crédito.

No que diz respeito ao impacto na inflação e na demanda agregada, o estímulo ao crédito “com recursos do FGTS” equivale a baixar a Selic para um nível que gere a mesma expansão no crédito.

Não há porque achar que o efeito na inflação será diferente.

Há, porém, diferenças importantes entre as duas medidas.

A primeira é que a expansão do crédito subsidiado é direcionado a setores que o governo escolhe. A queda da Selic vai para todo mundo que toma empréstimos a taxas de mercado.

Ou seja, a queda da Selic beneficia a dona de um pequeno negócio que vai mal e precisa descontar duplicatas (uma modalidade de crédito) a 3% ao mês para pagar suas contas e o rapaz que quer financiamento para comprar uma geladeira. Gente que não tem assento no Conselhão.

Descontadores de duplicatas e compradores de eletrodomésticos de todo o país, uni-vos!

A segunda diferença é que a queda na Selic torna a dívida do governo mais barata. Ajuda a situação fiscal. (Detalhe: quando o BC baixa a Selic, a taxa de juros de curtíssimo prazo cai. As taxas de longo prazo, porém, podem até subir se a queda na Selic aumentar as expectativas futuras de inflação. Contudo, em geral, a taxa de juros real (descontada a expectativa de inflação) cai e é essa a que importa. Nem sempre é assim, mas quando esse não é o caso, a expansão do crédito subsidiado também tende a gerar problemas semelhantes.)

OK, então a expansão no crédito subsidiado se parece com uma queda na Selic, mas com um impacto fiscal muito pior e com benefícios para alguns setores que o governo escolhe. Faltou dizer alguma coisa?

Sim! Faltou uma parte muito importante.

Os preços!

Quem quer tomar emprestado a 3% ao mês precisa mais do dinheiro que quem só está disposto a pagar 1% ao mês.

A dona do negócio que está descontando duplicadas pagando juros altos realmente precisa desse crédito. Ela sabe que é caro. Se ela assim faz, é porque a empresa deve precisar disso para sobreviver. O retorno deve ser alto.

Por outro lado, quem só quer pagar 1% ao mês deve ter um projeto com retorno mais baixo. Por isso que essa pessoa não está disposta a pagar mais.

A economia cresce mais se o dinheiro é investido nos projetos mais rentáveis. O problema do crédito subsidiado é que ele não segue o sinal dos preços: segue caminhos determinados pelo governo.

Além das questões de equidade, há questões de eficiência: o retorno desses investimentos (e, portanto, o crescimento da economia) será muito menor, a não ser que o governo consiguisse identificar setores em que: (i) o retorno para o empresário é pequeno (por isso ele não quer pagar mais de 1% ao mês de juros) e (ii) o retorno para a sociedade como um todo é grande.

Consegue? Isso foi testado no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Deu muito errado (para a economia como um todo; claro que muitos se beneficiam).

E, mais uma vez, a gente parece estar querendo aplicar o dinheiro do parente na caderneta de poupança.

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Muitos vão me perguntar:

– Você falou que o Nelson Barbosa seria melhor do que as expectativas. O que acha agora? Continuo achando que Nelson Barbosa “tem até mais chance que Joaquim Levy de promover algum ajuste e colocar o país em um rumo um pouco melhor”. O governo vai tentar passar medidas de ajuste fiscal, está até falando em reforma da previdência e, politicamente, dever ser um pouco mais fácil vencer resistências com Barbosa que com Levy. Mas continuo achando que Nelson Barbosa “é um heterodoxo, ou seja, alguém que estudou economia lendo pesquisa de muito pouca relevância na academia internacional e que acha que isso faz sentido. “

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Mais sobre a proposta do PT de reforma do IR http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/01/15/mais-sobre-a-proposta-do-pt-de-reforma-do-ir/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/01/15/mais-sobre-a-proposta-do-pt-de-reforma-do-ir/#respond Sat, 16 Jan 2016 01:53:23 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=574 Esse post procura esclarecer questões que têm sido levantadas sobre a proposta do PT de reforma do Imposto de Renda, sobre a qual falei neste post, e ilustrar melhor o efeito da proposta.

De acordo com o cálculo vigente em 2015, as alíquotas marginais são as seguintes:
Até 1.903,98 – Isento
1.903,99 até 2.826,65 – 7,5%
2.826,66 até 3751,05 – 15%
3.751,06 até 4.66,68 – 22,5%
A partir de 4.664,68 – 27,5%

Isso não significa que quem recebe R$ 2 mil por mês paga 7,5% sobre os R$ 2 mil. Essa pessoa pagará 7,5% sobre a diferença entre R$ 2.000,00 e R$ 1.903,98, e não pagará nada sobre R$ 1.903,98 (o que ela recebe até esse valor é isento). Isso dá R$ 7,20 de IR, 0,36% da renda da pessoa.

Assim, as alíquotas marginais não informam quanto é efetivamente pago de imposto de renda. A taxa efetivamente paga atualmente e a taxa efetiva proposta pela bancada do PT são mostradas no gráfico abaixo.

IR-taxaefetiva

O gráfico mostra o percentual do salário pago como imposto de renda por quem ganha até R$ 50 mil (muito pouca gente ganha mais que isso) atualmente e de acordo com a proposta. A diferença entre as duas curvas é o gráfico deste post.

Esse é o percentual pago. Em reais, o que isso significa? O gráfico abaixo mostra.

IR-pago

Quem recebe R$ 10 mil por mês, hoje paga R$ 1.880 mensais de IR; pagaria R$ 490.

