A Economia no Século 21bancos – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A inflação como transferência http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/02/23/a-inflacao-como-transferencia/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/02/23/a-inflacao-como-transferencia/#respond Tue, 23 Feb 2016 05:00:58 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=683 Suponha que todos os preços e salários aumentem em 10%. O que acontece na economia?

Não parece que ficamos mais pobres ou mais ricos. Nossa renda e o preço dos bens que compramos aumentaram na mesma proporção.

Contudo, o dinheiro que temos no bolso e na conta corrente agora compra menos do que comprava antes desse aumento generalizado nos preços.

Por causa desse efeito, a inflação nos deixa um pouco mais pobres.

Mas o aumento nos preços dos bens por si só não afeta a produção da economia, não destrói máquinas e equipamentos nem a nossa força de trabalho.

Então não ficamos todos mais pobres.

O que há, no fundo, é uma transferência de recursos.

Com o aumento dos preços, a nota de R$ 10 compra menos do que comprava antes. Como essa nota é uma dívida do Banco Central, há uma transferência do portador da nota ao governo. A inflação funciona como um imposto (explico isso com mais detalhes aqui).

Da mesma maneira, o dinheiro na conta corrente é um empréstimo das pessoas e empresas aos bancos sem juros nem correção monetária. Com o aumento nos preços, o dinheiro na conta que o banco deve a cada correntista passa a valer menos.

Assim, a inflação transfere recursos de quem tem dinheiro no bolso ao banco central e de quem tem dinheiro na conta corrente ao banco.

Entendido esse ponto, vamos a três questões:

1. Comecei esse post supondo um aumento de 10% em todos os preços e salários. Com a inflação, os salários sobem também?

Sim, em geral, o aumento nos salários acompanha a inflação (há outros fatores que afetam os salários, por exemplo, em épocas de recessão, os salários caem em termos reais – ou seja, sobem menos que a inflação).

Contudo, na maior parte dos casos, o aumento nos salários só vem depois de um tempo: a inflação acumulada no período de um ano até agora será considerada nas discussões de reajustes salarias para categorias que tem reajuste esse mês.

O ponto aqui é que a inflação do último ano afeta o aumento dos salários agora, que afetará os custos das empresas e, portanto, os preços que elas cobrarão por seus bens e serviços.

Assim, quanto maior a inflação passada, maior tende a ser a inflação hoje. É isso que os economistas chamam de inércia inflacionária.

Há outros contratos na economia que estipulam reajustes de preços baseados na inflação passada. É isso que as pessoas têm em mente quando falam sobre a indexação na economia brasileira.

Por conta dessa inércia, é mais fácil segurar a inflação na meta que trazer a inflação de 10% ao ano de volta à meta.

2. “Inflação de 10% significa que ficamos 10% mais pobres”. Parece então que essa ideia está errada?

Sim, está. Parte dessa perda será compensada por aumentos de salários no futuro. Portanto a perda direta de poder de compra causada pela inflação é bem menor que esses 10%.

Mas se é assim, por que inflação é um problema?

Há vários motivos. Por exemplo, a inflação é um imposto que incide sobre quem tem dinheiro no banco, na conta corrente. Além disso, a inflação afeta negativamente os rendimentos reais da caderneta de poupança. Portanto, a inflação é um imposto pago pelos mais pobres.

Aqui, eu quero destacar um motivo pouco mencionado. A inflação faz com que aloquemos recursos para atividades que não geram mais produção e renda para o país.

Com a inflação alta, vale a pena para as empresas ter departamentos financeiros cheios de gente para minimizar a quantidade de dinheiro que fica parado no caixa ou na conta corrente.

Da mesma maneira, antes do Plano Real, muita gente trabalhava no setor bancário brasileiro apesar deste gerar pouca intermediação financeira: para muitos bancos, valia a pena operar por conta da transferência, propiciada pela inflação, dos correntistas aos bancos.

O resultado é muita gente trabalhando apenas para conseguir ou evitar transferências de recursos, sem gerar riqueza. Algo parecido com cobrir as janelas com tijolos para evitar pagar imposto (ou seja, para evitar transferir recursos ao governo).

