Tecnologia cortou centenas de milhões de empregos nos últimos séculos. Que bom!

Por Bernardo Guimarães

A matéria da Folha nos diz que a “tecnologia cortará 5,1 milhões de empregos nos próximos 5 anos”. Devemos nos preocupar?

Bem, no início do século XIX, 80% da população norte-americana trabalhava na agricultura. Hoje, esse número é cerca de 2%. Muitos empregos foram cortados pela tecnologia. Queda semelhante foi observada em todos os países desenvolvidos.

É difícil saber quantos dos empregos existentes há um século não foram destruídos. Nos países mais ricos, certamente menos de 10%. Mas isso não levou a taxa de desemprego para mais de 90%.

O que acontece é que outros empregos foram gerados, novas ocupações surgiram. Se uma parcela ínfima da população produz alimentos para todos, os outros podem dedicar suas vidas à produção de outras coisas.

OK, mas isso é bom, é ruim ou não faz diferença?

O gráfico abaixo mostra a relação entre a renda de um país e a proporção de sua população trabalhando na agricultura para diversos países em desenvolvimento.

The Shares of GDP and Labor in Agriculture decline as Countries develop – Todaro & Smith (2011)0

No eixo horizontal, temos o produto do país (medido em dólares do ano 2000, que vale mais que o dólar de hoje).

No eixo vertical, temos a proporção da população que trabalha na agricultura (pontos azuis) e a proporção do produto que vem da agricultura (pontos pretos). As curvas mostram uma espécie de relação média.

A relação é clara: nos países de renda média, a fração da população trabalhando na agricultura é muito menor. Nos países mais pobres, muita gente ainda trabalha na agricultura.

O problema dos países pobres é justamente que os empregos ruins, pouco produtivos, não foram destruídos pela tecnologia.

A tecnologia, afinal, não entra sem ser convidada. Enquanto há pessoas dispostas a trabalhar por muito pouco, há pouca automatização.

O desenvolvimento caminha com o fim de empregos pouco produtivos — ou seja, com o fim de empregos que existiam há um ou mais séculos.

Nos países mais desenvolvidos (que não estão no gráfico), a proporção de pessoas trabalhando na agricultura é super pequena. Lá, os empregos agrícolas foram destruídos pela tecnologia e pelo comércio internacional. Foram substituídos por outros empregos, muito melhores.

Hoje, produzir algo que vale US$ 100 em Myanmar gera cerca de 10 vezes mais empregos que nos Estados Unidos. Isso não significa que 90% da população americana esteja desempregada.

Significa que um habitante dos Estados Unidos é em média cerca de 10 vezes mais rico que alguém de Myanmar.

A tecnologia nos permite produzir mais com menos recursos. Isso destrói empregos, mas outros empregos são criados. É justamente essa a fonte do desenvolvimento econômico.

– O gráfico deste post está em Michael P. Todaro & Stephen C. Smith (2011) – Economic Development, 11th Edition. The Pearson Series in Economics. Eu tirei deste site.