Quem recebe R$ 20 mil por mês, hoje paga R$ 4.630 mensais de IR; pagaria R$ 2305.

Quem recebe R$ 40 mil por mês, hoje paga R$ 10.130 mensais de IR; pagaria R$ 7.590.

A redução no imposto propiciada pela proposta do PT é a diferença entre essas duas curvas. Por exemplo, quem recebe R$ 40 mil tem uma redução no imposto de R$ 2.540.

A redução mensal no imposto para cada nível de renda está no gráfico abaixo.

IR-reducao

Quem recebe a maior redução no IR em termos absolutos é quem ganha entre R$ 20 mil e R$ 50 mil mensais, mas todo mundo que recebe até R$ 115 mil tem uma redução no IR.

Essa redução precisa ser compensada pela queda nos dispêndios do governo ou pelo aumento em outros impostos — eis os mais pobres pagando a conta.

Bem, os muito ricos, os que recebem mais que R$ 115.000 também pagam um pouco mais. Mas quantos são esses?

A população com renda no Brasil é pouco maior que 100 milhões de pessoas. Em 2014, cerca de 26 milhões entregaram a declaração do imposto de renda. Por que tão pouca gente? Porque os pobres não precisam fazer a declaração do IR.

A parcela da população que declara IR é muito mais rica que a população que não declara (ainda que haja, dentre os não-declarantes, gente que trabalha no setor informal e ganha bem).

O gráfico abaixo mostra quantas pessoas estão em cada faixa de renda considerando apenas quem declara imposto de renda (ou seja, cerca de um quarto da população contendo a vasta maioria dos mais ricos).

IR-renda

A tabela do IR incide sobre o que eu chamei (de forma imprecisa) de salário, as barrinhas azuis. Mudanças na lei poderiam incluir outras rendas que, hoje, pagam impostos apenas de outras formas. Isso não afeta a conclusão deste post.

Os “ricos” que perdem com a proposta do PT estão na última faixa de renda (na barrinha azul, invisível, de acordo com as regras atuais, mudanças nas regras poderiam levantar a barrinha azul até a barrinha vermelha). De qualquer forma, uma fração ínfima da população.

Em suma, o PT está propondo uma grande redução nos impostos pagos pelos mais ricos, junto com um aumento nos impostos sobre um grupo ínfimo de muito ricos.

Mais leitura:

– Além de falar sobre a proposta neste post, discuti a política por trás da proposta aqui.

Detalhe:

– A Proposta da Bancada do PT propõe as seguintes alíquotas marginais:
Até 3.390,00 – Isento
3.390,01 até 6.780 – 5%
6.780.01 até 10.170 – 10%
10.170,01 até 13.560 – 15%
13.560,01 até 27.120 -20%
27.120,01 até 108.480 – 30%
A partir de 108.480,01 – 40%

Como eu expliquei, essas são alíquotas marginais, a taxa efetivamente paga é menor. Por exemplo, quem recebe R$ 115 mil por mês não pagaria 40% de imposto, pagaria 26,7% (o mesmo percentual de acordo com a tabela atual).

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A Bovespa sob o olhar do investidor estrangeiro http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/12/29/a-bovespa-sob-o-olhar-do-investidor-estrangeiro/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/12/29/a-bovespa-sob-o-olhar-do-investidor-estrangeiro/#respond Tue, 29 Dec 2015 04:00:53 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=503 Para um investidor norte-americano, o que importa é o valor de seus investimentos em dólar. O valor do índice da Bolsa de Valores de São Paulo que interessa a este investidor está mostrado no gráfico abaixo:

ibovespa-dolar

A linha forte mostra o valor do Índice Bovespa nos últimos 10 anos em dólar. Há 5 anos, o Índice valia um pouco mais de 40 mil dólares. Hoje, vale cerca de 11 mil dólares.

Em 5 anos, para cada 4 dólares investidos nas ações que compõem o Índice Bovespa, 3 foram perdidos.

Investimentos em ações individuais podem ter tido resultados melhores ou ainda piores — por exemplo, 4 dólares investidos em Petrobrás PN há 5 anos hoje valem menos que meio dólar.

A linha pontilhada no gráfico mostra o comportamento do Índice Bovespa em reais, levando em conta a inflação (ou seja, corrigindo os valores passados pelo IPCA até hoje), com uma mudança na escala para facilitar a comparação.

O gráfico mostra que o valor do Índice Bovespa em dólar flutua muito mais que o valor em reais (corrigido pela inflação). Por quê?

Em geral, quando a economia vai bem, a bolsa está valorizada e o real também (ou seja, o dólar está barato). Consequentemente, em dólares, a bolsa fica muito mais valorizada.

Da mesma maneira, em épocas de recessão e crise, o Índice Bovespa vale pouco e o real também (ou seja, o dólar custa caro). Assim, o Índice Bovespa vale menos ainda em dólares.

Para um consumidor brasileiro analisando seus investimentos, o que interessa é o resultado em reais, corrigido pela inflação. Assim, as altas do dólar nas épocas de queda na bolsa são menos importantes.

Isso não significa que o risco para o investidor brasileiro na bolsa de valores seja pequeno, por dois motivos.

Em primeiro lugar, as flutuações na linha pontilhada são bem grandes (apesar de parecerem pequenas se comparadas às flutuações do Índice Bovespa em dólar).

