Os dois objetos acima cabem na palma da mão de uma pessoa. Foram feitos para isso. Mas as semelhanças param por aí.
O primeiro é um machado de mão feito há 500 mil anos por um homo erectus. Muitos deles eram capazes de fazer esse objeto.
O segundo é um mouse. Foi feito por milhares e milhares de pessoas. Ninguém, absolutamente ninguém nesse mundo sabe fazer um mouse de computador.
Algumas pessoas sabem montar um mouse a partir das peças. Outras sabem projetar o mouse. Mas essas pessoas não têm a menor ideia sobre como se manobra um navio, como se constrói o equipamento que extrai o petróleo do meio do mar, como se produz tinta para revestir plástico, etc.
Todas essas e muitas outras atividades são executadas para a produção de um mouse.
O mouse é, assim, o fruto da cooperação de milhares e milhares de pessoas por todo o mundo. Pessoas que não se conhecem e que talvez nem se gostassem se acaso se conhecessem. Mas que trabalharam para produzir esse mouse que aparece na foto.
Alguém plantou grãos que seriam transportados em navios, processados e, eventualmente, acabariam no prato de quem trabalha na plataforma de petróleo no meio do mar. Milhares de pessoas trabalharam na produção dos equipamentos eletrônicos utilizados na extração do petróleo. Uma empresa de pesquisa de mercado auxiliou no processo de inovação que chegou nesse design redondinho. E assim vai.
Seria impossível para qualquer um de nós produzir tudo que é necessário para se obter um mouse, sem a participação de qualquer outra pessoa no processo.
É difícil até imaginar quanto tempo de um grupo de pessoas seria necessário para produzir 1 mouse.
Mas produzido dessa maneira, por milhares de pessoas pelo mundo, por meio de milhares de trocas nos mercados de trabalho e de bens, o mouse é incrivelmente barato.
Há mouses à venda por menos de 10 reais. No preço de venda do mouse, está incluída a renda do funcionário que vendeu o mouse, a do arquiteto que fez o projeto da loja, o imposto que pagou quem limpou a rua, etc.
10 reais! Isso paga por uma hora de trabalho de alguém com renda mensal de cerca de um salário mínimo e meio (incluindo impostos e benefícios).
Então, a renda das milhares e milhares de pessoas que participaram da produção do mouse é algo como 10 reais. Essa renda inclui lucros, juros sobre o capital empregado e o salário dos mais variados profissionais (alguns com salários muito altos).
Isso significa que a soma do tempo de todas as pessoas envolvidas na produção desse mouse é igual a poucos minutos. Esse tempo inclui todas as etapas do processo de produção do mouse (a maior parte das pessoas no processo nem sabe que está produzindo um mouse).
Isso só é possível por causa do enorme grau de especialização na produção, que é possibilitado pelas trocas.
A fábrica de mouses compra os componentes e produz milhões de unidades. Nessa fábrica, cada pessoa cuida de uma pequena parte do processo de produção (muitos, como a gerente da contabilidade e o gerente do RH, só participam indiretamente).
Assim, a especialização faz com que minutos de trabalho humano transformem minerais escondidos em vários cantos do planeta em mouses em embalagens bonitinhas em uma loja perto da sua casa.
As pessoas que cooperaram para produzir o mouse não o fizeram por coerção, nem por amor. Elas o fizeram por seus próprios interesses, por meio de trocas nos mercados de bens e de trabalho.
Um dos papéis importantes dos governos é o estabelecimento de instituições que removem ou reduzem as barreiras naturais às trocas (por exemplo, garantindo o cumprimento de contratos).
Hoje, 9 de março, marca o aniversário de 240 anos da publicação de “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, o livro que lançaria as bases para a ciência econômica moderna.
Uma das contribuições do livro é a explicação sobre o papel da especialização e das trocas na geração de riqueza das nações.
Claro, o exemplo deste post não tem 240 anos. Eu peguei de uma palestra do Matt Riddley. Ele, por sua vez, se inspirou no exemplo do lápis criado por Leonard Read, divulgado (e aprimorado) por Milton Friedman (neste vídeo, por exemplo).
Economia, afinal, não é o estudo de escrituras antigas. A especialização me permite passar os dias pesquisando, estudando, aprendendo e ensinando. Prender-me a exemplos de 240 anos atrás não faria jus à contribuição de Adam Smith.
Propaganda:
– Aproveito para dizer que a versão kindle do meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI” está com um desconto enorme, sai só por R$ 3,20, aqui.
Mais sobre isso:
– Vídeo de um cara que produziu um sanduíche de frango (demorou 6 meses). Sugestão do Bruno Ferman — obrigado!