A Economia no Século 21ajuste fiscal – A Economia no Século 21 http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br O olhar de um pesquisador sobre a economia contemporânea Tue, 30 Aug 2016 15:06:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Deficit primário ou nominal? Nenhum dos dois http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/23/deficit-primario-ou-nominal-nenhum-dos-dois/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/23/deficit-primario-ou-nominal-nenhum-dos-dois/#respond Fri, 23 Oct 2015 11:41:20 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=269 Há um bocado de confusão sobre as medidas de déficit público. As mais usadas são o déficit primário e o déficit nominal. Nenhuma das duas é uma boa medida de quanto nós temos que nos endividar para cobrir o déficit público.

O déficit primário considera o que o governo arrecada com impostos, seus gastos e transferências, mas não considera as despesas do governo com pagamento de juros da dívida. É, portanto, uma medida bastante incompleta do quadro fiscal.

O déficit nominal leva em consideração os gastos com pagamento de juros. Muitos consideram essa a melhor medida de déficit público, mas na verdade, é uma medida muito pouco relevante. O problema é que o déficit nominal desconsidera a inflação.

Para entender esse ponto, suponha que um país tenha dívida de $100 e que os juros da dívida sejam de $10 em um ano. Esses $10 devem ser incorporados como gastos do governo? Depende:

  • Se não houve inflação no período, para que a dívida não aumente, esses $10 devem ser pagos. Portanto, nesse caso, esses $10 devem ser computados na conta do déficit (ou superávit) público.
  • Se a inflação no período foi de 10%, esses $10 apenas corrigem o valor da divida de acordo com a inflação. Em termos reais, a dívida de $110 ao final do ano equivale a dívida de $100 no início do ano. Assim, esses $10 não devem ser computados na conta do déficit. Os “juros” de $10 estão apenas atualizando o valor da dívida considerando a inflação.
  • Em casos intermediários, apenas os juros reais devem ser computados. Por exemplo, se a inflação foi de 5%, corrigimos a dívida pela inflação (de $100 a $105) e computamos os outros $5 como despesas com juros reais para calcular o déficit.

No caso do Brasil de hoje, isso significa o seguinte:

  • Esse ano, o déficit primário no Brasil estará (relativamente) próximo de zero. Ou seja, sem considerar as despesas com juros da dívida, as despesas do governo serão um pouco superiores à arrecadação.
  • Contudo, há o pagamento com juros. Fazendo uma conta muito aproximada, se a dívida pública está perto de 63% do PIB e a taxa de juros no período será próxima de 13,5%, chegamos a um déficit nominal próximo a 9% do PIB. Um número enorme. E irrelevante.
  • Afinal, a inflação esse ano será próxima de 9,5%. Assim, boa parte dos juros sobre a dívida está apenas corrigindo seu valor considerando a inflação. A taxa de juros reais (ou seja, descontando a inflação) será algo como 4%, e isso implica um déficit de verdade próximo a 2,5% ou 3% do PIB.

O conceito de déficit que leva em conta os juros reais sobre a divida pública é o déficit operacional. Apesar de ser raramente mencionado, é o que melhor representa o quanto de fato o governo gasta mais que arrecada e como isso afeta a dívida pública.

Infelizmente, as estatísticas oficiais não mais incluem o déficit operacional. Este deve fechar o ano de 2015 próximo dos 3%, como na conta aproximada acima.

Tem sido dito que os juros da dívida esse ano serão algo como 8% do PIB (que equivale a cerca de 15 vezes o Bolsa Família). Esse número é irrelevante, pois a maior parte desse montante está apenas corrigindo o valor da dívida pela inflação. É incorreto dizer que o gasto com juros seja 15 vezes o Bolsa Família.

O gasto real com os juros da dívida será em 2015 algo mais próximo de 2,5% do PIB, que é muito. Considerando as baixas taxas de juros vigentes hoje no mundo, deveríamos ser capazes de ter taxas de juros muito menores e uma conta de pagamento de juros muito menor (eu falei sobre isso neste post).

Por fim, a diferença entre o que o governo gasta e arrecada é o aumento na dívida do governo.