Em segundo lugar, os momentos de baixa na bolsa costumam coincidir com os momentos em que a economia brasileira vai mal. Em geral, nesses momentos, há mais desemprego, as empresas vendem menos e a renda das pessoas está menor. É justamente nesses momentos que mais precisamos de dinheiro que a bolsa de valores, em geral, vai mal.

Para o investidor estrangeiro decidindo sobre onde alocar seus recursos, a pergunta relevante é: e agora? Para onde vai o valor em dólar dos ativos brasileiros?

É hora de comprar?

Por um lado, os ativos brasileiros estão baratos. Há muito pouco tempo, o Índice Bovespa valia cerca de quatro vezes o que vale hoje (em dólar).

Por outro lado, os ativos brasileiros não estão baratos por acaso. A maior parte da queda nos últimos 5 anos reflete a crise atual e o pessimismo com a economia brasileira (uma pequena parte dessa queda se deve ao dólar forte com relação às outras moedas).

Se o governo em 2016 conseguir avançar na direção de colocar suas contas em ordem e tornar o nosso ambiente de negócios um pouquinho mais amigável, os preços baratos dos nossos ativos passarão a ser vistos como boas oportunidades de investimentos.

Esses investimentos podem ajudar a nos tirar da recessão para que o final de 2016 seja mais feliz que o final de 2015.

São esses os meus votos para 2016.

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Nelson Barbosa será melhor do que se espera http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/12/21/nelson-barbosa-sera-melhor-do-que-se-espera/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/12/21/nelson-barbosa-sera-melhor-do-que-se-espera/#respond Mon, 21 Dec 2015 04:00:19 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=375 Era quarta-feira, 19/11/2014. Kaushik Basu, economista chefe do Banco Mundial, estava em São Paulo por conta de uma conferência acadêmica e aproveitava a ocasião para jantar com um grupo de economistas brasileiros da academia e do mercado financeiro.

Naturalmente, Kaushik Basu estava interessado na opinião dos economistas sobre o Brasil.

Em grupos como esse, era praticamente unânime a opinião que o primeiro mandato de Dilma Rousseff havia sido lastimável e que 2015 seria um ano muito difícil para a economia brasileira.

Por isso, um dos economistas presentes no jantar causava enorme surpresa. Falando animadamente, ele emitia opiniões razoavelmente positivas sobre a economia brasileira e não era muito crítico à presidente recém reeleita.

Parecia muito estranho.

Dois dias depois, o mistério se resolvia. Na sexta-feira, a Folha anunciava que esse economista, Joaquim Levy, assumiria o Ministério da Fazenda.

Já no jantar de quarta-feira, Joaquim Levy tentava fazer parte de um todo onde ele não cabia. Ele continuaria tentando por mais de um ano, sem muito sucesso. A situação continuaria parecendo estranha.

No fim de semana do anúncio, eu encontraria, por acaso, num prosaico sushi de shopping center, o outro ministro indicado para a área econômica, que almoçava sem ser notado. Desejei sorte a Nelson Barbosa e fui.

É improvável que algo assim prosaico tenha tido espaço nesse fim de semana de Nelson Barbosa, o homem sob todos os holofotes.

A maior parte dos petistas parece comemorar a guinada na política econômica.

A grande maioria dos analistas que leio espera menos austeridade fiscal e uma gestão ruim no ministério, com a ressurreição das políticas malfadadas do primeiro mandato de Dilma Rousseff.

Eu não concordo. Se tanta gente pensa assim, eu devo estar enganado, mas não entendo.

No momento, me parece que Nelson Barbosa tem até mais chance que Joaquim Levy de promover algum ajuste e colocar o país em um rumo um pouco melhor.

Não que eu aprecie as ideias econômicas de Nelson Barbosa.

Nelson Barbosa é um heterodoxo, ou seja, alguém que estudou economia lendo pesquisa de muito pouca relevância na academia internacional e que acha que isso faz sentido. Não tenho nada positivo a falar sobre sua formação (explico aqui o que significa ortodoxo em economia).

São frutos dessa visão heterodoxa as fracassadas ideias econômicas do primeiro mandato de Dilma Rousseff, como a “Nova Matriz Econômica”, a enorme expansão do BNDES e a lei do conteúdo local.

Entretanto, Nelson Barbosa é uma pessoa inteligente, capaz de aprender com os erros do passado. Dentre o grupo de economistas heterodoxos, ele deve estar entre os melhores. Comparado com o Mantega, Nelson é um enorme avanço.

OK, mas por que ele pode ser melhor que o Joaquim Levy?

Porque Joaquim Levy era o estranho no ninho, a parte que não cabia no todo, por mais que ele se esforçasse para parecer o contrário. Isso gerava dois problemas: (1) era muito difícil conseguir apoio para as medidas; e (2) os eleitores não aprendiam.

Com Levy no ministério, entidades ligadas ao PT protestavam contra a política econômica. Os economistas heterodoxos atacavam sua política neoliberal, o culpavam pela crise. Para piorar, o Ministro do Planejamento queria seu cargo.

Agora, com Nelson Barbosa na Fazenda, o PT não pode botar a culpa no “neoliberal infiltrado”. Economistas heterodoxos que antes se opunham às propostas de ajuste fiscal agora serão menos críticos a propostas muito parecidas.

Os eleitores, por sua vez, têm mais uma chance de aprender. Afinal, se o Nelson Barbosa quer o ajuste fiscal, é porque isso deve ser mesmo bom para o país (o efeito Nixon-vai-a-China, que eu expliquei aqui).

