Qual o país onde os governantes têm os maiores salários?
Acertou quem pensou “Singapura”. Lá, o Primeiro ministro recebe US$ 1.7 milhões por ano (mais de 500 mil reais mensais). Os ministros são muito bem pagos, na faixa de US$ 1 milhão por ano.
Apesar de Singapura ter pouco mais de 5 milhões de habitantes, sustentar salários tão elevados não custa caro para a população. Alías, o gasto total do governo em Singapura, um dos grandes sucessos econômicos das últimas décadas, é cerca de 18% do PIB do país.
No Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou ontem a redução do salário da presidente e dos ministros. Essa proposta reduz o salário da presidente para cerca de R$ 28 mil mensais.
Isso levanta uma questão interessante e mais ampla: políticos no Brasil ganham muito? Deputados e vereadores têm salários altos demais? E os ministros?
A resposta usual é algo do tipo “pelo que fazem, políticos ganham demais”. Mas essa resposta se esquece de um ponto importante: pelo menos em teoria, remuneração maior poderia atrair candidatos melhores à carreira política.
Afinal, empresas, universidades e clubes de futebol que querem atrair os melhores profissionais pagam bem. A remuneração é um dos fatores que afeta nossas decisões sobre carreira.
Na prática, será que isso é verdade nesse caso em particular? Será que uma remuneração maior atrairia profissionais melhores para a carreira política?
De acordo com trabalho recente de Claudio Ferraz e Frederico Finan que usa dados de eleições para vereadores no Brasil, a resposta é afirmativa.
Os dados mostram uma associação positiva entre os salários dos vereadores e variáveis como o número de candidatos; o nível educacional dos candidatos; e medidas de produtividade dos vereadores.
Contudo, uma associação positiva não indica causalidade.
Há vários outros motivos que podem gerar uma relação positiva entre salário e qualificação de vereadores. Por exemplo, em cidades maiores e mais ricas, os salários dos vereadores são maiores e as pessoas têm, em média, nível educacional mais alto. Portanto, mesmo sem qualquer efeito do salário sobre o incentivo para uma pessoa seguir a carreira política, deveríamos esperar uma relação positiva entre o salário e o nível educacional dos vereadores.
Esse é um problema muito comum em economia (e nas ciências sociais em geral): é relativamente fácil ver se as variáveis são relacionadas, mas é muito mais difícil estabelecer causalidade.
Ferraz e Finan se valem de uma estratégia estatística muito interessante. Sem passar por questões técnicas, explico aqui a ideia geral.
No Brasil, salários de vereadores são sujeitos a um máximo estabelecido por lei. Esse máximo depende da população da cidade da seguinte forma: salários de vereadores nos municípios com até 10 mil habitantes não podem ser maiores que 20% do salário do deputado. Para municípios com população entre 10 mil e 50 mil habitantes, o salário dos vereadores não pode ser maior que 30% do salário do deputado. E assim vai.
Em média, municípios com 9.990 habitantes devem ser parecidos com municípios com 10.030 pessoas. Só que, por conta da lei, salários de vereadores podem ser muito maiores no segundo caso que no primeiro.
Se salários de fato afetam incentivos para a carreira política, deveria haver uma diferença significativa entre os vereadores dos municípios com pouco mais de 10 mil habitantes e os vereadores dos municípios com quase 10 mil pessoas.
Como os dois conjuntos de municípios não devem ser, em média, muito diferentes, é alta a chance de que a diferenças nas características dos vereadores nos dois conjuntos de municípios seja de fato um resultado das diferenças nos salários.
A técnica estatística empregada por Ferraz e Finan basicamente se vale dessa ideia para estimar o efeito do salário sobre as características dos vereadores.
Eles mostram que, de fato, essas variações nos salários parecem levar a maior produtividade no legislativo, maior competição política e candidatos com maior nível educacional.
Com frequência, escutamos que “parlamentares não deveriam estar lá pelo dinheiro, deveriam estar buscando o bem do Brasil”. Essa ideia é ingênua e contra-producente.
Muitos de nós queremos fazer algo que nos trará satisfação por ter ajudado a melhorar o país. Mas nós também queremos uma carreira de sucesso, e isso inclui uma boa remuneração.
Não devemos esperar que pessoas caridosas e iluminadas venham nos salvar. Na melhor das hipóteses, isso nos trará pessoas que se acham caridosas e iluminadas. Na pior das hipóteses, isso só atrairá os ladrões.
Afinal, para quem quer entrar na política porque não tem alternativas, qualquer salário é suficiente. Quem quer roubar dinheiro nem liga para o salário (há muito a ser roubado).
Por outro lado, para quem é bem intencionado mas tem outras boas oportunidades de trabalho, uma remuneração melhor pode fazer a diferença na escolha da carreira.
Singapura é o país onde os políticos têm os maiores salários. Quase certamente, há países onde políticos ficam muito mais ricos.
Em muitos casos, no Brasil, funcionários públicos ganham bem mais que os funcionários do setor privado que fazem o mesmo tipo de serviço (considerando os benefícios). Mas no nível mais alto, esse não é o caso. Um ministro ganha menos que um diretor de uma grande empresa.
Não sei se políticos ganham muito ou pouco. Mas sei que o Brasil precisa de bons políticos e eu não acho que estamos conseguindo atrair um número suficiente de bons candidatos para a carreira política.
Nessa discussão, é comum o argumento em forma de pergunta “você sabe quantos salários mínimos ganham os deputados e ministros?”
A pergunta relevante não é essa. O que importa é: para o bem das pessoas que ganham hoje o salário mínimo, quanto deveriam ganhar os políticos?
Se uma remuneração maior conseguir tornar a carreira política mais atrativa para as pessoas mais qualificadas e bem intencionadas, o custo do salário maior provavelmente será compensado por melhores políticas públicas.
Referências:
– O artigo citado é “Motivating Politicians: The Impacts of Monetary Incentives on Quality and Performance”, Claudio Ferraz e Frederico Finan, disponível aqui.
– Para o salário do primeiro ministro de Singapura. Para gastos do governo como proporção do PIB em Singapura.