Posições políticas: preferências e tecnologia

Por Bernardo Guimarães

Produz-se hoje um grande número de camisetas do Barcelona com o número e o nome de Lionel Messi. Produz-se muito menos camisetas do São Bento de Sorocaba com o número e o nome de Anderson Cavalo.

A produção de smartphones tem crescido vertiginosamente. É, hoje em dia, muito maior do que era há 10 anos.

No caso das camisetas, a explicação vem das preferências das pessoas: há muito mais gente interessada na camiseta do time catalão que na do clube paulista.

No caso dos telefones, a explicação vem da evolução na tecnologia: hoje somos capazes de produzir telefones que são ótimos computadores de bolso a preços inimagináveis poucas décadas atrás.

Quando queremos entender o que é produzido em uma economia, esses dois fatores são fundamentais: as preferências e a tecnologia.

É por conta das preferências que se produz muito iogurte de morango e achocolatado em pó, mas pouco iogurte de chocolate e “amorangado” em pó. E muita camiseta do Barcelona.

É por conta das diferenças na evolução tecnológica nos últimos 10 anos que a quantidade produzida de livros digitais aumentou enormemente enquanto a quantidade de cortes de cabelo não mudou muito.

Uma distinção semelhante se aplica às políticas públicas. Para uma discussão produtiva, é fundamental entender essa distinção.

Cada um de nós tem suas preferências sobre as políticas públicas.

Para construir parques, o governo precisa tributar as pessoas, nós pagamos. Quantos parques queremos? O número de iogurtes que eu compro, eu escolho. O número de parques é uma escolha coletiva.

É natural que tenhamos preferências distintas. Cada um de nós deve atribuir um valor diferente a parques, segurança, poluição, estabilidade econômica, etc.

Quanto estamos dispostos a gastar para ter uma cidade menos poluída?

Todos queremos um Brasil mais rico e uma renda mais bem distribuída. Quão importante é a melhoria na renda da família que ganha R$ 1000 por mês comparada a melhoria na renda na família que recebe R$ 4000 por mês?

Essas são questões sobre preferências.

Creio, porém, que no debate sobre políticas públicas hoje em dia, as grandes discordâncias são sobre algo que eu vou chamar de “tecnologia” (ainda que, frequentemente, disfarçada de preferências).

Todos nós queremos um país mais rico. Subsídios a setores específicos da indústria vão ajudar ou atrapalhar? O objetivo é o mesmo, as discordâncias são sobre o efeito desse tipo de política pública na economia.

Mesmo no exemplo simples da construção de parques, as questões sobre a “tecnologia” das políticas públicas são essenciais: para construir o parque, o governo precisa tributar.

Quanto se perde com a tributação? Quando o governo paga R$ 100 milhões por um serviço, qual o custo efetivo para a sociedade?

Qual será o efeito de um banco central independente na inflação e no desemprego?

Qual será o efeito do ajuste fiscal no curto e no longo prazo?

Essas são questões sobre o resultado das políticas públicas, sobre a “tecnologia”.

Posições políticas deveriam ser basicamente sobre preferências. Deveríamos tentar entender os efeitos das políticas públicas (a tecnologia) e aí discordar por conta de nossas preferências.

Se chegamos a conclusão que uma política ajuda o crescimento sem mexer na distribuição de renda, somos todos a favor; se outra política reduz o crescimento mas beneficia os mais pobres, podemos discordar.

Hoje, porém, a discussão é toda misturada. O resultado é uma discussão muito pouco produtiva.

Por exemplo, eu sempre escrevo a favor do imposto sobre combustíveis e sobre o uso dos carros. É um bom imposto por incidir sobre o que gera poluição e trânsito. Mas não me parece que eu seja mais preocupado com o meio ambiente que a maioria das pessoas.

Eu sempre escrevo contra os subsídios do BNDES. Preferências, nesse caso, importam pouco. Em linhas gerais, todos concordamos com o objetivo, o que importa é o desenvolvimento do país. O BNDES ajuda ou atrapalha? A meu ver, atrapalha. 

Ainda assim, acredito que a transição para um mundo com um BNDES muito menor pode ser muito custosa no curto prazo (dependendo de como é feita). Essas são afirmações sobre meu entendimento acerca da “tecnologia de produzir crescimento”, não sobre meus gostos pessoais.

Entendo, também, que o livre mercado tem vários méritos mas que ações diretas do governo podem ajudar bastante a reduzir a miséria. Até aqui, tecnologia.

Acho importante reduzir a miséria, mesmo que haja custos para a economia como um todo. Preferência.

Um dos vários motivos que me fazem gostar do Programa Bolsa Família é tecnológico: o programa custa pouco pelo benefício que gera. Outro motivo tem a ver com preferências: esse é um política de transferência de renda de inspiração liberal, o governo transfere renda e a família escolhe como gastar.

Da mesma forma, eu gosto muito mais das políticas que visam impedir as pessoas de dirigirem alcoolizadas do que da lei que torna obrigatório o uso do cinto de segurança. Pelo menos em parte, por preferências: eu prefiro leis que visam me proteger dos outros a leis paternalistas.

A discussão mais relevante hoje é sobre a tecnologia.

O debate sobre preferências nas políticas públicas é entre mais iogurte de morango ou mais iogurte de manga. O debate sobre a tecnologia das políticas públicas é sobre o que gera mais iogurte.

Foram os erros dos últimos anos na tecnologia das políticas públicas que esvaziaram as geladeiras de tanta gente.