E me parece claro que Nelson Barbosa vai fazer o possível para ajustar as contas.

Ele entende que a recuperação econômica depende do setor privado investir e que, para isso, é preciso recuperar a confiança dos investidores, reduzir a incerteza. Ele sabe que isso requer ajustes nas contas do governo e uma mudança na trajetória de gastos públicos.

De acordo com a visão geral pessimista (e com a visão otimista dos petistas), Nelson Barbosa acha que o ajuste fiscal não é necessário, que a crise é fruto do ajuste. Isso é implausível.

Em suma, a vantagem nessa troca é que Nelson Barbosa deve ter mais facilidade para aprovar as medidas de ajuste. A desvantagem vem das diferenças entre as visões para a economia de Nelson Barbosa e Joaquim Levy.

Para o momento atual, a desvantagem não é muito importante.

Afinal, Joaquim Levy não estava conseguindo aprovar muita coisa. Qual a política econômica desse governo? Quaisquer que fossem os ideais de Levy, o fato é que muito pouco estava dentro do limite do possível para ele.

Além disso, no momento, interessa menos o tipo de economia que cada um quer construir. É hora de apagar o incêndio, ajustar as contas.

Então, o que mais importa é que Nelson Barbosa tem uma chance um pouco maior de conseguir aprovar algumas reformas e fazer algum ajuste.

É improvável que você tenha mais desprezo que eu pela chamada “heterodoxia econômica”. E eu gosto do Joaquim Levy. Mas respeito o Nelson Barbosa e acho que essa mudança no ministério pode contribuir para tirar o Brasil do buraco.

Referências:

– Como exemplos, essas matérias na Folha e na Economist vêem com preocupação a mudança de ministros.

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Além das boas ou más intenções http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/12/18/alem-das-boas-ou-mas-intencoes/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/12/18/alem-das-boas-ou-mas-intencoes/#respond Fri, 18 Dec 2015 14:05:05 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=469 Em sua coluna de ontem na Folha, Laura Carvalho argumenta que a política econômica do governo Dilma beneficiou o setor industrial e a Fiesp. Em suas palavras, “o setor empresarial foi o maior beneficiado pela expansão fiscal do primeiro governo Dilma Rousseff”.

Estaria então a colunista tardiamente reconhecendo que não devemos enxergar o PT como o defensor dos mais pobres?

De fato, muitas ações do primeiro governo Dilma Rousseff tiveram o efeito direto de beneficiar grandes grupos industriais.

A lei do conteúdo local, de dezembro de 2010, criou uma grande reserva de mercado para fornecedores nacionais de empresas como a Petrobrás.

Para tornar a vida desses empresários ainda mais fácil, o BNDES financiou muitos desses a taxas de juros bem inferiores às de mercado.

Aliás, a enorme expansão do BNDES direcionou crédito para as grandes empresas, o que tem um efeito negativo sobre a oferta de crédito para quem não tem acesso ao crédito subsidiado do BNDES (a maioria da população).

Vou então dizer que Dilma Rousseff tinha como objetivo a defesa do interesse dos mais ricos? Não.

Pelo menos em parte, no início, Dilma Rousseff e sua equipe realmente acreditavam que essas políticas seriam boas para o país como um todo.

Pelo menos em parte, o governo de Dilma de fato acreditava que a Nova Matriz Econômica estimularia a economia sem perder o controle da inflação; que a enorme expansão de crédito do BNDES promoveria o crescimento; que a lei do conteúdo local traria ganhos para a economia no médio e longo prazo.

Essas políticas não funcionaram. Para o país como um todo, foram muito ruins.

O desenvolvimentismo do primeiro governo Dilma foi um obstáculo ao crescimento da economia. A Nova Matriz Econômica foi um fracasso. As políticas monetária e fiscal empurraram parte do problema para o futuro. O futuro chegou em 2015.

É isso que precisamos aprender.

As divergências entre os que defendiam (e defendem) esse tipo de política e aqueles que, como eu, são contrários a elas não têm a ver com seus efeitos sobre ricos ou pobres.

Minha principal objeção a essas políticas é que elas são ruins para o país como um todo — não que elas beneficiam mais este ou aquele grupo.

O que está em jogo é o que é melhor para o país. Nenhum dos lados do debate tem o direito de ser visto como o defensor bem intencionados dos mais pobres, nem deve receber a pecha de mal-intencionado defensor dos ricos. Precisamos começar a discutir política econômica nesses termos.

O frustrante é que o governo e os defensores de suas malfadadas políticas têm logrado transformar esse debate sobre o que é melhor para o país como um todo em um embate entre poderosos e oprimidos (com o governo do PT ao lado dos oprimidos).

E muitos dos leitores da coluna de Laura Carvalho vão continuar pensando dessa maneira, mesmo depois de ler que a expansão fiscal do primeiro governo Dilma foi focada nos mais ricos.

Afinal, depois de uma coluna toda sobre os benefícios concedidos pelo governo do PT aos mais ricos (leia-se, aos membros da Fiesp), a colunista coloca a Fiesp ao lado dos maus (a CIA, o governo americano e os golpistas de 1964) contra o governo do PT.

A torcida do PT vibra com a comparação do apoio da Fiesp ao impeachment ao golpe militar de 1964. O PT é mais uma vez colocado como o inimigo dos mal intencionados.

O argumento tem a sofisticação intelectual de um grito de quem assiste futebol (“chupa!”) mas não é preciso mais que isso para dar munição aos torcedores da política.