Se o déficit operacional é zero, há um aumento nominal na dívida, mas em termos reais, ou seja, considerando a inflação, a dívida permanece constante.

Contudo, esse ano, deveremos ter um déficit operacional de cerca de 2,5% ou 3% do PIB. Esse é um número preocupante, porque a dívida já é alta (para nossos padrões) e continuaremos tendo déficit nos próximos anos. Precisamos resolver esse problema.

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A inflação como calote http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/19/a-inflacao-como-calote/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/19/a-inflacao-como-calote/#respond Mon, 19 Oct 2015 10:26:31 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=245 Este post fecha a sequência de três textos sobre a relação entre a inflação e o desequilíbrio nas contas públicas.

Nos últimos posts, falei sobre a inflação como um imposto. Há um outro canal ligando a inflação e as contas públicas: a inflação pode funcionar como uma espécie de calote na dívida.

A ideia é a seguinte: suponha que o governo tenha uma dívida de R$ 120 vencendo daqui a dois anos.

  • Se a inflação no período todo for 20%, a dívida equivale a R$ 100 hoje: corrigindo pela inflação de 20%, R$ 100 hoje equivalem a R$ 120 ao final do período.
  • Se a inflação no período for 50%, a dívida equivale a R$ 80 hoje: corrigindo pela inflação de 50%, R$ 80 hoje equivalem a R$ 80 + $ 40 = R$ 120 ao final do período.

Isso significa que a inflação maior reduz o valor real da dívida que não é indexada. Uma espécie de calote.

Parece, então, que a inflação pode acabar fechando as contas do governo por esse canal. Note, porém que:

  1. A maior parte da dívida do governo brasileiro é indexada à inflação ou à taxa de juros corrente (ou ao câmbio). O efeito explicado acima só funciona para a parte da dívida pré-fixada (ou seja, não indexada). Hoje, uma parte substancial da dívida é pré-fixada, mas a maior parte não é .
  2. Além disso, se a inflação sobe e passa a funcionar como uma espécie de calote, os investidores deixam de comprar títulos públicos pré-fixados de prazo mais longo. De fato, na época da inflação alta, títulos pré-fixados tinham prazo de pouco meses, não mais. A inflação de poucos meses é relativamente bem antecipada pelo mercado.

Assim, não creio que a inflação será o calote que “fechará a conta” do governo porque a maior parte da dívida é indexada e, além disso, à medida que a inflação sobe, deixa de existir dívida pré-fixada cujo valor pode de fato ser afetado por mais inflação.

Resumindo a sequência de posts sobre a inflação e as contas públicas:

  • a inflação pode funcionar como um calote (relativamente pequeno para inflações moderadas) em uma parte da dívida, mas isso tem efeito significativo apenas no curto prazo, enquanto os investidores não esperam esse “calote”;
  • além disso, a inflação pode funcionar como um imposto, mas é preciso uma inflação substancial para que esse imposto resolva o problema fiscal (como expliquei aqui).

Conclusão: como eu já disse, a inflação seria uma solução ruim para o desequilíbrio fiscal. Podendo escolher, qualquer governo vai preferir o ajuste fiscal à inflação.

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A inflação como um imposto http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/16/a-inflacao-como-um-imposto/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/16/a-inflacao-como-um-imposto/#respond Fri, 16 Oct 2015 05:00:20 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=224 Alguns economistas têm alertado que uma das possíveis consequências do desequilíbrio nas contas públicas é o aumento da inflação. O que uma coisa tem a ver com a outra?

A inflação é, entre outras coisas, um imposto sobre o dinheiro que portamos.

Uma alta nos preços de 10% significa que a nota de R$ 10 perde parte do seu valor, pois essa nota só compra agora o que antes custava pouco mais de R$ 9.

Para onde vai esse R$ 1?

Quando emitiu essa nota, o Banco Central a trocou por algo que valia R$ 10.

Digamos que essa nota circulou na economia e, depois de uma inflação de 10%, voltou para o Banco Central, trocada por títulos públicos. Essa nota só comprou o que antes valia R$ 9.

