Os dois trechos abaixo foram retirados de textos escritos na mesma época, respondendo críticas que se faziam ao BNDES.
1. “As entidades signatárias deste documento se vêem na obrigação de vir a público para se posicionarem firmemente em relação aos ataques sofridos pelo BNDES, que ganharam vulto nas últimas semanas. Os responsáveis por esses ataques são os que sempre defenderam as idéias do pensamento econômico que prevaleceu nas últimas décadas, que levou o mundo à maior crise econômica dos últimos oitenta anos.
Acusar o BNDES de ser um dos responsáveis pelos juros estratosféricos praticados no Brasil (…) é dar outras versões aos fatos e fazer pouco da inteligência alheia.”
2. “Esta (crítica/acusação) de que os juros são altos por causa do BNDES, dos créditos e financiamentos concedidos por ele com juros inferiores aos da banca privada é a última e era o que faltava! A teoria é furada, é uma desculpa esfarrapada.”
As entidades signatárias do primeiro manifesto são associações de indústrias, “responsáveis pelo faturamento superior à R$ 672.000.000.000,00 (seiscentos e setenta e dois bilhões de reais) [o equivalente a cerca de 1 trilhão de reais hoje] e pela geração de mais de 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil) empregos diretos” (veja a íntegra desse manifesto aqui).
O segundo texto eu tirei do Blog do Zé Dirceu, está aqui. Você encontra muitas outras defesas ao BNDES nesse e em outros blog identificados com a esquerda política.
Já expliquei nesse blog que, ao contrário do que dizem esses textos, a expansão do crédito pelo BNDES leva a um aumento da taxa Selic (aqui e aqui). O ponto deste post é outro.
Um discurso de esquerda coloca a esquerda como grande adversária das grandes indústrias, dizendo que só um espantalho da esquerda se alinharia à FIESP.
Isso não é verdade.
O primeiro mandato de Dilma Rousseff se caracterizou por políticas que visavam proteger a indústria nacional da concorrência estrangeira, como a Lei do Conteúdo Nacional e os vultosos empréstimos do BNDES para grandes empresas brasileiras.
Essa visão sobre a política industrial é uma das principais características da esquerda brasileira quando o assunto é a Economia, sendo defendida por partidos como o PSOL e o PCdoB em seus manifestos e pelos economistas que apoiavam e apoiam Dilma Rousseff.
Eu não deveria ter que escrever que eram os economistas desenvolvimentistas de esquerda e os apoiadores de Dilma Rousseff que defendiam o BNDES durante a campanha eleitoral. Arminio Fraga foi duramente criticado quando falou que o papel dos bancos públicos precisava ser revisto. Marina Silva também foi atacada pela esquerda quando criticou a política industrial do governo Dilma — e acabou amenizando suas críticas.
Eu também não deveria ter que escrever que os donos das indústrias brasileiras vão, em geral, gostar de proteção contra a concorrência externa e de empréstimos a juros inferiores aos de mercado.
Nesse importante exemplo, a esquerda e associações de indústrias (como a FIESP) estavam (e estão) do mesmo lado do debate. Economistas como eu se colocam do outro lado.
Isso não é óbvio?
(Claro, nem todas as associações de indústrias nem todos os economistas desenvolvimentistas defendiam o BNDES).
Não há nada intrinsecamente errado em defender uma política pública que agrada alguma associação de empresários (ou de trabalhadores). Estar do mesmo lado que a FIESP ou a CUT em uma discussão não torna um argumento certo ou errado. Nem faz de alguém cruel ou bonzinho.
A defesa de um conjunto de políticas públicas é baseada em um modelo sobre como o mundo e a economia funcionam. É esse modelo de mundo que caracteriza qualquer linha política.
Em um modelo de mundo onde precisamos proteger nossa indústria do ataque do capital internacional, a esquerda está contra os estrangeiros. Em muitos casos, isso deixa a esquerda alinhada com a FIESP. Por estar sempre ao lado dos trabalhadores na arquetípica luta entre poderosos e trabalhadores, a esquerda se vê sempre em oposição à FIESP.
Aparentemente, parte substancial da esquerda parece não se incomodar com essa contradição.
O problema de fundo é a confusão entre o debate sobre políticas que seriam boas para o país como um todo e a discussão sobre políticas distributivas (eu discuto mais isso aqui e aqui).
Apesar do estrago feito no país pelo governo de Dilma Rousseff, a esquerda política, de modo geral, continua se enxergando no papel de protetora dos oprimidos, como se os que se opõem à esquerda (como eu) se preocupassem menos com os mais pobres. Não!
Na discussão sobre políticas públicas, temos que partir do pressuposto que todos nós temos boas intenções, que todos queremos o desenvolvimento do país e a melhoria de vida dos mais pobres, para focar nos argumentos. Se não é assim, o debate é inútil.
Detalhe:
– Sempre que eu falo que as operações do BNDES aumentam juros, algumas pessoas comentam que isso não é verdade em uma economia aberta. Errado! Isso de fato não é verdade em uma economia aberta com perfeita mobilidade de capitais (sem riscos de calote, sem imperfeições no mercado de crédito, etc). Mas (1) esse mundo não é o mundo em que vivemos e (2) nesse mundo não seria necessário um BNDES.