Mais leitura:

– Para uma explicação mais completa sobre os efeitos dessas políticas sobre a economia como um todo, recomendo meu livro A Riqueza da Nação no Século XXI.

– Sobre o impeachment, não tenho nada interessante a acrescentar sobre o que já foi dito por colunistas como o Hélio Schwartsman (por exemplo, aqui).

– Sobre a Fiesp, escrevi algo neste post.

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O ambiente de negócios e a renda http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/28/o-ambiente-de-negocios-e-a-renda/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/28/o-ambiente-de-negocios-e-a-renda/#respond Wed, 28 Oct 2015 10:29:17 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=296 Foi divulgado ontem (dia 27/10) o relatório da edição de 2016 do “Doing Business”, um estudo de uma organização ligada ao Banco Mundial que mede a facilidade de fazer negócios pelo mundo. O Brasil caiu 5 posições e está mal, na posição #116, como mostra a reportagem da Folha.

Apesar de receber (relativamente) pouca atenção nas discussões sobre política econômica, esse é um fator fundamental para o desenvolvimento.

Cada ponto no gráfico abaixo representa um país. No eixo horizontal, está a posição do país no ranking que ordena os países pela renda per capita. No eixo vertical, está a posição do país no ranking “Doing Business” de fazer negócios.

Quanto mais à esquerda, mais rico é o país. Quanto mais abaixo, mais fácil é fazer negócios no país.

O ponto verde é o Brasil, na posição #74 na classificação pela renda per capita e na posição #116 na classificação pela facilidade de fazer negócios.

doingbusiness-renda

Note que a grande maioria dos países à esquerda no gráfico está também na parte de baixo. Isso significa que na maioria dos países ricos, é facil fazer negócio.

As exceções são, em geral, países exportadores de petróleo. O ponto alto mais à esquerda é a Guiné Equatorial, outros pontos altos à esquerda incluem Qatar, Kuwait, Brunei, Arábia Saudita, Líbia, etc. Excluindo esses países, a relação fica ainda mais forte. Em países desenvolvidos, fazer negócio é, de modo geral, muito mais fácil.

Da mesma maneira, a grande maioria dos países à direita no gráfico está também na parte de cima. Isso significa que na maioria dos países pobres, é difícil fazer negócio

Além disso, nos países que eram emergentes e hoje são desenvolvidos, fazer negócio é especialmente fácil. Cingapura tem liderado o ranking nos últimos anos, a Coreia do Sul ocupa a quarta posição, Taiwan está em décimo primeiro lugar. Esses países tinham renda próxima à do Brasil há cerca de meio século e hoje são muito mais ricos e prósperos (Cingapura é hoje um dos países mais ricos do mundo).

Claro, correlação não implica causalidade. O fato de existir uma associação positiva entre a facilidade de fazer negócios e o nível de renda não prova que a facilidade de fazer negócios causa o desenvolvimento.

Contudo, temos razões para acreditar que parte da relação acima reflete um efeito positivo do ambiente de negócios na renda. Afinal, entraves à produção, aos contratos, à competição e às trocas são barreiras aos fatores mais fundamentais para o desenvolvimento.

Dizendo de outra maneira, não é nada surpreendente que a dificuldade de estabelecer contratos e operar empresas reduza a produção e, consequentemente, a renda. O que surpreende é que existam enormes diferenças entre os países na facilidade de fazer negócios .

O Brasil tem um ambiente de negócios bastante ruim. Puxar o ponto verde do gráfico para baixo deveria ser uma prioridade do nosso governo.

Referências:

– Dados do site doingbusiness.org para a facilidade de fazer negócios e do FMI para a renda por habitante.

– Eu falei mais sobre um dos critérios desse ranking neste post.

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Sim, o ajuste fiscal é bom para o país http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/05/sim-o-ajuste-fiscal-e-bom-para-o-pais/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/05/sim-o-ajuste-fiscal-e-bom-para-o-pais/#respond Mon, 05 Oct 2015 05:05:35 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=179 As propostas de ajuste fiscal têm ocupado as manchetes dos jornais, mas na prática, as contas do governo devem continuar deficitárias esse ano. Muitos ainda argumentam e se manifestam contra o ajuste. Afinal, o ajuste fiscal é bom para o país como um todo?

Por um lado, quando a economia vai mal, aumentar os gastos do governo ou reduzir os impostos pode ajudar a estimular a produção e a criação de empregos. Em épocas de recessão, cortar gastos ou aumentar impostos é particularmente custoso para a economia.

Por outro lado, uma dívida pública alta aliada a desconfianças sobre o equilíbrio das contas do governo desestimula o investimento e a produção. Nesses momentos, ajustar as contas ajuda a reconquistar a confiança das pessoas e empresas, estimulando a geração de empregos e renda.

O argumento contra o ajuste fiscal é que gastar menos nesse momento pode ser contra-producente porque vai levar a economia à recessão e, consequentemente, a uma queda no produto que torna ainda mais difícil pagar a dívida pública, gerando uma espiral negativa.

O argumento favorável ao ajuste fiscal é que gastar menos nesse momento não apenas ajuda a frear o crescimento da dívida como também estimula o investimento e a produção, por trazer de volta a confiança no equilíbrio das contas públicas.

Nenhum dos argumentos é logicamente inconsistente. Assim, a questão é sobre o efeito total que o ajuste fiscal têm sobre o produto. Qual efeito predomina? Essa é uma questão empírica.

