Entre Lemann e Al Capone

Por Folha

A principal razão para a proibição da produção e do comércio de entorpecentes é o óbvio mal à saúde causado por essas substâncias. Um argumento liberal frequentemente usado contra a proibição é que o Estado não deveria interferir nesse tipo de decisão individual. Esses argumentos e outros tantos contra-argumentos são razoavelmente bem conhecidos.

Um ponto importante e frequentemente esquecido nessa discussão é que a proibição não é passe de mágica que acaba com o mercado. Isso tem implicações muito importantes.

A proibição não acaba com a demanda por drogas (ou qualquer outro produto) e com as oportunidades de lucro que essa demanda propicia. Pode passar a mensagem de que drogas realmente devem ser nocivas à saúde, mas, claro está, continua havendo demanda.

A proibição acaba com a possibilidade de usar métodos convencionais de negócios para a produção e a distribuição da mercadoria. Meios legais não podem ser usados para fazer valer os acordos. Leis e advogados são substituídos por armas e soldados.

A Lei Seca que vigorou nos EUA entre 1920 e 1933 é um claro exemplo dos efeitos da proibição. O mercado de bebidas alcoólicas continuou existindo nesse período. O ambiente de negócios era propício para os especialistas no uso da violência. O chefão era Al Capone.

Hoje, esse comércio é legal. Os métodos empregados por quem oferta bebidas são muito diferentes. O ambiente de negócios é propício para os especialistas em marketing e finanças. Ganhos de eficiência são muito importantes. O chefe é Jorge Paulo Lemann.

As empresas que vendem produtos ilegais também precisam estabelecer reputação e ter um bom canal de distribuição. Mas muitas das habilidades necessárias para sobreviver nesse mundo só são úteis por causa da proibição.

O ponto importante aqui é que o mercado legal é muito melhor para selecionar empresas e profissionais com habilidades que são condizentes com o desenvolvimento do país.

Produzir mais com menos recursos e inventar produtos de que o consumidor gosta geram desenvolvimento. Esconder a produção da polícia e fazer valer contratos com armas, não.

Esse ponto não vale apenas para o comércio de bebidas e drogas. O comércio e a exportação do mogno foram proibidos no Brasil há cerca de 15 anos. Trabalho recente de Ariaster Chimeli e Rodrigo Soares traz evidências de que o mogno continuou sendo exportado desde então, classificado como “outras espécies de madeira”.

Usando métodos estatísticos apropriados, Chimeli e Soares mostram um aumento relativo em homicídios nas áreas em que havia mais extração de mogno antes da proibição e nas quais há mais suspeitas de extração ilegal do mogno.

Os resultados confirmam, portanto, a conexão entre mercados ilegais e o uso da violência. A proibição acaba com um tipo de empresa, mas pode abrir espaço para quem faz negócios com armas na cintura.

Claro, o argumento desta coluna não significa que todos os mercados devam ser legais. A proibição faz sentido em muitos casos. Mas esse ponto precisa ser levado em conta nas discussões.

A proibição impede a operação das empresas de Lemann. Mas pode abrir espaço para as atividades de Al Capone.