Escrevi sobre conteúdo político na sala de aula, com referência à proposta de “Escola sem Partido” neste post. Bastante gente escreveu que a proposta busca exatamente implementar o que eu defendo. Vou esclarecer o ponto.
O quarto dever dos seis deveres do professor da proposta é que “ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa — isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito”.
Os meus cursos de economia não obedecem esse dever.
E eu não pretendo mudar. Até porque eu não conseguiria.
Claro que na aula sobre o BNDES, eu explico quais seriam as externalidades que justificariam as ações do banco; quando eu falo de programas de transferência como o Bolsa Família, eu explico quais seriam as objeções; quando eu falo sobre a proposta de Passe Livre, eu explico o que poderia justificar a proposta.
Mas minha visão transparece. A meu ver, porque a teoria econômica e a evidência empírica existente não dão qualquer suporte às ações do BNDES de Luciano Coutinho, justificam o programa Bolsa Família, e vão contra a proposta de Passe Livre.
Só que quem for favorável ao BNDES e à proposta de Passe Livre ou contra o Bolsa Família pode argumentar que eu não apresentei a perspectiva concorrente de forma justa. Afinal, há mais perspectivas sobre um tema qualquer do que cabe em um curso.
Em muitas questões, eu consigo passar uma visão mais agnóstica.
Mas em outras, eu sou até mais taxativo. O Brasil não gasta 40% do que arrecada para pagar juros da dívida. Esse número não considera a inflação. Sem considerar a inflação, o PIB do Brasil com José Sarney na presidência cresceu mais que o dos Estados Unidos em um século, mas isso, assim como os tais 40% da dívida gastos com juros, não significa nada.
Eu não sei apresentar a perspectiva contrária de forma justa.
Portanto, a única maneira do meu curso obedecer o quarto dever seria não tocar em questões políticas.
Eu não estou satisfeito com o conteúdo de um grande número de livros de história e com a prova do Enem. Há um problema.
Mas eu acho que esse quarto dever só é possível de ser cumprido se o curso tiver muito pouco ou nenhum conteúdo político. E aí, segue o argumento do outro post: conteúdo político é inevitável em um curso interessante.