Em economia, não podemos fazer experimentos para estimar esses efeitos (por exemplo, não podemos sortear alguns países para aumentar os gastos, outros para ajustar as contas, e ver o que acontece). As técnicas de estimação disponíveis hoje não nos fornecem uma resposta definitiva para essa questão. Nós não temos certeza.

Ainda assim, a evidência disponível aponta um caminho claro, o caminho do ajuste fiscal. Vejamos:

1. Usando dados de diversos países e técnicas estatísticas de ponta, o trabalho de Ilzetzki, Mendoza e Vegh, publicado em 2013, traz estimativas razoavelmente confiáveis para o efeito de gastos do governo sobre o produto. O trabalho tem sido extremamente bem citado e, ainda que não traga respostas certas e definitivas, é o que temos de melhor para nos informar sobre essa questão.

Qual o efeito dos gastos do governo sobre o produto? A resposta do artigo é: depende das circunstâncias e do país. Em casos de países em desenvolvimento com dívida superior a 60% do produto, mais gastos do governo levam a menor produto (principalmente no médio e no longo prazo).

Assim, no caso do Brasil de hoje, a melhor evidência disponível indica que cortar gastos públicos deve ajudar a aumentar o produto. O efeito sobre a confiança no equilíbrio das contas do governo é o mais importante.

2. A experiência brasileira recente corrobora essa evidência. Não podemos concluir muito usando apenas um país e poucos casos, sempre podemos apontar outros fatores que influenciaram os resultados, mas é confortante ver que nossa experiência casa com os resultados da pesquisa acadêmica.

Em 2003, o governo Lula prometeu ao FMI um superávit fiscal de 4,25% do produto, mais do que o FMI queria. A promessa foi cumprida, a desconfiança sobre o equilíbrio das contas públicas foi dissipada e o desempenho da economia brasileira nos anos seguintes foi bom. Por outro lado, a austeridade fiscal foi descartada a partir de 2010 e o desempenho da economia nos últimos anos foi pífio. Hoje, a dívida está em níveis bem altos e o investimento batendo recordes negativos.

3. Déficits fiscais empurram o problema para a frente: no futuro, teremos que tributar mais ou arrecadar menos. Portanto, a estratégia baseada em déficits só pode funcionar se o produto aumentar bastante (o que vai contra a evidência empírica disponível). Por outro lado, o ajuste fiscal segura o crescimento da dívida e, portanto, por si só, já ajuda a evitar uma crise maior. Assim, além de estar mais amparado nas evidências, o caminho do ajuste fiscal é o mais seguro.

Em entrevista à Folha no domingo dia 04/10, Marcio Pochmann sugere que quem defende o ajuste fiscal o vê como um fim em si mesmo, não está pensando no futuro. Nada mais falso.

Claro, ajustar as contas não é um plano de desenvolvimento para o país: é uma condição necessária para o bom funcionamento da economia. Tão importante quanto equilibrar as contas públicas é adotarmos uma agenda bastante diferente para construir o Brasil de amanhã.

O projeto desenvolvimentista defendido por Marcio Pochmann, centrado na “capacidade de o governo liderar os investimentos”, foi empregado nos últimos anos. O resultado foi muito ruim (e não foi culpa da crise internacional). Precisamos colocar na pauta a discussão sobre o Brasil no longo prazo. Mas essa é uma outra discussão.

Referências:

– O trabalho citado sobre política fiscal é “How big (small?) are fiscal multipliers?” de Ethan Ilzetzki, Enrique Mendoza e Carlos Vegh, publicado no Journal of Monetary Economics em 2013. Dada a agitação política em torno dessa questão, acrescento que os autores não são “ideólogos de direita”. Eu conheço bem Ethan Ilzetzki, ele tem posição forte a favor do Partido Democrata (contra o Partido Republicano) no debate político americano.

– Não há espaço aqui para explicar melhor o efeito dos gastos do governo e dos impostos no produto da economia. Uma explicação mais completa pode ser encontrada, por exemplo, em meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI“.

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A mentira da crise internacional http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/28/a-mentira-da-crise-internacional/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/28/a-mentira-da-crise-internacional/#respond Mon, 28 Sep 2015 15:45:13 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=41 Mais uma vez, a tal crise internacional é usada pelo governo como justificativa para o fraco desempenho econômico do Brasil nos últimos anos. Faz sentido essa justificativa?

Se a economia mundial cresce pouco, é natural que o país acabe sendo afetado. Em primeiro lugar, pelo efeito direto: a demanda por nossas exportações e a capacidade de investimento estrangeiro crescem junto com a economia mundial. Em segundo lugar, porque os motivos que fazem a economia mundial crescer pouco também devem afetar o Brasil, sejam lá quais forem esses motivos.

Vamos, então, aos dados. O gráfico abaixo mostra o crescimento do produto mundial entre 1991 até 2014.

crescimentoprodutomundo

Vemos, em 2009, o efeito da crise internacional, mas e depois? A economia mundial cresceu 3,6% ao ano no período 2011-2014, praticamente o mesmo que entre 1995-2002 e 2007-2010 (3,5% ao ano nos dois casos). No período correspondente ao primeiro mandato de Lula, 2003-2006, a economia mundial cresceu 5% ao ano.

Nem todos os países estão indo bem, como sempre, mas a economia mundial tem crescido bem e sem solavancos desde 2011. Além disso, são os países emergentes, os mais parecidos com o Brasil, aqueles que mais têm crescido. Quem não vai bem é a velha Europa.