Assim, a perda de valor do dinheiro causada pela inflação gerou uma transferência no valor de R$ 1, de quem portou a nota de R$ 10 para o Banco Central. A inflação funcionou como um imposto sobre o porte de dinheiro.

A base da arrecadação do imposto inflacionário é a quantidade de moeda que circula na economia. A alíquota do imposto é a inflação. (Atualização: escrevi uma explicação mais detalhada sobre o imposto inflacionário neste post).

Se o governo não arrecada o suficiente, a inflação pode ser o imposto que fecha a conta? Quanto esse imposto é capaz de arrecadar?

A quantidade de moeda na economia (a chamada base monetária) é hoje cerca de R$ 250 bilhões, cerca de 4% do PIB brasileiro.

Uma inflação de 0,5% por mês (próxima da dos anos passados) resulta em uma “arrecadação” do imposto inflacionário de cerca de 0,25% do PIB em um ano.

Uma inflação 60 vezes maior (1% ao dia) levaria a uma arrecadação 60 vezes maior (15% do PIB)?

Não, porque um imposto desestimula justamente o que gera a base da arrecadação.

 

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O gráfico acima mostra a quantidade de moeda na economia como proporção do PIB nos anos 1990.

Antes do Plano Real, a inflação era cerca de 1% ao dia.

Pessoas e empresas buscavam deixar quase todo o dinheiro aplicado, ficando com a menor quantidade de moeda possível.

Assim, a quantidade de moeda na economia girava em torno de 0,8% do PIB. O imposto inflacionário arrecadava cerca de 3% do PIB.

Com o Plano Real, a alíquota do imposto inflacionário (a inflação) caiu drasticamente. Ficar com dinheiro no bolso se tornou menos custoso. Para empresas, não valia mais a pena incorrer em custos altos para ficar com o caixa zerado no final do dia.

Logo após o Plano Real, a quantidade de moeda na economia quase triplicou. Aos poucos, pessoas e empresas foram se acostumando à nova situação e a quantidade de moeda na economia continuou aumentando.

Os dados mostram que uma inflação 60 vezes maior gerava uma arrecadação do imposto inflacionário apenas 12 vezes maior, porque a quantidade de moeda na economia era um quinto do que tem sido recentemente (tudo como proporção do PIB).

Conclusão: para uma arrecadação significativa de imposto inflacionário, é preciso uma inflação muito alta.

Essa seria uma solução muito ruim para o desequilíbrio fiscal. Podendo escolher, qualquer governo vai preferir o ajuste fiscal à inflação.

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Sim, o ajuste fiscal é bom para o país http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/05/sim-o-ajuste-fiscal-e-bom-para-o-pais/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/10/05/sim-o-ajuste-fiscal-e-bom-para-o-pais/#respond Mon, 05 Oct 2015 05:05:35 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=179 As propostas de ajuste fiscal têm ocupado as manchetes dos jornais, mas na prática, as contas do governo devem continuar deficitárias esse ano. Muitos ainda argumentam e se manifestam contra o ajuste. Afinal, o ajuste fiscal é bom para o país como um todo?

Por um lado, quando a economia vai mal, aumentar os gastos do governo ou reduzir os impostos pode ajudar a estimular a produção e a criação de empregos. Em épocas de recessão, cortar gastos ou aumentar impostos é particularmente custoso para a economia.

Por outro lado, uma dívida pública alta aliada a desconfianças sobre o equilíbrio das contas do governo desestimula o investimento e a produção. Nesses momentos, ajustar as contas ajuda a reconquistar a confiança das pessoas e empresas, estimulando a geração de empregos e renda.

O argumento contra o ajuste fiscal é que gastar menos nesse momento pode ser contra-producente porque vai levar a economia à recessão e, consequentemente, a uma queda no produto que torna ainda mais difícil pagar a dívida pública, gerando uma espiral negativa.

O argumento favorável ao ajuste fiscal é que gastar menos nesse momento não apenas ajuda a frear o crescimento da dívida como também estimula o investimento e a produção, por trazer de volta a confiança no equilíbrio das contas públicas.

