Richard Turere tinha 13 anos e um problema. Os leões do Parque Nacional de Nairobi atacavam o gado que garantia a sobrevivência de sua família no Quênia.
Após tentativas e erros, sem nunca ter estudado circuitos elétricos, ele criou um sistema que acendia e apagava luzes e passava aos leões a impressão de que alguém vigiava o gado com uma lanterna.
Funcionou, os leões não mais incomodaram o gado e sua invenção se espalhou para outras famílias no Quênia.
Larry Page e Sergey Brin tinham vinte e poucos anos e um produto na cabeça. Era o começo da era da internet, começava a haver mais e mais informação na rede, mas não era fácil achar o que se buscava.
Page e Brin criaram o Google.
Softwares e sites são criados a todo momento no mundo todo. De acordo com notícia da Folha, um software foi desenvolvido para o departamento de propinas da Odebrecht.
Assim como o Google, a Odebrecht é (ou era) uma empresa de grande sucesso, líder no seu mercado.
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Quando comparamos o Quênia de Richard Turere e os Estados Unidos do Google, salta aos olhos a grande diferença entre o estoque de capital, o nível educacional e o grau de avanço da tecnologia embutida nos processos de produção nos dois países.
Contudo, essa é só parte da explicação pela grande diferença de renda entre os dois países.
O trabalho de pessoas talentosas e bem educadas e o capital disponível para investimentos podem ser alocados em atividades que geram riqueza, ou em atividades que trazem benefícios a uns em detrimento de outros.
O que as pessoas decidirão fazer vai depender das regras do jogo.
Larry Page e Sergey Brin criaram o Google e ficaram bilionários.
Eles foram capazes de desenvolver um excelente algoritmo para procurar sites na internet e um site de buscas muito bom para o usuário.
Para criar o Google, eles precisaram de dinheiro. Ainda antes da empresa ser registrada, eles receberam um cheque de US$ 100 mil de Andy Bechtolsheim, a primeira injeção de capital no que seria a Google Inc.
Por esses e outros investimentos e por seu trabalho na área, Andy Bechtolsheim também ficou bilionário.
O sucesso nesse mercado depende de fatores como a eficiência do algoritmo e a qualidade da interface. A recompensa pelo sucesso é grande, e isso atrai profissionais muito talentosos e qualificados.
Além disso, investidores se sentem suficientemente seguros para colocar dinheiro nesses empreendimentos. Sabem que se a empresa tiver sucesso, eles receberão sua parte nos lucros.
A grande maioria das empresas do mundo da internet são americanas. Não porque os americanos são intrinsecamente melhores nesse negócio. Sergey Brin nasceu na Rússia; Andy Bechtolsheim, na Alemanha.
Uma das explicações para o sucesso americano nesse mercado é o grande desenvolvimento de seu mercado de capitais.
Os mercados de capitais americanos são desenvolvidos não porque os americanos sabem emprestar dinheiro melhor que os outros, mas porque os investidores se sentem protegidos pelas regras do jogo. Estas garantem os direitos de quem colocou dinheiro na empresa.
Há muitas histórias como a do Google (por exemplo, a criação da Apple por Steve Jobs, Steve Wozniak e Mike Markkula).
Em suma, nos Estados Unidos, as regras do jogo levam muitas pessoas talentosas a trabalharem no desenvolvimento de softwares para o mundo da internet, financiadas com o capital aventureiro de quem quer apostar nessas empresas.
Marcelo Odebrecht também ficou bilionário.
A Odebrecht tem a capacidade de ganhar concorrências para executar obras públicas que dão um bom lucro.
De acordo com as denúncias recentes, o segredo do sucesso da Odebrecht não é um método inovador de produção, que garante baixos custos à empresa, mas um bem montado esquema de propinas que garante a vitória nas concorrências.
Métodos de construção mais eficientes nos permitem produzir mais com menos. É esse o motor do desenvolvimento. Contudo, um bom esquema de propinas só muda a alocação de obras entre construtoras, não gera riqueza.
Se a regra do jogo premia quem monta o melhor esquema de propina, pessoas inteligentes trabalharão em atividades que não geram riqueza para o país.
Para as pessoas, isso é lucrativo. Para o país, é um desperdício de recursos.
Richard Turere não ficou bilionário, muito pelo contrário. Outras famílias do Quênia copiaram sua ideia (com sua ajuda), mas ele não ganhou um dólar por isso.
Desenvolver maneiras de evitar que os leões ataquem as vacas no Quênia ajuda muitas famílias, mas isso não se traduz em lucro para o inventor. As regras do jogo não atraem o dinheiro e o trabalho de pessoas talentosas para resolver esse problema.
Assim, o progresso tecnológico nessa área depende das invenções de adolescentes brilhantes que nunca estudaram eletrônica.
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Se fosse resumir os princípios básicos da ciência econômica em algumas frases, uma delas certamente seria: “as pessoas reagem a incentivos”.
Há mentes brilhantes, energia para o trabalho e vontade de ganhar dinheiro em todas as partes do mundo.
As regras do jogo determinam se o caminho para ganhar dinheiro é gerar mais ideias ou se é puxar o dinheiro dos outros para si.
No Brasil de hoje, montar um esquema de propina é lucrativo. Isso não nos torna mais produtivos. Não gera desenvolvimento.
O Brasil será um país desenvolvido e próspero quando as regras do jogo direcionarem a vontade de ter lucro para o trabalho em atividades que geram riqueza.
As recentes operações anti-corrupção, com as prisões de grandes executivos e de alguns políticos, trazem a esperança de que o caminho pelo esquema de propinas esteja se tornando mais arriscado do que se pensava.
Claro que muitos corruptos não serão presos. Mas para o futuro, o que importa é a mudança nas regras do jogo (e na percepção sobre as regras).
Se passarmos a acreditar que a corrupção pode custar caro, haverá menos incentivos para bons esquemas de propinas e mais incentivos para inovações e ganhos de produtividade.
Para o desenvolvimento de uma nação no longo prazo, há poucas coisas tão importantes quanto regras do jogo que premiam a produção, as invenções e as ideias que nos fazem mais produtivos – seja para afastar os leões, construir rodovias ou encontrar algo na internet.