O custo social do passe livre

Por Folha

Discussões sobre o passe livre costumam focar dois aspectos:

1) as contas públicas: Estados e municípios estão na pindaíba, o momento não é propício para os aumentos nos gastos públicos que o passe livre geraria.

2) distribuição de renda: o passe livre é, entre outras coisas, uma transferência de recursos dos contribuintes para quem usa o transporte coletivo.

Esses aspectos são bastante discutidos. A coluna de hoje é sobre um terceiro aspecto, muito importante, mas menos compreendido: preços são muito importantes em uma economia de mercado.

Para entender esse ponto, pense em uma economia com uma só pessoa, a economia de Robinson Crusoé.

O tempo que Robinson Crusoé vai gastar pescando, limpando a casa e cuidando da horta vai depender de quanto valor ele dá para a casa limpa, para comer o peixe e a alface.

Em uma economia com milhões de pessoas, cada um produz uma fração ínfima do que consome. Eu não pesco nem cuido de horta.

Para saber se eu vou comprar alguma coisa, eu comparo seu preço com o valor que lhe atribuo.

Suponha que o governo resolva subsidiar o peixe que eu compro. Isso é bom?

Eu vou comprar mais peixe. A sociedade vai produzir mais peixe.

Só que o subsídio não cria peixe. Pagaremos impostos para financiar o subsídio. Assim, deixaremos de comprar outras coisas, que a sociedade deixará de produzir.

O subsídio não muda a capacidade de produção do país, só muda a alocação de recursos: produzimos mais peixes e menos de outras coisas.

Na economia de Robinson Crusoé, o subsídio é como uma lei que o faz gastar mais tempo pescando do que ele escolheria. É ruim.

O mesmo ocorre na nossa economia. O subsídio nos faz alocar mais recursos na criação de peixe do que escolheríamos, como sociedade, considerando os custos reais de produção.

O custo para a sociedade do passe livre é este: mais viagens de ônibus (e menos outras coisas) do que haveria se considerássemos os custos.

Há, porém, duas considerações importantes:

Robinson Crusoé considera em suas decisões a poluição que ele cria para ele mesmo. Só que a poluição que causamos aos outros não aparece no preço de usar o carro.

Assim, seria desejável tributar mais o uso dos carros, para que levássemos em conta em nossas decisões o trânsito e a poluição gerada. Esse seria um bom imposto.

Na ausência desse imposto, o passe livre tem um efeito positivo ao gerar incentivos para as pessoas substituírem o transporte individual pelo coletivo (um ônibus gera menos trânsito e poluição que 30 carros).

Segunda questão: as pessoas vão viajar mais de ônibus se for de graça?

No curto prazo, muito pouco. Contudo, há evidências de que, no longo prazo, a reação a mudanças de preço como essa é bem significativa.

O preço do transporte se reflete no preço de outras coisas. Com o passe livre, bens e serviços que usam mais transporte ficariam mais baratos. Passaríamos a produzir mais destes.

Além disso, as pessoas passam a estruturar a vida pessoal considerando que transporte não custa.

Faz sentido transferir recursos para os mais pobres. Contudo, há outras formas de transferir renda que não geram essas distorções.

Por exemplo, pagar por boa educação e serviços essenciais de saúde para os mais pobres é uma ótima maneira de fazer essa transferência.