Nenhum dos argumentos é logicamente inconsistente. Assim, a questão é sobre o efeito total que o ajuste fiscal têm sobre o produto. Qual efeito predomina? Essa é uma questão empírica.

Em economia, não podemos fazer experimentos para estimar esses efeitos (por exemplo, não podemos sortear alguns países para aumentar os gastos, outros para ajustar as contas, e ver o que acontece). As técnicas de estimação disponíveis hoje não nos fornecem uma resposta definitiva para essa questão. Nós não temos certeza.

Ainda assim, a evidência disponível aponta um caminho claro, o caminho do ajuste fiscal. Vejamos:

1. Usando dados de diversos países e técnicas estatísticas de ponta, o trabalho de Ilzetzki, Mendoza e Vegh, publicado em 2013, traz estimativas razoavelmente confiáveis para o efeito de gastos do governo sobre o produto. O trabalho tem sido extremamente bem citado e, ainda que não traga respostas certas e definitivas, é o que temos de melhor para nos informar sobre essa questão.

Qual o efeito dos gastos do governo sobre o produto? A resposta do artigo é: depende das circunstâncias e do país. Em casos de países em desenvolvimento com dívida superior a 60% do produto, mais gastos do governo levam a menor produto (principalmente no médio e no longo prazo).

Assim, no caso do Brasil de hoje, a melhor evidência disponível indica que cortar gastos públicos deve ajudar a aumentar o produto. O efeito sobre a confiança no equilíbrio das contas do governo é o mais importante.

2. A experiência brasileira recente corrobora essa evidência. Não podemos concluir muito usando apenas um país e poucos casos, sempre podemos apontar outros fatores que influenciaram os resultados, mas é confortante ver que nossa experiência casa com os resultados da pesquisa acadêmica.

Em 2003, o governo Lula prometeu ao FMI um superávit fiscal de 4,25% do produto, mais do que o FMI queria. A promessa foi cumprida, a desconfiança sobre o equilíbrio das contas públicas foi dissipada e o desempenho da economia brasileira nos anos seguintes foi bom. Por outro lado, a austeridade fiscal foi descartada a partir de 2010 e o desempenho da economia nos últimos anos foi pífio. Hoje, a dívida está em níveis bem altos e o investimento batendo recordes negativos.

3. Déficits fiscais empurram o problema para a frente: no futuro, teremos que tributar mais ou arrecadar menos. Portanto, a estratégia baseada em déficits só pode funcionar se o produto aumentar bastante (o que vai contra a evidência empírica disponível). Por outro lado, o ajuste fiscal segura o crescimento da dívida e, portanto, por si só, já ajuda a evitar uma crise maior. Assim, além de estar mais amparado nas evidências, o caminho do ajuste fiscal é o mais seguro.

Em entrevista à Folha no domingo dia 04/10, Marcio Pochmann sugere que quem defende o ajuste fiscal o vê como um fim em si mesmo, não está pensando no futuro. Nada mais falso.

Claro, ajustar as contas não é um plano de desenvolvimento para o país: é uma condição necessária para o bom funcionamento da economia. Tão importante quanto equilibrar as contas públicas é adotarmos uma agenda bastante diferente para construir o Brasil de amanhã.

O projeto desenvolvimentista defendido por Marcio Pochmann, centrado na “capacidade de o governo liderar os investimentos”, foi empregado nos últimos anos. O resultado foi muito ruim (e não foi culpa da crise internacional). Precisamos colocar na pauta a discussão sobre o Brasil no longo prazo. Mas essa é uma outra discussão.

Referências:

– O trabalho citado sobre política fiscal é “How big (small?) are fiscal multipliers?” de Ethan Ilzetzki, Enrique Mendoza e Carlos Vegh, publicado no Journal of Monetary Economics em 2013. Dada a agitação política em torno dessa questão, acrescento que os autores não são “ideólogos de direita”. Eu conheço bem Ethan Ilzetzki, ele tem posição forte a favor do Partido Democrata (contra o Partido Republicano) no debate político americano.

