Inglaterra, fim do século 14. O rei Ricardo 2º, incomodado com as crÃticas do parlamentar Thomas Haxey, trama para que ele seja considerado culpado por traição e condenado à morte.
A história tem final feliz. O arcebispo de Canterbury intervém, e a vida de Haxey é salva. Mesmo assim, o Parlamento inglês decide tomar providências para assegurar a liberdade de expressão de seus membros. Nasciam aà as proteções especiais para parlamentares e membros do governo.
Desde então, diversos paÃses democráticos adotaram provisões legais para proteger polÃticos eleitos de processos e prisões.
Contudo, aos poucos, esses direitos também foram se estendendo à população. Afinal, o rei não deve ter poder para condenar à morte uma pessoa que o critica, não importa quem seja essa pessoa.
Há então motivos para proteger os polÃticos das garras da Justiça? Faz sentido a imunidade de parlamentares, ministros e chefes de Estado?
A imunidade tem dois efeitos. Por um lado, protege um polÃtico de ser perseguido por alguém ainda mais poderoso. Essa proteção pode ser útil, por exemplo, a um parlamentar que se opõe ferozmente ao Executivo e teme ser injustamente acusado de cometer crimes.
Por outro lado, a imunidade protege o polÃtico que cometeu crimes comuns. A imunidade pode se traduzir em impunidade. A proteção pode ser útil, por exemplo, a um parlamentar que recebe propina.
Além da injustiça, a proteção pode fomentar a corrupção. A possibilidade de punição é um desestÃmulo ao crime. Ao tornar a punição mais difÃcil, a imunidade efetivamente remove uma barreira à corrupção.
Estamos, no Brasil, acostumados com a ideia de imunidade de polÃticos, como se fosse essa a norma em todo o mundo. Cabe perguntar: como é em outros paÃses?
Trabalho recente de Karthik Reddy, Moritz Schularick e Vasiliki Skreta busca quantificar o grau de imunidade conferida a chefes de Estado, ministros e parlamentares em 90 paÃses democráticos.
Nesse ranking da imunidade, o Brasil aparece em terceiro lugar, empatado com a Argentina. Mais imunidade para polÃticos que no Brasil, só no Paraguai e no Uruguai. Nos outros 86 paÃses democráticos analisados, polÃticos são menos protegidos.
Em muitos paÃses, polÃticos não gozam de nenhum privilégio com a Justiça. Na Inglaterra de hoje, por exemplo, ninguém, nem mesmo o primeiro-ministro, tem qualquer proteção especial se cometer crimes.
O trabalho mostra que a imunidade conferida aos polÃticos no Brasil é muito maior que na grande maioria dos paÃses. Será que é demais?
Se a proteção conferida a polÃticos eleitos lhes permite agir sem a preocupação com acusações fabricadas por outras pessoas com poder e não tem muito impacto na corrupção, a imunidade está cumprindo o seu papel.
Por outro lado, se a imunidade deixa os polÃticos mais protegidos para cometer crimes de corrupção, temos imunidade demais.
O que você acha?
__
Referência:
– O Artigo citado é “Immunity”, de Karthik Reddy, Moritz Schularick e Vasiliki Skreta, Novembro 2015. Agradeço ao Rodrigo Soares que me falou sobre esse artigo e sugeriu o tema para o post.