Por conta dos jogos olímpicos, muito tem sido falado a respeito da discrepância entre a renda dos jogadores de futebol e a das jogadoras de futebol.
A primeira parte para a explicação sobre essa discrepância de renda é óbvia.
Em maio de 2016, o Flamengo se sagrou campeão brasileiro de futebol. Feminino. O primeiro jogo da final, contra o Rio Preto, foi em casa. A entrada era gratuita, mas o público no estádio era muito pequeno.
Claro deve estar, há muito menos demanda (de homens e de mulheres) por jogos de futebol feminino que por jogos de futebol masculino. Essa menor demanda se traduz em menos renda de ingressos e da televisão, menos venda de camisetas, menos dinheiro de patrocinadores.
De modo geral, a renda dos atletas depende muito dessa demanda de torcedores. Isso vale não só para o futebol mas também para o tênis, vôlei, basquete e todos os outros esportes que podem sobreviver sem financiamento estatal.
A questão interessante, portanto, não é sobre o mercado de trabalho, mas sobre a demanda dos torcedores. Por que há mais demanda por futebol masculino que por futebol feminino, ou por campeonatos de judô e arco e flecha?
Há dois tipos de explicação:
1. Os esportes são mais demandados por serem mais interessantes. A grande maioria das pessoas, dentre as opções (a) assistir futebol, (b) assistir o campeonato de arco e flecha e (c) fazer outra coisa, escolhe (a) ou (c) porque assistir e torcer no futebol é muito mais divertido que no arco e flecha.
Simples, e deve explicar boa parte da diferença na demanda pelos diferentes esportes. Mas não explica tudo.
2. Os esportes mais demandados hoje são os que eram mais demandados ontem. Se muitas pessoas estão acostumadas a torcer por seus times de futebol masculino, isso gera uma demanda grande por futebol masculino hoje que persiste por muito tempo.
Parte importante da explicação por essa persistência nos gostos é que torcer é uma parte fundamental do prazer que as pessoas têm ao acompanhar competições esportivas. Muito menos gente assistiria a luta da judoca de quimono azul contra a de quimono branco se uma delas não tivesse BRA escrito nas costas e isso não fosse parte de uma grande competição, a Olimpíada.
A paixão por um time (ou pela equipe de um país) não se desenvolve do dia para a noite. Muito pouca gente vai deixar de torcer pelo Corinthians e passar a torcer para a Portuguesa porque esta está com um time melhor em um determinado ano.
Da mesma maneira, é difícil trocar a paixão pelo time de futebol do Corinthians pela paixão por um time de voleibol, futebol feminino ou por um astro do judô, do tênis ou do arco e flecha. Esse é o “efeito torcida”.
Como muita gente segue o campeonato de futebol e torce para algum time, a TV e os jornais dão mais destaque ao futebol masculino, os amigos falam mais de futebol que de outros esportes. Com tanto dinheiro envolvido, o futebol acaba atraindo uma grande quantidade de ótimos atletas que treinam todo dia, em ótimas condições. Tudo isso estimula ainda mais o gosto por esse esporte.
Esse é o “efeito coordenação”: se o basquete fosse o esporte mais popular no país e recebesse mais atenção da televisão e dos nossos amigos, cada um de nós teria mais estímulos para acompanhar o campeonato de basquete.
Por causa do efeito torcida e do efeito coordenação, o consumo por competições esportivas é muito diferente do consumo de outros bens. Você pode gostar do telefone Motorola, mas é relativamente fácil trocá-lo por um Samsung se o modelo novo deste lhe parecer melhor.
Sabendo disso, times de futebol investem em novos mercados, onde a paixão pelo futebol ainda não existe, para ampliar sua clientela. É mais fácil para o Manchester United conseguir novos torcedores na Ásia que na Inglaterra, onde quase todo mundo já tem um time.
É por isso, aliás, que sempre há jogos do campeonato inglês de futebol ao meio dia do horário local. Interessa aos times ingleses mostrar jogos ao vivo na Ásia às 9 da noite. E, de fato, na Ásia, o campeonato inglês é muito popular.
Em suma, há grande persistência na demanda por esportes por causa do efeito torcida e do efeito coordenação.
Isso não significa que nada mude. O voleibol é muito mais popular hoje no Brasil do que nos anos 1970. O fenômeno Guga aumentou a demanda pelo tênis. Mas significa que as mudanças demoram.
Então, o que gera a demanda por cada esporte?
É razoável afirmar que o futebol é o esporte mais popular no mundo pelo primeiro motivo: para a maioria, é muito divertido assistir (e jogar). Judô e arco e flecha são, para a maioria, menos divertidos.
O sumô é muito popular no Japão. Os ingleses gostam de cricket. Meu chute é que a persistência (o segundo motivo) explica parte significativa da popularidade desses esportes. Se isso for verdade, com o tempo, bem aos poucos, a demanda por esses esportes cairá.
O futebol feminino deve ficar mais popular com o tempo. Quão mais popular, eu não sei, mas de qualquer modo, esse processo vai demorar.
Assim, em 2020, assistiremos novamente ao campeonato olímpico de futebol feminino e, mais uma vez, leremos sobre a discrepância na renda dos diferentes atletas.
A olimpíada gera um efeito torcida pelo Brasil e um efeito coordenação que direciona nossa atenção aos mais variados esportes olímpicos. Só que isso dura 15 dias. O futebol masculino tem esses dois efeitos a seu favor o tempo todo.