O novo técnico de um grande time de futebol afirma em sua primeira entrevista coletiva:
– O time buscará marcar muitos gols e sofrer poucos.
É mais ou menos assim que deveria soar a afirmação, feita pela nova presidente do BNDES Maria Silvia Marques, de que o BNDES buscará financiar projetos que tenham retorno social superior ao retorno privado, como noticiado pela Folha.
O retorno privado é o ganho que um investimento traz à empresa que investiu (por exemplo, o aumento no lucro da empresa decorrente da compra de um equipamento).
O retorno social é o ganho que um investimento traz ao país como um todo. Isso inclui o ganho à empresa que investiu mas também os ganhos desse investimento que não ficam com a empresa (isso ocorre, por exemplo, se a compra do equipamento, além de trazer lucros, propicia um aprendizado a funcionários da empresa, e esse aprendizado é usado no futuro por eles em outras empresas).
O BNDES fornece crédito subsidiado direcionado a algumas empresas. Só faz sentido existir crédito direcionado em casos que o retorno social seja superior ao retorno privado.
Para entender esse ponto, suponha que o retorno social aos investimentos seja igual ao retorno privado.
A empresa, ao escolher se toma o empréstimo ou não compara a taxa de juros que deverá pagar ao retorno esperado do investimento.
Quanto maior o retorno privado, maior a taxa de juros que a empresa estará disposta a pagar.
Assim, se não houver crédito subsidiado direcionado, ou seja, se a taxa de juros for a mesma para todo mundo, os empréstimos irão para as empresas com projetos que apresentam o maior retorno privado.
Se o retorno privado é igual ao retorno social, o capital estará alocado nos projetos mais rentáveis para a economia do país como um todo. Mudar a alocação de capital só poderá piorar a alocação de capital, reduzindo o crescimento do país.
Afinal, o crédito direcionado do BNDES não cria crédito do além, apenas afeta a alocação do crédito da economia (como já expliquei, por exemplo, neste post e neste post).
Assim, se o retorno social não é maior que o retorno privado, não faz sentido a existência do crédito subsidiado do BNDES.
O BNDES deveria ter sempre que explicar porque acredita que o retorno social dos seus investimentos é substancialmente maior que o retorno privado.
Em quais casos o retorno social é maior que o retorno privado?
Muitos argumentam que esse é caso da indústria nascente. O argumento é o seguinte: hoje, um tipo de indústria pode não ser lucrativo para o país, mas os investimentos nessa indústria gerarão um aprendizado que será muito valioso no futuro. Além disso, esse aprendizado poderá ser usado em outras empresas, não necessariamente na empresa que investiu de início. Assim, o retorno social seria maior que o retorno privado.
Há um legítimo debate sobre se deveríamos estimular indústrias nascentes (que indústrias?) e como deveriam ser esses estímulos. Eu não estou dentre os que defendem esse tipo de política, mas entendo que essa poderia ser uma justificativa.
O investimento em infra-estrutura é um exemplo mais claro de projeto com retorno social maior que o retorno privado. Uma boa infra-estrutura torna outros investimentos mais lucrativos. Assim, parte importante do ganho com esse tipo de investimento se espalha para a sociedade como um todo.
Considerando o enorme subsídio implícito nos empréstimos do BNDES, o banco deveria ter que justificar que o retorno social dos seus investimentos é enorme, tão maior que o retorno privado.
Porém, outra matéria da Folha mostra que o BNDES emprestou R$ 50 bilhões para financiar projetos em outros países. Pelo que diz a matéria, mais de R$ 40 bilhões financiaram projetos da Odebrecht. Isso é cerca de cinco vezes o valor gasto com os estádios para a copa do mundo de 2014.
Esses R$ 40 bilhões poderiam ter financiado muitas outras atividades: parte poderia ter ido para pequenas empresas que precisam de crédito para sobreviver, mas só conseguem empréstimos a taxas altíssimas; outra parte financiaria a compra de geladeiras por consumidores que só conseguiriam comprá-las em prestações, com taxas de juros menores (como seria viver sem uma geladeira?).
A antiga direção do BNDES deveria ter que explicar qual o retorno aos investimentos nesses países que transbordam para outras pessoas ou empresas no Brasil e tornam tão grande o retorno social desses projetos, a ponto de justificar a redução de crédito para outras atividades, como as descritas acima.
O fato, porém, é que a afirmação da nova presidente do BNDES soa como uma novidade. Retorno social maior que o retorno privado? Parece um técnico de futebol anunciando um esquema tático diferente.
Se a antiga direção do BNDES nos convencesse que não houve corrupção nesses R$ 40 bilhões de empréstimos, já nos daríamos por satisfeitos. Explicar que o gol contra foi sem querer já surpreenderia a maior parte de nós. Mesmo que o retorno social desses projetos pareça menor que o de um investimento de uma empresa no Brasil.
E aí eu imagino o Dunga, em uma entrevista coletiva, explicando a jornalistas que não preparou o time com a intenção deliberada de marcar gols contra. A opinião pública estaria satisfeita?
Luciano Coutinho deixa a presidência do BNDES após 9 anos e mais de R$ 100 bilhões gastos de subsídios (quanto exatamente, a gente não sabe). Ele deveria ter que explicar que tentou ganhar o jogo.