Teorias conspiratórias

Por Bernardo Guimarães

Sherlock Holmes, o dos seriados e filmes modernos, é um idiota.

A partir de uns poucos objetos encontrados no local do crime e alguns detalhes sobre os envolvidos, ele monta uma história, coerente com as pistas, que aponta para a solução do mistério.

Em poucos segundos, um isqueiro com a marca de um time de futebol, um lenço que só pode ter sido fabricado na Tunísia e uma chave de fenda com a ponta quebrada passam a fazer parte de uma história mirabolante que explica o que aconteceu.

Sherlock Holmes tem certeza que sua história está correta.

Quem quisesse pausar o filme no momento em que ele explica sua história poderia construir dezenas de outras histórias que seriam consistentes com as pistas. Algumas delas, aliás, não seriam usadas em muitas histórias (o isqueiro com o escudo do time de futebol estaria ali por acaso).

Portanto, uma pessoa inteligente não saberia o que aconteceu. Entenderia que várias dessas hipóteses poderiam ser verdadeiras, e que outras tantas seriam falsas.

Daniel Kahneman é um psicólogo que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002, por suas contribuições ao estudo de como tomamos decisões e dos erros que cometemos de modo sistemático.

Um dos principais erros de avaliação ressaltados por Daniel Kahneman em seu livro para o público geral Rápido e Devagar é uma espécie de síndrome de Sherlock Holmes. O problema não é a ignorância: é o excesso de certeza.

Kahneman explica que seres humanos evoluíram juntando elementos e construindo histórias. Somos relativamente bons nisso.

Não teríamos conseguido sobreviver se a cada momento tivéssemos que pensar sobre todas as possibilidades antes de tomar uma decisão. Em muitas situações, é (e, evolucionariamente, foi) importante agir rapidamente.

Contudo, não somos naturalmente bons em lidar com a incerteza, em atribuir probabilidades a diferentes hipóteses e aceitar a nossa ignorância. Precisamos de treinamento para encarar o mundo com uma mente mais científica.

Nosso primeiro impulso ao nos depararmos com três ou quatro fatos é construir uma história coerente com a observação. Como explica Kahneman, em muitos casos, é ótimo agir assim.

Só que daí nasce uma série de histórias e teorias falsas. Três ou quatro fatos aqui e ali são transformados em uma história que é tomada como verdade por muita gente. As inúmeras histórias alternativas que também seriam consistentes com esses fatos são ignoradas.

Teorias conspiratórias são exemplos típicos dessa síndrome de Sherlock Holmes. Vemos exemplos disso todos os dias.

Antes de uma das manifestações pelo impeachment, eu escrevi um post sobre quantas pessoas cabem na Avenida Paulista. Sob hipóteses razoáveis, a Avenida Paulista não comporta um milhão de pessoas em um dado momento.

Nós, pessoas, não temos noção do que é um milhão de pessoas, não conseguimos visualizar isso. Não deveríamos saber quantas pessoas cabem na avenida. Por outro lado, a conta que fiz é extremamente simples (é uma regra de três) e encontrar os dados na internet para verificar as fontes também seria fácil.

Ainda assim, muitas reações focavam em supostas intenções escusas do post. Eis um exemplo:

rogertwitter

Nem deveria ser difícil perceber que eu não sou “A Folha”.

Na maior parte das vezes, são os petistas que me enxergam em conspirações. Esse aqui, por exemplo, questiona meus interesses ocultos para legitimar o governo Temer:

conspiracytwitter

Isso tudo por causa de um post argumentando que na nossa forma avacalhada de democracia, o discurso de campanha tem muito pouco a ver com as ações dos presidentes eleitos (pelo menos em questões econômicas). Se Lula tinha legitimidade para colocar Henrique Meirelles no Banco Central em 2003, Temer também tem legitimidade para colocá-lo no Ministério da Fazenda em 2016.

Esses exemplos ilustram o ponto mais geral: o problema não é a dificuldade de entender a economia e o jogo político; é a dificuldade de entender que não entendemos tanto quanto gostaríamos.

Eu não sou um alvo frequente de teorias conspiratórias.

Sergio Moro e a Operação Lava Jato são.

Nós não sabemos as intenções e os interesses das outras pessoas. Em princípio, qualquer um pode estar sendo financiado por algum grupo poderoso. Mas isso é justamente o que não sabemos. Só quem padece da Síndrome de Sherlock Holmes vai desprezar fatos e argumentos por conta das intenções de quem agiu ou escreveu, sobre as quais não temos de fato indícios.

Teorias conspiratórias têm bastante apelo por evitarem a incerteza que, em geral, é desconfortável para nós, humanos.

Pessoas inteligentes com frequência se sentem um pouco ignorantes ao ler as notícias. Elas constroem hipóteses, buscam checar se elas fazem sentido com os fatos e os dados, mas sempre se deparam com o desconforto da incerteza. Mesmo quando sentem que entendem algo, percebem que não entendem muitas outras coisas.

Os acometidos pela Síndrome de Sherlock Holmes, por outro lado, se sentem confortáveis com suas teorias conspiratórias. E se acham muito inteligentes.