Por que os eleitores se importam com o voto?

Por Bernardo Guimarães

A pergunta parece absurda, mas variações dessa questão intrigam pesquisadores das áreas de economia e ciência política há décadas.

A resposta parece óbvia. Os votos das pessoas definem os governantes e as políticas públicas. O problema é o seguinte: a probabilidade de seu voto fazer diferença em uma eleição com um grande número de eleitores é praticamente zero. A última eleição presidencial foi considerada apertada, mas Dilma Rousseff teve mais de 3 milhões de votos de vantagem sobre Aécio Neves. No disputado referendo britânico da semana passada, a diferença foi superior a 1 milhão de votos.

Numa das eleições mais disputadas que se têm notícia, há menos de um mês, no Peru, Pedro Pablo Kuczynski teve 50,1% dos votos contra 49,9% de Keiko Fujimori. Parece muito pouco, mas a diferença foi superior a 40 mil votos.

A probabilidade de uma eleição ser decidida por um voto é praticamente nula.

Dado isso, nos países onde o voto não é obrigatório, a questão é: por que as pessoas vão votar? Nos países onde o voto é obrigatório, a questão é: por que as pessoas buscam se informar para votar melhor?

Antes de seguir, há uma questão empírica: as pessoas de fato buscam se informar para votar melhor? Ou simplesmente se informam porque tem interesse na informação?

Nós assistimos às notícias sobre o referendo britânico e o resultado do exame anti-doping de uma atleta. Pode ser que essas informações tenham algum efeito sobre as nossas decisões, mas é plausível pensar que assistimos a essas notícias simplesmente porque queremos saber sobre o que acontece no mundo.

O fato de termos que votar aumenta a nossa demanda por informação?

Raphael Bruce e Rafael Costa Lima respondem a essa questão usando dados brasileiros e explorando o fato de que todo brasileiro que tem 18 anos no dia da eleição é obrigado a votar.

De maneira informal, poderíamos comparar o interesse por notícias de dois grupos de pessoas: as que fazem 18 anos logo antes da eleição e, portanto, precisam votar e as que fazem 18 anos logo depois da eleição. Como as pessoas nesses 2 grupos são muito parecidas, o interesse intrínseco delas por notícias não deve ser muito diferente.

Métodos estatísticos apropriados nos permitem transformar essa comparação informal em uma estratégia empírica formal.

Usando métodos apropriados e dados de questionários, Bruce e Costa Lima mostram que as pessoas obrigadas a votar de fato assistem mais o noticiário na TV.

O resultado do trabalho corrobora a impressão de que as pessoas fazem algum esforço para tentar votar de maneira minimamente informada.

Por que fazemos isso? Porque não votamos apenas porque podemos influenciar o resultado.

Votar (ou votar de maneira informada) é um dever cívico.

Votar sem saber o que se passa é desagradável. Depois vão perguntar “votou em quem?”, é chato falar “digitei um número, apareceu a cara de um cara, teclei confirma“.

Votar é uma maneira de expressar alguma coisa. O nosso voto nos confere uma identidade.

O lado bom é que, por conta disso, a gente não decide o voto no cara ou coroa, não digita a data de aniversário na urna. A gente até gasta um tempo extra pensando no assunto. Vendo desse modo, os eleitores de fato votam bem. (Sim, em algumas eleições, o cara ou coroa seria melhor, mas o ponto é que os eleitores fazem algum esforço para votar direito).

O lado ruim é que o eleitor não está necessariamente pensando sobre a política pública que seria melhor. Afinal, o voto dele não vai fazer diferença mesmo. Assim, um eleitor pode usar seu voto para expressar rebeldia, irreverência, ou para afirmar uma identidade.

O problema é que assim a eleição pode acabar escolhendo as políticas públicas que não refletem a preferência da maioria: refletem o que uma maioria deseja expressar no momento do voto.

Em suma, por conta do interesse intrínseco na informação e da vontade de participar de maneira decente no jogo democrático, as pessoas buscam votar de maneira razoavelmente informada. Mas como um voto não afeta o resultado, é natural que às vezes o eleitor também acabe usando o voto para extravasar, para vestir-se de uma identidade.

Às vezes, isso tem consequências negativas para a maioria.

Referência:

– O artigo citado é “Compulsory Voting and TV News Consumption: Evidence from Brazil”, de Raphael Bruce e Rafael Costa Lima, disponível aqui.