– Não há espaço aqui para explicar melhor o efeito dos gastos do governo e dos impostos no produto da economia. Uma explicação mais completa pode ser encontrada, por exemplo, em meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI“.

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Queremos impostos para entidades de direito privado? http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/26/queremos-impostos-para-entidades-de-direito-privado/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/26/queremos-impostos-para-entidades-de-direito-privado/#respond Sat, 26 Sep 2015 12:36:40 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=142 Como parte do plano de ajuste fiscal, o governo pretende repassar menos recursos ao Sistema S. Em matéria da Folha, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf declara guerra à medida.

O Sistema S reúne entidades como Senai, Sesi, Sesc, provedoras de serviços como escolas e eventos culturais. Essas entidades são financiadas com impostos (chamados de encargos sociais). As empresas pagam 1% do salário de seus funcionários ao Senai/Sesi, 1,5% do salário de seus funcionários ao Senac/Sesc, e assim vai.

Para uma empresa, esses encargos são impostos como quaisquer outros. Assim, como qualquer imposto sobre o salário, esses encargos têm o efeito de tornar mais caro o funcionário para uma empresa, reduzindo assim a demanda por trabalho das empresas e, consequentemente, o salário.

Para entender esse ponto, considere que uma empresa está disposta a contratar um funcionário se este custar até $20 mil por ano. Para a empresa, não faz muita diferença se esses $20 mil serão $15 mil de salário mais $5 mil de impostos ou $17 mil de salário mais $3 mil de impostos. Se os impostos forem menores, uma parte maior do que a empresa paga vai para o bolso do funcionário. Por causa da concorrência das empresas por trabalhadores, quanto mais as empresas estão dispostas a pagar, mais altos são os salários.

Todos os impostos têm esse efeito. Os encargos para o Sistema S não são diferentes.

A particularidade é que esses encargos sociais são direcionados às entidades ligadas a Federação das Indústrias e do Comércio, não aos governos de municípios, estados ou do país. Há outros impostos desse tipo, que nós pagamos, mas que não chegam aos cofres de governos. O imposto sindical, por exemplo, sai do bolso de quem trabalha para as contas dos sindicatos.

Queremos, como sociedade, pagar impostos a entidades de direito privado?

Na matéria da Folha, Paulo Skaf diz que a Federação das Indústrias não vai “permitir que o governo feche escolas ou deixe de dar oportunidade a milhões de alunos em escolas de qualidade na formação profissional, na prática de esporte e na cultura”.

Da mesma maneira, os presidentes dos sindicatos dos professores em greve bradam, de seus carros de som na avenida Paulista, que estão zelando pela educação das crianças (e, hoje em dia, acrescentam que estão lutando pelo abastecimento da água).

Federações de indústrias zelam pelo interesse das indústrias. Sindicatos de professores zelam pelos interesses dos professores. Todos nós temos o direito a boas intenções, mas poucos de nós conseguem que esse direito se traduza na prerrogativa de arrecadar impostos dos outros.

Entidades para defender o interesse de grupos fazem parte do jogo político, mas precisamos tratá-las como tais. Federações de indústrias e sindicatos de trabalhadores têm todo o direito de defender suas propostas. Mas não podem, de forma alguma, falar em nome das “crianças”, do “povo” ou do “Brasil”.

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O imposto que pagamos mas ninguém recebe http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/14/o-imposto-que-ninguem-recebe/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/14/o-imposto-que-ninguem-recebe/#respond Mon, 14 Sep 2015 09:00:52 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=38 payingtaxes

Por conta da necessidade de ajustar as contas públicas, muita atenção tem sido voltada à tributação e a possíveis alternativas para o governo arrecadar mais recursos. Esse post é sobre um aspecto importante do nosso sistema tributário que parece ter sido ignorado nos últimos anos.

A tabela ao lado mostra uma situação incomum: um ranking relacionado à economia com o Brasil na posição #177 (dentre 189 países) e na companhia de países muito pobres. Incomum porque o Brasil é um país de renda média, está por volta da posição #75 na classificação de países de acordo com a renda per capita.

