A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. E uma casinha branca de varanda, um biquíni amarelinho, um vestido curto, justo, lilás e muito mais.
Numa economia de mercado, a proposta é cada um compra e come o que gosta. Só que, com frequência, dinheiro público paga parte da conta, direta ou indiretamente: programas sociais como o Bolsa Família financiam parte da comida no prato dos mais pobres, leis de incentivos fiscais estimulam eventos culturais, shows no Sesc são financiados com uma espécie de imposto sobre o salário etc.
Todo recurso público poderia ter outro fim. O ajuste fiscal deve levar a cortes de gastos. Quais gastos?
Eis a guerra entre o feliz poeta e o esfomeado. Que inclui também os empresários, os assalariados, os pacientes de hospitais públicos, todo mundo que paga impostos ou utiliza serviços públicos. Todos nós.
Para avançar nesse debate, precisamos entender a finalidade de cada gasto, transferência, incentivo e subsídio.
No caso do esfomeado, o objetivo é transferir recursos de quem tem mais para quem tem menos, seja em dinheiro (Bolsa Família), seja em forma de serviços públicos.
A razão para essas transferências de recursos é simples: o dinheiro é mais valioso nas mãos de quem tem menos. Na vida de quem tem um bom salário R$ 1.000 fazem pouca diferença, mas podem ajudar muito quem está na miséria.
No caso do feliz poeta, o motivo não é transferir renda: é afetar o que é produzido na economia.
A pergunta então é: por que damos incentivos fiscais aos eventos culturais, mas cobramos ICMS sobre os biquínis e os vestidos (desestimulando a produção destes)? E, para não dizer que eu não falei de mim mesmo, por que cobramos impostos para financiar pesquisa acadêmica?
Eu quero levar uma vida moderninha e assistir shows no circuito alternativo. Por que parte da conta tem que ser paga por quem produz ou compra vestidos?
Se em um lado da moeda temos um gasto ou incentivo, no outro temos um imposto.
Por que queremos mais ciência e arte ao custo de menos biquínis e vestidos?
Uma justificativa teórica é a seguinte: ciência e arte geram novas ideias. Estas beneficiam a sociedade como um todo.
Na ciência, a descoberta de uma melhor forma de regular o sistema financeiro gera ganhos para a economia do país. A invenção de um novo processo químico gera ganhos para empresas que não ajudaram o cientista a inventar.
Na arte, a vanguarda de hoje é o que alimenta a cultura pop de amanhã. Eis o É o Tchan como possível justificativa para o imposto na folha de pagamento que financia (em parte) o concerto do André Mehmari.
Nesses exemplos, a ligação é bastante imediata, mas ideias podem ter usos inesperados. A pesquisa sobre números primos de muito tempo atrás nos permite hoje comprar pela internet.
A questão é se, na prática, o retorno social dos gastos e dos incentivos com arte e ciência está compensando os custos. Isso cabe à sociedade avaliar.
Outras formas de benefícios sociais podem ser consideradas, mas a discussão precisa ser feita nesses termos. Leis não criam bens ou serviços do nada –assim como não podem obrigar a gente a ser feliz.