O liberalismo econômico e o mercado de armas

Por Bernardo Guimarães

Por conta do atentado em Orlando, a discussão sobre as restrições ao comércio de armas ganhou novo impulso. Por vezes, alguns argumentos parecem ter em mente uma ligação entre o liberalismo econômico e o direito individual de ter e portar armas.

Pelo menos sob o ponto de vista da teoria econômica, uma coisa não tem nada a ver com a outra.

A teoria econômica estabelece condições sob as quais deixar um mercado operar livremente é uma boa pedida. Duas dessas condições (há outras) são: (1) uma pessoa ou empresa busca escolher o que é melhor para si; (2) o uso ou produção de um bem não tem efeito sobre os outros (no jargão, não gera externalidades).

O ponto interessante é que, sob determinadas condições, cada um está buscando o melhor para si mas o livre mercado leva a uma alocação de recursos socialmente eficiente. Essa é a ideia por trás da “mão invisível” de Adam Smith, formalizada posteriormente como o teorema do bem-estar, um dos resultados mais importantes da ciência econômica.

Na prática, as condições do teorema do bem estar que garantem a eficiência dos mercados raramente são perfeitamente satisfeitas. Por outro lado, as intervenções do governo são sempre custosas e imperfeitas (mesmo que o governo tenha as melhores das intenções).

Os defensores do liberalismo econômico acham que, em muitos mercados, não estamos tão distantes das condições de eficiência a ponto de valer a pena a intervenção do governo. Quem defende mais intervenção estatal discorda.

Contudo, no caso do mercado de armas, é claro que a condição (2) não é satisfeita: uma arma tem como objetivo causar sérios efeitos negativos sobre outras pessoas. Esse ponto vale para quem compra uma arma para se defender — a arma só funciona como defesa porque ameaça causar um efeito negativo sobre o outro.

Assim, os argumentos econômicos que sustentam o liberalismo na economia não se aplicam ao mercado de armas.

Max Weber definiu o Estado como a entidade que tem o monopólio do uso legítimo da violência em um território. Quem defende o direito do cidadão portar armas, em geral, acredita (1) que o Estado está muito longe do monopólio do uso da violência (há muito crime) ou que quem controla o Estado pode usar a violência para fins ilegítimos; e (2) a população armada é mais segura contra essas ameaças de violência.

A única relação entre essa discussão e os argumentos para o liberalismo econômico é que quem acredita que tudo que o governo faz é ruim, em geral, não quer intervenções do Estado na economia e não acha que o Estado tem controle sobre a violência (ou teme a violência estatal).

Esse é mais um caso em que a classificação de políticas públicas sob os rótulos direita/esquerda, liberal/intervencionista atrapalha mais que ajuda ao embalar questões completamente diferentes num mesmo pacote.

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Em outro assunto, dois dos novos diretores do Banco Central são macroeconomistas de ponta na academia brasileira. Carlos Viana de Carvalho é o pesquisador em atividade no Brasil de maior sucesso na área de Economia Monetária e provavelmente o principal pesquisador em atividade no Brasil em qualquer área da Macroeconomia. Tiago Berriel é um jovem macroeconomista e um dos mais promissores pesquisadores de sua geração. Bom para o Banco Central, mas vão fazer falta na academia.