A Folha noticia mais uma proposta do governo para mexer na tributação. Antes de entrar nas especificidades dessa (ou de qualquer outra) proposta, precisamos nos perguntar: quais os princípios que devem nortear a construção de um bom sistema tributário?
Impostos, em geral, geram distorções, pois desestimulam justamente as atividades que geram a base da arrecadação.
Por exemplo, um imposto sobre um produto o torna mais caro, desestimulando a produção e a compra desse bem. Um imposto sobre a renda desestimula a geração dessa renda. Um imposto sobre a circulação de veículos desincentiva o uso de automóveis.
Apesar desses efeitos negativos, impostos são necessários. O Estado precisa tributar para financiar seus gastos. Uma das funções do Estado é distribuir renda dos mais ricos para os mais pobres (de diversas formas).
Além disso, nem todo imposto é possível de ser cobrado. Em alguns casos, é muito difícil fiscalizar ou medir as atividades que geram a base para a cobrança do imposto.
Assim, quatro princípios básicos para um bom sistema tributário são os seguintes:
1. Devemos tributar as atividades que de fato queremos desestimular. Impostos sobre a produção e a renda desestimulam essas atividades não porque assim queremos, mas porque os impostos tem esses efeitos. Faz mais sentido taxar atividades que de fato queremos desincentivar, como a circulação de veículos. Explico melhor esse ponto aqui.
2. Devemos evitar impostos que gerem muitas distorções, ou seja que tenham grande efeito negativo sobre a produção e as trocas.
3. Como distribuir renda é parte do objetivo do Estado, impostos que incidem mais sobre os mais pobres são especialmente ruins, ou porque vão contra esse objetivo do Estado ou porque geram a necessidade de mais impostos sobre os mais ricos para compensar esse efeito.
4. Fiscalizar e pagar o imposto não deve ser muito custoso.
Isso me traz à proposta do governo de mudança no imposto de renda. Uma parte da proposta diz respeito às empresas que pagam impostos pelo lucro presumido.
O lucro é a diferença entre a receita da empresa (tudo que a empresa recebe) e seus custos (o que a empresa gasta). O imposto de renda incide sobre o lucro.
Contudo, empresas pequenas podem optar por pagar impostos sobre o lucro presumido: este é um porcentual da receita da empresa.
Em muitos casos, esse percentual é 32%. Assim, uma empresa com receita igual a R$ 1 milhão paga impostos como se seu lucro fosse R$ 320 mil.
Por que cobrar de acordo com esse “lucro presumido” faz sentido? Por causa do item (4). É muito mais fácil para o governo observar a receita da empresa (em muitos casos, com notas fiscais eletrônicas, é muito barato verificar o que a empresa vendeu com nota) do que observar o lucro. Para algumas empresas pequenas, é custoso calcular todos os custos para chegar no lucro.
Só que o lucro presumido tem seus problemas.
Considere uma empresa de prestação de serviços com receita de R$ 10 milhões e custos de R$ 8 milhões. Esse custo é o pagamento de seus vários funcionários. Essa empresa pagará PIS, COFINS, IRR, CSLL e, digamos, 5% de ISS. Os impostos comem bem mais que metade dos R$ 2 milhões de lucro da empresa.
Além disso, a empresa e os funcionários pagam impostos sobre os salários (em especial, INSS e IR). Só esses impostos podem facilmente passar de R$ 2 milhões.
Agora, considere uma empresa de prestação de serviços muito parecida, com receita de R$ 10 milhões mas sem custos, porque a empresa tem vários sócios ao invés de funcionários, e os sócios ficam com o lucro da empresa. Os impostos nesse caso não chegam a R$ 2 milhões. São, portanto, uma parcela muito menor do lucro da empresa.
E os sócios, por sua vez, não pagam impostos sobre a renda.
Claro que isso faz com que muitas pessoas sejam “donas de uma empresa” ao invés de funcionárias.
Num mundo em que não existisse o item (4), não faria sentido o lucro presumido. Uma solução simples seria a seguinte: as pessoas pagariam impostos sobre a sua renda, independentemente de serem sócias ou funcionárias da empresa (claro, o imposto seria progressivo).
Por conta do item (4), o imposto presumido cumpre uma função.
Contudo, o sistema de hoje não funciona bem, pois tributa muito pouco algumas pessoas que ganham bem e gera incentivos para as pessoas abrirem empresas que nada mais são que maneiras custosas de se evitar o imposto (o IR e o INSS pago pelo empregado e pelo empregador).
Assim, uma boa reforma tributária passa de fato por mudanças na tributação de pessoas jurídicas que pagam impostos pelo lucro presumido.