Que ranking é esse? O Banco Mundial classifica os países de acordo com a facilidade de se fazer negócio, a partir de 10 subclassificações, tais como a facilidade para abrir empresas, conseguir crédito, importar e exportar. O resultado desse estudo é disponibilizado no site doingbusiness.org.

A tabela ao lado é a rabeira da lista dos 189 países de acordo com o quesito “pagar impostos” (paying taxes).

Note que os países nessa tabela não são os que mais arrecadam impostos. Os escandinavos pagam muito em impostos, mas estão todos no topo da lista (a Dinamarca é #12, Noruega é #15, Finlândia é #21 e Suécia é #35).

Esse ranking busca medir a dificuldade de pagar impostos para as empresas, o custo, o tempo gasto. Considera, por exemplo, que quando uma pequena empresa brasileira de serviços emite uma nota, ela paga IR, CSLL, PIS, COFINS e ISS e que cada um desses impostos tem suas próprias regras com relação a quanto deve ser retido na fonte por quem comprou o serviço, quando se recebe esse crédito, etc.

Entender as leis e suas modificações, prestar contas, pagar esses impostos, tudo isso impõe custos às empresas: gasta-se tempo e energia, é preciso contratar os serviços de um contador ou até contratar funcionários apenas para essas funções. Essas complicações são custosas e não geram benefício algum.

Sob o ponto de vista da sociedade, esses custos podem ser vistos como um outro imposto que as empresas precisam pagar, mas que ninguém recebe, não vai aos cofres do governo.

Claro, tamanha burocracia gera empregos para contadores e despachantes, mas isso não é uma coisa boa. Quebrar todos os tratores faria com que fossem necessárias muito mais pessoas trabalhando na agricultura para produzir uma mesma quantidade de alimentos — ou seja, geraria empregos — mas ninguém acha que isso é uma boa ideia.

Os contadores que passam seus dias na divertida tarefa de explicar a seus clientes as regras sobre o Cofins poderiam estar identificando oportunidades lucrativas de negócios. Ao invés de recomendar emitir notas fiscais no início do mês, eles poderiam estar recomendando o investimento em boas empresas.

Sob o ponto de vista da sociedade, um sistema que torna desnecessariamente custoso pagar impostos nos faz gastar recursos (o tempo e esforço de profissionais que poderiam estar se dedicando a atividades produtivas) com atividades que não aumentam a produção do país como um todo e, portanto, não aumentam a renda total dos brasileiros.

Muito tem se discutido sobre o ajuste fiscal e possíveis aumentos de impostos, mas a tributação engloba muitos outros aspectos além da quantidade de dinheiro que se pretende arrecadar. Um desses aspectos eu discuti em post recente sobre o “imposto da gasolina”: alguns impostos são mais nocivos que outros para a sociedade como um todo. Outro aspecto importante é o custo que a burocracia impõe às empresas que produzem e geram renda, um custo que pode ser visto como um imposto que nós pagamos, mas que não chega aos cofres de nenhum governo.

Referência:

– O site doingbusiness.org explica a metodologia para o ranking.

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A Cide é um bom imposto http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/09/a-cide-e-um-bom-imposto/ http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/2015/09/09/a-cide-e-um-bom-imposto/#respond Wed, 09 Sep 2015 20:30:20 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15246248.jpeg http://aeconomianoseculo21.blogfolha.uol.com.br/?p=61 É preciso ajustar as contas públicas. Para isso, há que se aumentar os impostos, ou cortar os gastos, ou fazer um pouco de cada. Eu estou dentre os que preferem o ajuste pelo corte de gastos, mas vamos deixar essa discussão de lado por ora. Se é preciso tributar mais, o que devemos tributar?

Um dos tributos que estão sendo considerados é a Cide, o chamado “imposto da gasolina”. O ponto deste post é que a Cide é um bom imposto. E a explicação começa pelo número de janelas nas casas na Inglaterra no século 18.