3. Se é assim, o Plano Real afetou o setor bancário brasileiro?

Sim. Antes do Plano Real, com a inflação alta, o banco efetivamente levava uma parte significativa do dinheiro que ficava parado em conta corrente.

Com o Plano Real, essa fonte importante de renda dos bancos minguou. Muitos bancos deixaram de ser lucrativos e viáveis.

Isso foi bom. Bancos que vivem da inflação não geram riqueza para o país. É bom que as pessoas que trabalham apenas para ganhar com a inflação ou para evitar as perdas com a inflação passem a fazer outras coisas.

Houve 24 casos de insolvência no setor bancário brasileiro entre julho/1994 e dezembro/1995.

Alguns bancos simplesmente fecharam. Mas bancos que tinham várias agências foram, de maneira geral, adquiridos por outros.

Assim, teve início um processo de concentração no setor bancário brasileiro. Hoje, temos muito menos bancos do que tínhamos até 1994. Esse é um dos fatores que afeta a concorrência no setor financeiro (que eu discuti aqui).

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Agradecimentos:

– Sugestões para posts são sempre bem vindas, ainda que eu consiga satisfazer menos da metade das sugestões. Esse post toca em questões levantadas pelos leitores Clovis Menezes Filho, Alexandre, João Carlos Soarez e Gilvan Velames.

Referência:

– Para os casos de insolvência no setor bancário brasileiro: “Reflexos do Plano Real sobre o sistema bancário brasileiro” de Rubens Penha Cysne e Sérgio Gustavo Silveira da Costa, Revista Brasileira de Economia 51:325-46, 1997).

Detalhe:

– Em alguns períodos, antes do plano real, os bancos ofereciam alguma remuneração pelo dinheiro depositado na conta (as “contas remuneradas”). Em geral, essa remuneração nem cobria a inflação, mas já era suficiente para que as pessoas deixassem mais dinheiro na conta corrente (e para quem não tinha muito dinheiro, não valia a pena ficar correndo atrás de uma remuneração um pouquinho maior em outro banco).

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O lucro dos bancos http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/02/11/o-lucro-dos-bancos/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2016/02/11/o-lucro-dos-bancos/#respond Thu, 11 Feb 2016 04:00:30 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=651 Muito se fala sobre os altos lucros auferidos pelos bancos brasileiros. Isso é um problema? Deveríamos tributar mais os bancos?

Em uma economia de mercado, o lucro é parte da regra do jogo. Entretanto, lucros altos demais podem estar associados à concorrência de menos.

De fato, há fortes indícios de que falta concorrência no setor financeiro brasileiro. Por exemplo, os juros cobrados pelos bancos em seus empréstimos são muito altos. Parte substancial dos altos juros é explicada pela inadimplência, mas uma parte importante parece estar ligada à falta de concorrência.

Contudo, se o problema de fundo é a falta de concorrência, taxar não é a melhor solução. Explico.

Digamos que por conta da falta de concorrência, a taxa de juros em uma modalidade de empréstimo seja 4% ao mês, mas seria apenas 3% ao mês em um mercado com bastante concorrência.

Parece razoável pensar que a tributação sobre os bancos resolveria o problema: o banco ganha mais das pessoas ao cobrar juros mais altos, mas a tributação repassaria esse lucro extra para os cofres do governo.

Só que não resolve.

Não resolve porque a empresa ou pessoa que gostaria de tomar empréstimo a juros de 3% mas não a 4% fica sem crédito.

É por isso que competição de menos é um problema. Sem concorrência, os juros são muito altos e muita gente que gostaria de tomar emprestado (a uma taxa condizente com o custo de capital e o risco) fica sem crédito.

Em um país que tem torrado dezenas de bilhões de reais anualmente em subsídios ao crédito, essa redução no volume de crédito por conta da falta de concorrência precisa ser vista como um problema importante.

Se há pouca competição, a solução é estimular a concorrência.

Ou remover obstáculos à concorrência impostos pela própria legislação.

Um competidor natural dos bancos no mercado de empréstimos para pequenas empresas e pessoas físicas são as factorings.

