Suponha que você esteja devendo R$ 1.000 no cheque especial, pagando juros de 7% ao mês. Você consegue um empréstimo de um parente próximo, R$ 1.000, sem juros, por um mês.
Se você colocar o dinheiro na poupança, a juros de 0,65%, receberá ao final do mês R$ 6,50 além dos R$ 1.000 que você deve pagar de volta. Seria um péssimo negócio: os juros de um mês no cheque especial custam R$ 70. Seria muito melhor abater a dívida do cheque especial.
De acordo com a matéria na Folha, o ministro Nelson Barbosa anunciou ontem medidas para expandir o crédito. Em muitos casos, isso se dará “com recursos do FGTS”.
O dinheiro depositado no FGTS rende juros de cerca de 5% ao ano. A taxa básica de juros sobre a dívida do governo é 14,25% ao ano. O governo está no cheque especial.
Ao dizer que fornecerá crédito usando os recursos do FGTS, o governo quer dizer que emprestará a taxas superiores a 5% ao ano — mas inferiores a 14,25% ao ano.
Ou seja, como negócio, o governo está usando o dinheiro que toma emprestado do parente e aplicando na caderneta de poupança, enquanto paga juros muito maiores no seu próprio cheque especial.
Isso é crédito subsidiado.
Com isso, o governo pretende expandir o crédito em dezenas de bilhões de reais.
A oferta de crédito a juros mais baixos de fato aumenta os investimentos na economia? Em geral, sim. O efeito direto é que juros mais baixos tornam os empréstimos mais atrativos. Contudo, políticas macroeconômicas ruins podem tornar o investimento menos atraente. Por exemplo, a expectativa de um rombo nas contas públicas com a necessidade de taxação futura desestimula os investimentos.
OK, agora vamos considerar uma maneira alternativa de tentar expandir o crédito.
Suponha agora que ao invés de expandir o crédito dessa maneira, o Banco Central reduzisse a Selic. Os juros mais baixos tornariam o crédito mais atrativo para empresas com a corda no pescoço e para pessoas que querem comprar bens duráveis.
Haveria, também, uma expansão de crédito. Sem subsídios. Parece melhor.
Mas baixar a Selic afeta o controle da inflação, não?
Sim. Justamente porque o crédito mais barato estimula o investimento e a compra de bens duráveis. Mas isso é verdade para qualquer expansão de crédito.
No que diz respeito ao impacto na inflação e na demanda agregada, o estímulo ao crédito “com recursos do FGTS” equivale a baixar a Selic para um nível que gere a mesma expansão no crédito.
Não há porque achar que o efeito na inflação será diferente.
Há, porém, diferenças importantes entre as duas medidas.
A primeira é que a expansão do crédito subsidiado é direcionado a setores que o governo escolhe. A queda da Selic vai para todo mundo que toma empréstimos a taxas de mercado.
Ou seja, a queda da Selic beneficia a dona de um pequeno negócio que vai mal e precisa descontar duplicatas (uma modalidade de crédito) a 3% ao mês para pagar suas contas e o rapaz que quer financiamento para comprar uma geladeira. Gente que não tem assento no Conselhão.
Descontadores de duplicatas e compradores de eletrodomésticos de todo o país, uni-vos!
A segunda diferença é que a queda na Selic torna a dívida do governo mais barata. Ajuda a situação fiscal. (Detalhe: quando o BC baixa a Selic, a taxa de juros de curtíssimo prazo cai. As taxas de longo prazo, porém, podem até subir se a queda na Selic aumentar as expectativas futuras de inflação. Contudo, em geral, a taxa de juros real (descontada a expectativa de inflação) cai e é essa a que importa. Nem sempre é assim, mas quando esse não é o caso, a expansão do crédito subsidiado também tende a gerar problemas semelhantes.)
OK, então a expansão no crédito subsidiado se parece com uma queda na Selic, mas com um impacto fiscal muito pior e com benefícios para alguns setores que o governo escolhe. Faltou dizer alguma coisa?
Sim! Faltou uma parte muito importante.
Os preços!
Quem quer tomar emprestado a 3% ao mês precisa mais do dinheiro que quem só está disposto a pagar 1% ao mês.
A dona do negócio que está descontando duplicadas pagando juros altos realmente precisa desse crédito. Ela sabe que é caro. Se ela assim faz, é porque a empresa deve precisar disso para sobreviver. O retorno deve ser alto.
Por outro lado, quem só quer pagar 1% ao mês deve ter um projeto com retorno mais baixo. Por isso que essa pessoa não está disposta a pagar mais.
A economia cresce mais se o dinheiro é investido nos projetos mais rentáveis. O problema do crédito subsidiado é que ele não segue o sinal dos preços: segue caminhos determinados pelo governo.
Além das questões de equidade, há questões de eficiência: o retorno desses investimentos (e, portanto, o crescimento da economia) será muito menor, a não ser que o governo consiguisse identificar setores em que: (i) o retorno para o empresário é pequeno (por isso ele não quer pagar mais de 1% ao mês de juros) e (ii) o retorno para a sociedade como um todo é grande.
Consegue? Isso foi testado no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Deu muito errado (para a economia como um todo; claro que muitos se beneficiam).
E, mais uma vez, a gente parece estar querendo aplicar o dinheiro do parente na caderneta de poupança.
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Muitos vão me perguntar:
– Você falou que o Nelson Barbosa seria melhor do que as expectativas. O que acha agora? Continuo achando que Nelson Barbosa “tem até mais chance que Joaquim Levy de promover algum ajuste e colocar o país em um rumo um pouco melhor”. O governo vai tentar passar medidas de ajuste fiscal, está até falando em reforma da previdência e, politicamente, dever ser um pouco mais fácil vencer resistências com Barbosa que com Levy. Mas continuo achando que Nelson Barbosa “é um heterodoxo, ou seja, alguém que estudou economia lendo pesquisa de muito pouca relevância na academia internacional e que acha que isso faz sentido. “