A máquina de escrever desenvolvida por Christopher Sholes em 1867 não era boa o suficiente para ser comercializada. Um problema particularmente sério é que as barrinhas das letras se enroscavam com frequência, como na foto abaixo. Isso fazia com que uma letra fosse impressa repetidas vezes e inutilizava aquela folha.
Levou 6 anos até que a máquina finalmente ficasse pronta para ser comercializada. Parte do sucesso se deveu à configuração do teclado: as posições das letras reduziam as chances das barrinhas se enroscarem.
Para que vendedores pudessem impressionar seus clientes digitando rapidamente “Type Writer”, as letras que compõem essa palavra foram todas colocadas na fila de cima do teclado. Nascia assim a máquina de escrever da Remington and Sons de 1873.
Hoje, o teclado do seu telefone, computador ou tablet tem a configuração dessa máquina de escrever de 143 anos atrás. Desapareceram as barrinhas com letrinhas e os vendedores digitando “Type Writer” – as razões para essa organização do teclado – mas as primeiras letras do seu teclado continuam sendo QWERTY.
O teclado desenvolvido e patenteado por August Dvorak décadas depois, em 1932, era considerado melhor: a configuração das letras o fazia mais apropriado para se digitar textos em alta velocidade em língua inglesa. Talvez para quem hoje cate milho no teclado do celular essa questão seja irrelevante, mas não o era quando a velocidade da datilografia era um dos principais desafios de muitos profissionais.
Apesar disso, o teclado de Dvorak nunca pegou. As pessoas estavam acostumadas ao teclado QWERTY, então as empresas preferiam continuar produzindo máquinas de escrever com esse teclado. Da mesma maneira, as máquinas de escrever tinham teclado QWERTY, então as pessoas preferiam aprender a datilografar nesse teclado.
Por trás dessas escolhas de empresas e pessoas, há as expectativas do que elas esperavam que aconteceria no futuro. Uma empresa que acreditasse que a maior parte das pessoas, num futuro próximo, preferiria um teclado diferente ajustaria seus planos de produção para satisfazer essa demanda.
As expectativas, contudo, não surgem do nada. Uma das coisas que influencia essas expectativas é a situação atual. Se hoje todo mundo usa QWERTY, mesmo que alguns comecem logo a migrar para outro padrão, ainda haverá bastante gente preferindo QWERTY em um futuro próximo. Assim, para uma empresa, não vale a pena começar a migração para outro padrão. Antecipando isso, as pessoas e empresas consideram que é improvável que os outros acabem migrando e a gente fica no QWERTY — como de fato tem ficado há mais de um século.
___
O noticiário econômico tem falado sobre algum aumento, ainda discreto, da confiança do consumidor e do otimismo com a economia. Isso importa porque as flutuações econômicas têm um elemento QWERTY.
Uma empresa ao decidir se vai investir ou não em um novo projeto (novas lojas, um novo produto, uma expansão da capacidade de produção…) leva em conta uma série de fatores. Um desses fatores é a expectativa com relação à demanda por seus produtos num futuro próximo.
Essa demanda no futuro depende de quão aquecida estará a economia: se as outras empresas estiverem investindo bastante, muita gente estará trabalhando e deve haver bastante demanda.
Portanto, as decisões de investimento hoje dependem do que se espera das decisões de investimento das outras empresas nos próximos meses. Assim como a expectativa de que as pessoas e empresas preferirão QWERTY amanhã faz com que QWERTY predomine hoje, a expectativa de pouco investimento e demanda amanhã desestimula o investimento hoje.
Nos últimos tempos, a economia vai muito mal e as empresas não estão se aventurando em novos projetos. Como no caso QWERTY, a baixa atividade econômica hoje alimenta a expectativa de baixa demanda no futuro próximo: as empresas são relutantes em começar a investir antes da economia dar sinais de melhora, mas isso faz com que a economia não dê sinais de melhora.
O princípio de otimismo detectado em alguns indicadores pode contribuir para a retomada da economia. Com expectativas melhores para o futuro, as empresas tem mais incentivos para investir hoje.
Apesar de observarmos uma melhoria nas expectativas, ainda estamos bem longe de um cenário otimista. Não é claro quão importante é o efeito disso sobre os planos atuais de investimento. Mas uma melhoria consistente na expectativa sobre a economia do país no futuro próximo ajudaria a tirar o Brasil da crise atual.
Referências:
– A história do QWERTY eu tirei de “Clio and the Economics of QWERTY” (1985) de Paul David, American Economic Review Papers and Proceedings 75, 332-337. O fato do QWERTY não ser o melhor teclado em termos de sua qualidade intrínseca não significa que a mudança para um outro padrão valha a pena porque a transição seria custosa para todos (há um tratamento teórico do assunto em “QWERTY is efficient” (2016) de Bernardo Guimaraes and Ana Elisa Pereira, Journal of Economic Theory 163, 819-825).