Factorings são empresas que prestam serviços eminentemente financeiros. Por exemplo, uma empresa que vai receber um pagamento de R$ 10 mil daqui a 60 dias pode vender a uma factoring o direito de receber esse pagamento.

Claro que a factoring paga menos que R$ 10 mil hoje por R$ 10 mil em 60 dias. Para um economista, isso é parecido com uma operação de empréstimo, com juros.

Contudo, sob o ponto de vista jurídico, factorings não são instituições financeiras. Parece um detalhe técnico desimportante. Por que isso importa?

Porque pela lei, factorings não podem emprestar dinheiro e não podem cobrar juros (nominais) superiores a 12% ao ano em suas operações.

Por essas e outras, a lei efetivamente impõe sérias limitações às operações das factorings.

A ideia é proteger a população ingênua da agiotagem, dos juros extorsivos.

A senhora que vive em um cidade do interior poderia vender sua loja e montar um negócio para emprestar o dinheiro dessa venda, vivendo dos juros dos empréstimos. Ela conhece as pessoas da cidade, sabe quem tem mais chance de dar calote. Poderia pedir alguma garantia pelos empréstimos.

A lei não permite. Isso é agiotagem. É feio.

Ela pode, claro, emprestar o dinheiro para um banco ou para o governo. Quem quiser empréstimo, que procure o banco. Aí, pode. Vai entender.

Em nome da proteção à população ingênua, esse tipo de lei limita a concorrência. As empresas só vão tomar emprestado do agiota se o banco não quiser emprestar a uma taxa de juros menor.

Não faz sentido proibir as quitandas de operar por conta dos altos preços das frutas que elas vendem. Agora, faz menos sentido ainda reclamar depois dos altos lucros dos supermercados!

Outra medida que estimularia a concorrência entre bancos é o cadastro positivo de tomadores de empréstimos.

Considere o caso de um senhor, cliente de um grande banco, que entra com frequência no cheque especial, mas sempre paga os juros, sem renegociar. Esse senhor é uma mina de ouro. Há muitos como ele.

Sem o cadastro positivo, os outros bancos não sabem de seu histórico e têm pouco incentivo para lhe oferecer empréstimos a juros baixos.

Se todas as instituições financeiras soubessem de seu histórico completo, elas teriam forte incentivos para lhe oferecer crédito mais barato. Com a concorrência, ele teria outras opções.

Assim, o cadastro positivo aumentaria a concorrência entre bancos para prestar serviço para os bons pagadores. Como consequência, eles pagariam juros mais baixos.

A discussão sobre política econômica por vezes parece supor que a produção e a renda total de um país, assim como os lucros e os salários de cada um, são dados da natureza.

O mundo não é assim. Lucros altos demais podem indicar falta de concorrência. Isso de fato é um problema. A solução, porém, não é aceitar a situação e taxar o lucro extra.

A concorrência é um ingrediente importante do bom funcionamento de uma economia de mercado por trazer preços mais próximos dos custos. Isso gera mais trocas, mais produção e mais renda.

Agradecimentos:

– Sugestões para posts são sempre bem vindas, ainda que eu consiga satisfazer menos da metade das sugestões. Esse post nasceu de uma pergunta da leitora Nathália Pinheiro Leão.

– Quem me chamou à atenção para a lei que limita os juros cobrados por instituições não-financeiras (e factorings) a 12% ao ano foi Bruno Salama, professor da Escola de Direito da FGV.

Detalhes:

– Há motivos para limitar o escopo de operações das factorings. Por exemplo, limitações à captação de recursos fazem sentido por razões semelhantes às que pautam a existência e a operação do Fundo Garantidor de Crédito. Porém, no lado do ativo, é difícil encontrar razões para limitar as operações de empréstimos das factorings e não as dos bancos (e há boas razões para limitar as operações de empréstimos dos bancos).

– Com o cadastro positivo, pode-se argumentar que bancos teriam menos interesse em emprestar dinheiro para quem eles não conhecem, pois os ganhos de encontrar um bom pagador por aí seriam menores (pois os juros no futuro seriam menores). É verdade. Mas o benefício do cadastro positivo compensa esse custo.

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