A quem interessa o fim desse governo?

Por Bernardo Guimarães

Há diversas narrativas no debate sobre o atual governo e as investigações sobre corrupção. Este post foca em duas delas.

Primeira narrativa:

Há muita corrupção no governo, o Petrolão é um escândalo de enormes proporções e os principais líderes do governo devem ser responsabilizados.

Há, aliás, corrupção demais na política em geral. Em parte, porque há muita impunidade: políticos e empresários corruptos quase nunca são punidos.

É exatamente por isso que as investigações e prisões recentes são tão animadoras. Empreiteiros milionários e políticos poderosos têm sido presos e condenados. Daqui para frente, políticos e empresários, ao decidir entre a corrupção e um caminho mais honesto, levarão em conta que há possibilidade de punição.

A forte reação da maioria contra esse governo decorre não apenas da corrupção, mas de dois outros fatores.

O primeiro é a incompetência do governo que está causando uma crise enorme, afetando negativamente a renda de todos, ricos e pobres.

O segundo é o discurso desonesto do governo, que inventa uma luta entre poderosos e oprimidos para justificar a corrupção e a incompetência.

Segunda narrativa:

Sim, há corrupção no governo e na política como um todo. Mas é ingenuidade achar que o que se retrata hoje como uma operação anti-corrupção tem de fato esse objetivo.

O que se vê hoje é uma operação orquestrada pelas elites para acabar com o governo do PT. A maioria que hoje defende o impeachment está sendo enganada pela grande imprensa.

Há interesses econômicos por trás do clamor por impeachment: a elite quer tirar do poder um governo que tem optado por beneficiar os pobres em detrimento dos ricos.

Como distinguir entre as narrativas?

Algumas implicações são comuns às duas narrativas. Por exemplo, nos dois casos, espera-se que os ricos estejam contra o governo (na primeira narrativa porque o governo é ruim para todos, na segunda porque o governo é ruim para os ricos)

Além disso, é claro que as motivações de vários políticos não são nada nobres. Isso é consistente com as duas narrativas (pode resultar de uma conspiração das elites contra o PT, ou da existência de muitos corruptos na política).

Quem defende a primeira narrativa dirá que se queremos um ambiente político menos corrupto, precisamos começar a punir, e há motivos de sobra para tal. Quem defende a segunda dirá que os políticos em geral não se sentirão mais ameaçados com o sucesso da Lava Jato, pois o processo é só uma investida contra o PT.

Para distinguir entre teorias, precisamos buscar implicações distintas de cada uma delas que possam ser contrastadas com fatos e dados.

As duas narrativas têm implicações bem diferentes para a política econômica.

De acordo com a primeira narrativa, as escolhas de política econômica nessa década têm sido desastrosas para todos. O fim desse governo interessa a todos.

De acordo com a segunda narrativa, a política econômica do governo tem focado nos pobres e prejudicado os ricos. O fim desse governo só interessa aos ricos.

Precisamos, então, olhar para a política econômica. E aí, a evidência é consistente com a primeira narrativa e contrária à segunda.

A política econômica desde 2010

O aumento real do salário mínimo é um exemplo frequentemente citado de medida do governo do PT para beneficiar os mais pobres.

A expansão desenfreada do BNDES é um exemplo frequentemente citado de medida do governo do PT para beneficiar os mais ricos.

Há vários exemplos como esses. Combinados, mostram que é incorreto caracterizar a política econômica dessa década como sendo pró-rico ou pró-pobre.

A política econômica dessa década foi, isso sim, mais intervencionista. Por vezes, isso afeta diretamente os mais ricos; por vezes, o efeito direto é sobre os mais pobres. Só que o efeito não para por aí.

Essas intervenções de política têm efeitos sobre a economia como um todo. Efeitos bons ou ruins? Muitos economistas, como eu, acham que na maior parte das vezes, são ruins. Outros acham que são bons (ou achavam na época). Outros defendem o caminho em linhas gerais, mas discordam das políticas aplicadas.

A discordância é, portanto, sobre o efeito na economia como um todo, não sobre favorecer pobres ou ricos.

A economia vai muito mal nessa década por conta das políticas econômicas aplicadas desde 2010. O governo culpa uma crise internacional, mas sabe que isso é mentira. Fazendo de conta que a Nova Matriz Econômica de 2012-2013 nunca existiu, o governo tenta mudar o rumo da política econômica. Economistas discordam sobre quanto de fato se pretende mudar. Não dá para saber mesmo, porque o governo não está conseguindo mais governar. E assim, a economia como um todo sofre.

A questão central da discussão sobre política econômica até pouco tempo atrás era o efeito da política fiscal sobre a economia como um todo.

Quem era contra o ajuste fiscal argumentava que o ajuste causaria recessão e nos afundaria em uma crise. Seria, portanto, ruim para todos.

Quem era a favor, dizia que o ajuste fiscal era necessário para equilibrar as contas e gerar confiança, o que traria de volta os investimentos. Seria, portanto, bom para todos.

Por fim, a discussão sobre o Bolsa Família é falsa. Lula tem o mérito de ter implementado um programa de transferência de renda muito bom e muito bem sucedido. Mas o mérito deve ser repartido com os economistas “ortodoxos” do seu governo que elaboraram o programa, não com os ministros do PT que, na época, eram contra (a história do Bolsa Família não cabe neste post, eu conto no meu livro).

Hoje, ninguém quer acabar com o Bolsa Família e muitos dos seus principais criadores se opõem fortemente ao governo Dilma.

Vamos resolver essa discussão

Há uma conspiração contra o PT, pois o governo beneficia pobres em detrimento dos ricos? Ou o governo está sendo ruim para todos?

Hoje, leigos de todo o Brasil discutem aspectos jurídicos da operação Lava Jato. Contudo, por trás da questão jurídica, paira um embate entre versões das narrativas apresentadas aqui.

Sem resolver esse embate, as discussões sobre esses e outros aspectos conjunturais não são úteis e nem agradáveis.