Eram os anos 1960. Antonio, estudante brasileiro do ensino médio, fazia intercâmbio nos Estados Unidos e se matriculara no curso “Problemas modernos”. O curso combinava política, sociologia e economia. Era o auge da Guerra Fria, mas uma das primeiras leituras era o “Manifesto Comunista”, de Marx e Engels.
O curso, porém, não continuava nessa mesma toada. A outras leituras sobre política seguiam-se estudos de casos sobre questões empresariais e capítulos do livro de introdução à economia de Paul Samuelson, na época a principal referência para iniciantes no estudo da ciência econômica.
O exemplo desse curso contrasta com as ideias na qual se baseia o movimento Escola sem Partido. A proposta pretende que o professor não promova suas próprias opiniões políticas ou partidárias, com o objetivo de evitar a doutrinação e a lavagem cerebral.
A ideia por trás da proposta é que seria legal evitar que as aulas tivessem conteúdo político. Eu não concordo com essa ideia por dois motivos.
(Atualização: bastante gente escreveu que a proposta busca implementar justamente o que eu defendo. Eu não me expressei bem. Explico o ponto neste post.)
O primeiro é que essa ideia me parece impossível de ser implementada. Eu não saberia dar um curso de economia sem implicações para o debate político.
Eu já acho impossível dar um curso de matemática financeira ou de contabilidade nacional sem contradizer, por exemplo, o programa do PSOL à Presidência do Brasil na eleição passada. O programa via “indícios de ilegalidades” na cobrança de juros compostos e afirmava que o governo federal gastava mais de 40% de seus recursos para pagar sua dívida. Se eu não posso explicar que essas afirmações estão incorretas, eu não posso dar um curso interessante.
Se já há problemas no curso de matemática e contabilidade, em economia e ciências sociais é impossível dar um curso sem conteúdo político.
O segundo motivo, o mais importante, é que o melhor remédio contra a doutrinação e a lavagem cerebral não é evitar que o aluno seja exposto a um discurso político: é expor o aluno a visões diferentes.
Uma quantidade razoável de pessoas no mundo acredita que o mundo foi criado há 6.000 anos. O problema não é aprender essa teoria. É não aprender a teoria alternativa e não ser exposto às evidências empíricas sobre a questão.
Da mesma maneira, não há nenhum problema em ler o “Manifesto Comunista”, é até legal (eu li uma versão em quadrinhos). O problema é não ser exposto a outras visões sobre a economia.
Ao ser exposto a múltiplas visões, o aluno aprende a duvidar da próxima e a buscar maneiras de decidir se uma teoria faz sentido — em particular, aprende a procurar dados e evidências.
Isso é mais importante do que aprender a visão considerada “certa” hoje — seja lá qual for essa visão. E, para o estudante, é muito estimulante.
Foi assim com Antonio, o intercambista. Ele planejava prestar o vestibular para engenharia, mas, em razão do curso sobre “Problemas modernos”, decidiu cursar economia. Cerca de 15 anos depois, Antonio Sanvicente terminaria o doutorado em Stanford e se tornaria, até onde eu sei, o primeiro brasileiro a publicar um artigo no periódico acadêmico de maior prestígio na área de finanças, o “Journal of Finance”.
Atualização: A primeira publicação de um brasileiro no Journal of Finance não foi de Antonio Sanvicente. O Professor Ney Brito, que também fez doutorado em Stanford, publicou antes dele (a informação me foi passada pelo próprio Antonio Sanvicente).