Quanto a eleição de Dilma custou à Petrobras?

Por Bernardo Guimarães

De acordo com matéria da Folha, em mais um evento “em defesa da Petrobras“, Lula disse que a gestão Temer quer promover privatizações, incluindo a venda de ativos da Petrobrás, porque não sabe governar.

De acordo com esse argumento, a Petrobrás seria mais valiosa nas mãos do governo do PT, que saberia tornar a Petrobrás “a maior empresa de petróleo do mundo”.

Será que isso é verdade?

Sabemos que o valor de mercado da Petrobrás despencou durante o governo Dilma, mas não podemos inferir causalidade a partir daí. Outras coisas podem ter acontecido nesse período e afetado o valor da empresa.

Como separar o efeito de quem está no governo de todos os outros fatores que afetam o valor da Petrobrás?

Augusto Carvalho e eu estimamos qual teria sido o valor da Petrobrás se a presidente Dilma Rousseff tivesse perdido o segundo turno da eleição de 2014.

Antes de mostrar o resultado, vou passar uma ideia sobre como a gente estimou.

Quando o Barcelona joga contra o La Coruña, quem aposta numa vitória do Barcelona recebe, digamos, $1 para cada $4 que apostou se o Barcelona ganha. Quem aposta que o Barcelona não vence recebe $4 para cada $1 que apostou se acertar.

O preço reflete as expectativas das pessoas. Se $1 apostado no Barcelona rendesse mais $1 em caso de vitória do time, todo mundo ia querer apostar no Barcelona. O preço vigente é o que iguala a quantidade de dinheiro apostado contra o Barcelona e a quantidade de dinheiro apostado a favor.

O interessante é que alguém que não sabe nada sobre futebol pode concluir que o Barcelona é o grande favorito para vencer a partida apenas olhando o preço das casas de apostas.

O mesmo acontece com outros preços de ativos financeiros. Ao olhar o preço, podemos inferir o valor que as pessoas dão àquele ativo, e isso nos traz informação sobre suas expectativas.

Na bolsa de valores, além das ações da Petrobrás, são transacionadas opções. Funciona assim: quem compra a opção paga, digamos, R$ 1 pela opção de comprar uma ação da Petrobrás a R$ 10 daqui a um mês. O preço dessa opção (R$ 1) mostra a expectativa que as pessoas tem sobre as chances da ação da Petrobrás custar mais de R$ 10 em um mês.

Usando os preços das opções que dão direito a comprar ação da Petrobrás aos mais diversos preços, a gente tem uma boa ideia sobre as expectativas das pessoas sobre as chances da ação da Petrobrás custar mais de R$ 15, mais de R$ 16, mais de R$ 17, etc.

Nosso método de estimação vê como essa expectativa variou na época da eleição.

Existem modelos matemáticos utilizados no mercado financeiro para tentar mapear as características de uma ação hoje (como o preço e quanto ele varia, em média, por dia) às chances das ações custarem mais que um certo valor. Esses modelos podem ser usados para calcular o preço das opções (Robert Merton e Myron Scholes ganharam o Prêmio Nobel em 1997 por suas contribuições nessa área).

Augusto Carvalho e eu pegamos alguns modelos usados com frequência para entender preços de opções e os modificamos para que eles considerassem dois cenários. Em um dos cenários, o preço seria mais alto (chamemos de “cenário alto”).

Com esse modelo em mãos, a gente estimou a probabilidade diária de cada cenário e a diferença de preço entre o “cenário baixo” e o “cenário alto” (que poderia ser nula, os dados nos diriam).

A probabilidade do cenário baixo foi essa:

probreeleicao

A partir do dia 27/10, a segunda feira após a eleição, a probabilidade do “cenário baixo” é praticamente 100%. Isso é interessante porque nós não falamos para o modelo que haveria uma eleição no dia 27/10. Só dissemos que havia dois cenários e pedimos para que ele estimasse as probabilidades de acordo com os preços das opções. O modelo encontrou esse resultado sozinho.

Podemos então inferir que o cenário baixo era a reeleição da Presidente Dilma Rousseff.

A probabilidade de reeleição fica oscilando entre 40% e 60% nas duas primeiras semanas. Na 3a feira dia 21/10, quando as pesquisas começam a mostrar Dilma em vantagem, essa probabilidade vai a 70% e ultrapassa os 85% na 5a feira dia 23/10, quando as pesquisas indicavam a maior margem em favor da reeleição.

A pergunta mais interessante é sobre a diferença de valor da Petrobrás nos dois cenários.

O resultado é que no cenário alto, identificado com a vitória de Aécio Neves, as ações da Petrobrás teriam passado a valer entre 62% a mais.

Essa é a estimativa mais conservadora do trabalho.

O valor da Petrobrás é a soma do valor de todas as suas ações. Podemos então perguntar qual seria o efeito da derrota de Dilma Rousseff no valor da Petrobras.

Na época, essa diferença significaria algo como R$ 113 bilhões.

Em valores da época, isso era mais ou menos o valor de mercado do Bradesco. Ou uns 4 anos de Bolsa Família.

Nosso trabalho não tem nada a dizer sobre os motivos dessa diferença. Possíveis culpados incluem a Lei do Conteúdo Nacional, política desenvolvimentista que passou a obrigar a Petrobrás a comprar equipamentos com componentes nacionais, mais caros ou piores que os importados; a política de segurar os preços da gasolina; e investimentos politicamente motivados que deram retorno ruim.

De qualquer modo, é bizarro que partidários da presidente afastada a defendam em eventos “em defesa da Petrobrás”, empresa que valeria muito mais sem ela no governo.

Referências:

– O trabalho citado no post é este aqui (State-controlled companies and political risk: Evidence from the 2014 Brazilian election, de Augusto Carvalho e Bernardo Guimarães).

– Às vésperas da eleição de 2014, a Petrobras era o principal componente do chamado “kit eleições” (ver, por exemplo, esta reportagem da Folha).