A figura abaixo mostra a distribuição do número de janelas por casa na Inglaterra nos idos de 1765. Cerca de 27% das casas inglesas tinha exatamente 7 janelas! (É a barrinha comprida da figura). Numerologia? Curiosamente, 15 anos antes, a proporção de casas com 7 janelas era apenas 3%, bem dentro do normal. Estranho, não?

windowtax

A explicação: havia na Inglaterra da época um imposto sobre o número de janelas de cada casa. Em 1765, eram isentas do imposto as casas com até 7 janelas. Casas com 8 janelas pagavam muito imposto. A figura mostra um número anormal de casas com 19 janelas e a explicação é a mesma: com 20 janelas, o imposto subia bastante.

Até 10 anos antes, eram isentas de impostos as casas com até 9 janelas, então havia muitas casas com 9 janelas, só 3% com 7 janelas.

OK, mas janelas não são móveis, como as pessoas mudavam o número de janelas das casas? Simples: cobriam-se as janelas com tijolos. Uau.

Esse tipo de comportamento não é, de forma alguma, particular aos ingleses de 250 anos atrás.

Impostos transferem recursos das pessoas ao governo, mas não fazem só isso. O imposto desestimula justamente aquilo que gera a base da arrecadação.

Um maior imposto sobre a renda torna a informalidade mais atraente ou incentiva as pessoas a receberem como pessoa jurídica (e aí, o imposto é efetivamente menor). Isso reduz a base onde incide o imposto. Contudo, nesse caso, a pessoa precisa arcar com os custos de abrir uma empresa, pagar um contador, etc. Tudo isso é muito parecido com cobrir a janela com tijolos. Assim como o imposto inglês do século 18 resultava em menos janelas nas casas, tributar mais o salário reduz a quantidade de pessoas trabalhando com carteira assinada.

Da mesma maneira, um maior imposto sobre a produção de bens ou serviços faz com que esses produtos fiquem mais caros ou que sua produção fique menos lucrativa para as empresas. Isso desestimula as trocas e a produção. A CPMF, por sua vez, reduz as transações financeiras.

Esses impostos reduzem os incentivos para produzir e transacionar e criam incentivos para gastos que não geram benefício algum, não porque assim queremos, mas porque os impostos tem esse efeito na economia.

Por outro lado, nós de fato queremos que haja menos carros nas ruas. Na cidade de São Paulo, há até um rodízio que proíbe a circulação de automóveis em determinados dias. Isso significa que os impostos que cobramos sobre a compra, posse e circulação de automóveis não são suficientes para que tenhamos, em São Paulo, desestímulos suficientes para atingirmos o número de carros desejados nas ruas. A poluição urbana e o trânsito também são preocupações importantes dos habitantes de outras grandes cidades.

Um imposto sobre a gasolina desestimularia ações que de fato queremos desencorajar.

Impostos transferem recursos das pessoas ao governo, mas fazem mais que isso. Para um dada quantidade que se pretende arrecadar, é melhor desestimular o uso de gasolina porque de fato queremos tirar carros das ruas ao invés de desestimular o trabalho ou as transações entre pessoas e empresas. Se é preciso aumentar impostos, a Cide é uma boa opção.

Referências:

– Os dados e o gráfico com o número de janelas foram extraídos do artigo “The Window Tax: A Case Study in Excess Burden” de Wallace Oates e Robert Schwab, publicado no Journal of Economic Perspectives 29, 163-180 (2005). Esse é um periódico acadêmico com artigos em uma linguagem bem mais acessível que o normal (mas menos acessível que um artigo de jornal).

– Alguns trechos do post foram adaptados do meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”.

– O imposto das janelas aparece em vários livros de economia. Essas e outras “casas esquisitas” são discutidas no meu livro “Economia sem Truques”, escrito com Carlos Eduardo Gonçalves.

*Detalhes:

– O imposto de renda é efetivamente menor se o funcionário abre uma empresa e emite nota fiscal para a empresa para a qual trabalha porque o “lucro presumido” da empresa (a base da arrecadação) é apenas uma proporção do que a empresa fatura (em muitos casos, 32%). Então se a alíquota do imposto de renda é 25%, o imposto é efetivamente 32% x 25% = 8% (mas há outros impostos).

– Tecnicamente, a Cide é uma contribuição, não um imposto, mas isso não faz diferença para o argumento.

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