Quem é mais afetado pela obrigatoriedade de votar no Brasil?
Trabalhos de cientistas políticos mostram que, em geral, quando o voto não é obrigatório, os mais pobres tendem a aparecer menos para votar. Conclui-se daí que a obrigatoriedade do voto aumenta principalmente a participação dos mais pobres nas eleições.
No Brasil, será que é assim mesmo?
O voto não é obrigatório para todos: quem tem entre 16 e 18 anos ou mais de 70 anos pode votar, mas não precisa. Poderíamos, então, comparar a taxa de abstenção das pessoas nessas faixas etárias com a taxa de abstenção das pessoas que são obrigadas a votar, e ver se a variação é maior dentro do grupo dos mais pobres ou dos mais ricos.
O problema, porém, é que o grupo de pessoas com mais de 70 anos vai ser diferente, em muitos aspectos, do grupo de pessoas com 45 anos. Assim, as diferenças nas taxas de comparecimento dessas populações poderiam se dever a uma série de fatores — e não apenas à obrigatoriedade do voto.
Note, porém, que o grupo de pessoas que nasceu no dia 6 de outubro de 1942 (ou logo antes) é, em média, muito parecido com o grupo de pessoas que nasceu no dia 8 de outubro de 1942 (ou logo depois). Não há porque esperar diferenças significativas por conta de 2 dias a mais de vida.
Contudo, quem nasceu dia 6 de outubro de 1942 não precisava votar na eleição de 2012; quem nasceu no dia 8 de outubro de 1942 precisava. Informalmente, poderíamos então comparar as taxas de abstenção nessa eleição de pessoas nesses dois grupos com diferentes graus de renda, escolaridade, etc.
Essa é a ideia por trás de trabalho recente de Gabriel Cepaluni e Daniel Hidalgo. Usando técnicas estatísticas apropriadas, eles comparam de maneira formal as taxas de abstenção de pessoas que tinham o dever de comparecer às urnas com outras que não precisariam votar. Isso nos permite entender como a obrigatoriedade afeta a participação de diferentes grupos nas eleições.
Como seria de se esperar, a taxa de abstenção é maior dentre aqueles que não precisam votar. Mas a pergunta interessante é sobre qual grupo esse efeito é mais forte: para quem a obrigatoriedade do voto faz mais diferença?
Cepaluni e Hidalgo mostram que a obrigatoriedade tem um efeito significativamente maior sobre as pessoas com mais escolaridade e mais renda — ao contrário do que normalmente concluem outros estudos pelo mundo.
O resultado parece surpreendente à primeira vista, mas faz sentido quando pensamos nas punições para quem não vota: multa de uns 3 reais, mais a proibição de participar de concursos públicos, tirar passaporte, estudar em universidades públicas, tomar empréstimos de bancos estatais, etc.
Para os mais pobres, a punição relevante é só a multa. Quem não quer votar, pode ficar em situação irregular por um bom tempo e pagar as multas acumuladas depois de algumas eleições.
Para quem tem mais renda e mais escolaridade, o valor da multa é praticamente irrelevante, mas as outras punições não são. Quem não se importa com a eleição pode mesmo assim preferir votar, pois sabe que logo poderá precisar estar em situação regular com a justiça eleitoral.
Esse trabalho ilustra bem um ramo da pesquisa em ciências sociais (especialmente economia e ciência política) que vem crescendo muito.
É relativamente fácil ver nos dados a associação entre duas coisas (como a taxa de homicídios e o consumo de vinho), mas é difícil identificar uma relação de causalidade. Em ciências sociais, não podemos realizar experimentos (por exemplo, não podemos sortear um grupo de pessoas e mexer na lei para que o voto seja facultativo para elas).
Pesquisadores buscam então encontrar maneiras de encontrar “experimentos” propiciados por leis, por fenômenos naturais, etc. No caso, dada a hipótese (bastante razoável) de que as pessoas nascidas logo antes e logo depois das eleições são muito parecidas, é como se a lei sorteasse dentro de um grupo aqueles que precisam votar.
Com frequência, o resultado é diferente do que a gente espera. E assim, vamos aprendendo a questionar o que achamos que sabemos.
Referência:
– O artigo citado no post é “Compulsory Voting Can Increase Political Inequality: Evidence from Brazil” de Gabriel Cepaluni e F. Daniel Hidalgo, Political Analysis (2016) 24:273–280.