As evidências sobre a tal crise internacional parecem se basear em exemplos específicos, do tipo “saiu ontem no jornal que tal país da Europa está em recessão este ano”. Isso faz tanto sentido quanto usar uma matéria do telejornal que noticia crimes como evidência sobre o aumento da criminalidade. O gráfico deste post mostra o crescimento da economia mundial como um todo.

Os dados podem parecer surpreendentes, pois tanto os países europeus quanto os asiáticos parecem estar crescendo menos que cresciam antes. Note, porém, que na década de 1990, os países asiáticos tinham um peso modesto na economia mundial. Assim, naqueles tempos, um crescimento de 10% ao ano na China não afetava tanto a economia do mundo como um todo (assim como um grande aumento na remuneração do garoto estagiário não muda muito a renda da família).

Desde então, as economias asiáticas cresceram muito e passaram a ter um peso muito maior no produto do mundo. Hoje, um crescimento de 7% na China corresponde a um aumento substancial na demanda e na capacidade de investimento mundial (na analogia com a renda da família, a China não é mais o garoto estagiário, é um gerente com um bom salário).

Está bem, a economia mundial vem crescendo bem, mas essa não é a única variável relevante no cenário internacional, certo? Sim. Duas outras variáveis importantes são: (1) a taxa de juros vigente nos países desenvolvidos e (2) o preço dos produtos não industrializados (as tais commodities).

Como eu expliquei neste post, a taxa de juros norte-americana em termos reais (já descontada a inflação do dólar) pode ser vista, de maneira bem simplificada, como uma espécie de taxa Selic do mundo. Quando os juros reais americanos estão baixos, emprestar ao governo dos Estados Unidos rende muito pouco. Assim, outras oportunidades de investimento ficam mais atraente. As taxas de juros reais nos países desenvolvidos estão em níveis baixíssimos, o que é muito bom para as economias emergentes, como o Brasil.

Por fim, os preços das commodities. Não estão tão baixos (em termos históricos), mas meu ponto aqui é outro. Quão importantes são esses preços?

A exportação de produtos não industriais foi responsável por 38,5% do valor total exportado pelo Brasil em 2014. Bastante. Porém, cerca de 88% da produção brasileira é destinada ao mercado interno, apenas 12% do que produzimos é exportado.

Assim, as exportações de commodities são cerca de 5% do produto brasileiro. Além disso, cerca de 2% do produto brasileiro é gasto com a importação de produtos não industriais. Quando as commodities estão baratas, recebemos menos pela soja exportada, mas também pagamos menos pelo trigo que importamos.

Portanto, uma queda de 15% no preço de todas as commodities (algo incomum) seguida por alguns anos de estabilidade de preços nesse nível mais baixo tem um efeito direto sobre o produto brasileiro inferior a 0,5% no primeiro ano e nenhum efeito nos anos seguintes (pois os dados de crescimento comparam um ano com o ano anterior). Efeitos indiretos podem atenuar ou acentuar o efeito direto.

Assim, variações nos preços de commodities afetam o Brasil, mas não tanto para derrubar nossa economia agora, nem para justificar o desempenho bom na década passada.

Em suma, a crise internacional do discurso oficial é uma mentira.

Os reais motivos para a forte desaceleração da economia brasileira durante o governo de Dilma Rousseff são outros. Ao usar a crise internacional como justificativa para os déficits em anos passados, a presidente não está reconhecendo os erros que nos trouxeram a uma situação de baixa produtividade e pouco investimento.

Referências:

– Boa parte desse post foi adaptada de um trecho do meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”.

– Os dados para o crescimento mundial eu tirei do site do FMI.

– Os dados de exportação e importação eu tirei do site do ministério que cuida disso.

– Discurso da presidente: “Por seis anos, buscamos evitar que os efeitos da crise mundial que eclodiu em 2008, no mundo desenvolvido, se abatessem sobre nossa economia e sociedade.

Detalhe:

– Exemplo de efeito indireto atenuante: se cai demais a demanda internacional por bens agrícolas e seus preços nos mercados internacionais, o produtor pode passar a produzir outra coisa, possivelmente para o mercado interno.

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O desemprego na construção civil e a poupança http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/24/a-construcao-civil-e-a-poupanca/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/24/a-construcao-civil-e-a-poupanca/#respond Thu, 24 Sep 2015 13:42:36 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=122 Como mostram os gráficos na matéria da Folha, o setor da construção civil tem sido especialmente atingido pela crise. A reportagem mostra uma queda de 6,7% no nível de emprego no setor nos últimos 12 meses. E isso me faz pensar na caderneta de poupança.

O sistema financeiro brasileiro é cheio de regulamentações. Por exemplo, a caderneta de poupança rende TR + 6% ao ano. Os juros são tabelados, um banco não pode concorrer com o outro e pagar mais (nem menos). A lei também determina que 65% do saldo da caderneta de poupança deve ser destinado ao crédito imobiliário.

Assim, a quantidade de recursos disponíveis para o crédito habitacional depende muito de quanto é captado pela caderneta de poupança.

O rendimento das outras aplicações financeiras oscila de acordo com as variações na taxa Selic, aquela escolhida pelo Banco Central. A Selic varia bastante. Por outro lado, a TR varia muito pouco, tem estado sempre abaixo de 2% ao ano desde 2007. Assim, quando o Banco Central sobe a taxa de juros Selic, a caderneta de poupança fica relativamente menos atraente (o rendimento das outras aplicações financeiras aumenta, mas a poupança não é diretamente afetada).

A consequência é que essas variações nos juros afetam a composição do crédito no Brasil. Quando os juros estão baixos, a poupança fica muito atraente e, portanto, uma parcela maior do crédito é destinada ao financiamento habitacional. Quando os juros estão altos, a poupança fica pouco atraente e a fatia do crédito direcionada ao financiamento imobiliário se reduz.

Isso acontece não porque assim queremos, mas porque a regulamentação tem esse efeito colateral. A proporção do crédito destinada ao financiamento habitacional varia quando o Banco Central mexe na Selic não por conta de alguma razão econômica, mas por conta de regras fixadas no passado. De acordo com este boletim sobre o mercado imobiliário, a caderneta de poupança rende 6% ao ano desde 1861. Dom Pedro II era o rei.

No momento atual, a taxa Selic está bem alta. Consequentemente, a poupança está relativamente muito pouco atraente. Como seria de se esperar, a saída de recursos da caderneta de poupança tem batido recordes. Sem o recurso da poupança, há menos crédito imobiliário. De fato, a Caixa Econômica já apertou as regras para a concessão de novos empréstimos para financiar compra de habitações. Isso reduz a demanda por imóveis. Assim, torna-se menos vantajoso construir — ou seja, há menos empregos no setor.

Em suma, leis obsoletas do nosso sistema financeiro induzem variações indesejáveis na fatia do crédito alocada ao setor habitacional. Esta é uma dentre as muitas ineficiências que assolam nossa economia.

O debate sobre políticas econômicas, em geral, se perde na discussão sobre quem ganha e quem perde com cada proposta de política. Assim, deixamos de resolver problemas que fazem com que a economia como um todo saia perdendo.

Cada uma dessas ineficiências é um pequeno entrave ao desenvolvimento do nosso país, mas em conjunto, elas são muito importantes. Reduzir essas ineficiências deveria ser uma das principais atribuições do governo brasileiro.

Desde 2006, esse tipo de questão não tem recebido muita atenção do governo. Essa é uma causa importante da desaceleração da economia nos últimos anos, culminando com a crise recente.

Referência:

– Para uma análise sobre a evolução do crédito imobiliário em anos recentes e de seu impacto na demanda e nos preços dos imóveis, veja o Boletim FipeZAP número 2, de setembro de 2015, feito pela equipe coordenada pelo Eduardo Zylberstajn.

Detalhes:

– A caderneta de poupança rende TR + 0,5% ao mês, o que dá um pouco mais que TR + 6% ao ano (porque são pagos juros sobre juros), mas isso não é importante para os propósitos do post.

– Naturalmente, as construtoras estão atentas aos movimentos nos empréstimos habitacionais e percebem que vai haver uma redução no crédito imobiliário mesmo antes dessa redução de fato ocorrer.

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Quão caro está o dólar? http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/21/o-dolar-a-r-4-e-o-mais-caro-da-historia/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/21/o-dolar-a-r-4-e-o-mais-caro-da-historia/#respond Mon, 21 Sep 2015 16:53:52 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=118 A taxa de câmbio nos diz quão caros são os produtos importados em relação aos produtos brasileiros. O dólar está custando cerca de R$ 4, batendo recordes. Nunca foram precisos tantos reais para comprar um dólar. Podemos então dizer que os preços nos Estados Unidos estão no nível mais alto da história para nós brasileiros?

A resposta é não. Para comparar o valor real do câmbio em 2 pontos do tempo, precisamos considerar a inflação.

Por exemplo, há 25 anos, em 21/09/1990, o dólar custava o equivalente a R$ 0.0000298, mas isso não significa que os produtos importados estavam muito baratos, pois na época, o montante de 81,96 cruzeiros (o equivalente a R$ 0.0000298 hoje) tinha algum valor.

Da mesma maneira, nos Estados Unidos, um dólar em 2002 comprava um pouco mais que um dólar compra hoje. A inflação do dólar, apesar de pequena se comparada à inflação do real, também precisa ser levada em conta.

Como exemplo, em 28/10/2002, um dólar valia de R$ 3,74. Considerando a inflação do Real, temos que R$ 3,74 em outubro de 2002 valiam o mesmo que R$ 8,38 hoje. Mas 1 dólar de outubro de 2002 vale US$ 1,32 hoje. Assim, em 28/10/2002, a taxa de câmbio equivalia a 8,38 reais de hoje por 1,32 dólares de hoje — ou seja, R$ 6,37 por dólar considerando os valores de hoje dessas moedas.

cambioreal

O gráfico desse post mostra a evolução da taxa de câmbio observada desde que o câmbio começou a flutuar, em 1999. A linha verde (câmbio nominal) considera o valor que o dólar e o real tinham em cada ponto do tempo e é a taxa que estava no jornal naquele dia. A linha azul (câmbio real) atualiza a taxa de câmbio da época de acordo com as inflações do real e do dólar.

Quando consideramos a inflação, percebemos que, em termos reais, o dólar já foi bem mais caro. Sim, nunca chegou a custar R$ 4, mas isso comprava um belo carro em 1990.

Ainda assim, desde o final de 2004, o dólar nunca esteve tão valorizado perante ao real, mesmo considerando a inflação no período. Assim como o Índice Bovespa, o valor em dólar da nossa moeda está no nível mais baixo em mais de 10 anos.

Dados:

– Câmbio: peguei o dia 28 de cada mês (se não era dia útil, peguei logo antes ou depois). Inflação: IPCA para o Brasil e a CPI oficial dos Estados Unidos.

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