Como mostrei neste post, a proposta dos deputados do PT para alterar a tabela do Imposto de Renda a Pessoa Física reduz o imposto de renda cobrado para quem ganha até um pouco mais que R$ 100 mil por mês.
O líder do PT na Câmara Sibá Machado diz que as propostas estão sendo elaboradas desde maio de 2015 e aponta essa mudança na tabela do IR como o principal ponto de um conjunto de medidas para o desenvolvimento com justiça social.
A proposta ultrapassa os limites do ridículo: em nome da justiça social, beneficia os mais ricos e reduz drasticamente a arrecadação do imposto de renda em um momento em que investimentos e gastos sociais são cortados.
Eu sei, não vai passar. Mas isso não é motivo para deixarmos o assunto de lado. Explico esse ponto de vista levantando duas perguntas:
1. A proposta parece oferecer uma chance de ouro para a oposição criticar o PT. Por que a oposição está tão quieta?
2. Por que o PT apresentou uma proposta tão esdrúxula?
Vicente Cândido, o deputado do PT que apresenta a proposta no site, é sócio de Marco Polo Del Nero, da CBF, um dos vilões do momento. A proposta dá um ganho para quem recebe R$ 70 mil por mês de uns dois salários mínimos mensais e, enquanto isso, o governo corta os benefícios sociais.
Que político perderia a chance de criticar uma proposta dessas?
Ainda assim, não vejo a oposição gritando sobre isso. Alguém viu?
Pode ser só incompetência da oposição. Pode ser que os políticos estejam em férias e os assessores brincando no joguinho do telefone.
Mas veja: se alguma coisa muito menos esdrúxula viesse da presidente, a oposição cairia em cima.
Imagine se a Dilma dissesse que vai dar um abono anual de R$ 5 mil para os assalariados que ganham R$ 50 mil mensais. A oposição estaria quieta? Essa proposta dá quase R$ 30 mil anuais para quem tem essa renda.
Ou, imagine que o PSDB propusesse esse abono anual para os ricos. Será que o PT estaria falando alguma coisa?
Isso tudo me leva a especular sobre possíveis razões para o silêncio ensurdecedor da oposição.
Hoje, o jogo da oposição é contra o governo, pelo impeachment. Mas PT e governo são coisas diferentes.
É claro que o governo será contra essa proposta bizarra do PT.
O governo entende que estamos precisando ajustar as contas públicas. Podemos questionar a forma e a velocidade do ajuste, mas é fato que as medidas que o governo tem tentado aprovar visam reduzir o déficit, não expandi-lo.
Ao ajudar a matar essa proposta, a oposição poderia estar ajudando o governo em uma disputa interna. Talvez a oposição prefira deixar o governo com esse fogo amigo. Será?
Será que o que eles tem em mente é algo como “a proposta não vai passar, mas o governo que se enfraqueça com esse problema interno”?
Sobre os motivos do PT para essa proposta, das duas uma: ou os deputados do PT de fato queriam reduzir o IR para quem ganha R$ 80 mil por mês, ou nem se deram ao trabalho de calcular o impacto dessa proposta na qual eles estão trabalhando desde maio.
Qualquer que seja a resposta, é difícil acreditar que a proposta seja para valer.
É quase impossível acreditar que eles tenham feito as contas e concluído “ficou ótimo, é isso mesmo que o Brasil precisa nesse momento de ajuste fiscal!”
Só posso concluir que os deputados do PT elaboraram a proposta sem considerar seriamente o que de fato aconteceria se ela fosse implementada.
E, de fato, para que pensar no que aconteceria?
Um deputado do PT, por mais tosco que seja, sabe que o governo não vai aceitar essa mudança na tabela do Imposto de Renda. Um corte dramático no IR está fora de questão.
Então, mais uma vez, o PT parece estar jogando para a torcida, sem se preocupar com a realidade.
Uma jogada estranha, mas veja:
O site do PT pergunta ao líder Sibá Machado: “vocês acreditam em uma possível resistência da oposição?” Sibá Machado diz que não, “não tem por que ficar contra a isenção da classe trabalhadora, atender à classe média.”
No site do PT, a proposta beneficia os trabalhadores e a classe média, mas a oposição, sempre contra os trabalhadores, é o obstáculo potencial à proposta.
No mundo real, o primeiro obstáculo à proposta seria o governo — e com razão!
Alguém não sabe disso?
Os frequentadores do site do PT aplaudem a proposta. Por exemplo, o presidente da Federação dos Sindicatos da Administração Tributária dos Estados, Distrito Federal e União declara no site apoio total da entidade à proposta, citando sua “justiça tributária com a observação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”
Então talvez os deputados estejam esperando que a medida melhore a imagem deles junto aos apoiadores do PT de “classe média” (assalariados e funcionários públicos que ganham de R$ 5 mil para cima).
Essa explicação pressupõe que eles esperam que a torcida do PT não compreenda ou não vá muito a fundo nos impactos da proposta. E que não entenda que esses são os 10% mais ricos do Brasil. Ou que não queira entender. Pode ser mesmo.
Isso tudo explicaria porque agora não aparece alguém do PT defendendo a proposta. A ideia seria só jogar para a torcida do partido, sem de fato discutir o assunto. É janeiro, o público geral não vai prestar tanta atenção, a oposição vai deixar passar batido…
O problema é que esse surrealismo da nossa discussão sobre política econômica acaba se traduzindo em políticas econômicas desastrosas.
Essa proposta esdrúxula nos dá uma chance de apontar o surrealismo da discussão sobre política econômica no Brasil e, assim, trazê-la mais próxima da realidade.
Por isso, eu cobro explicações do PT. E gostaria que a oposição se manifestasse.
Mais leitura:
– Falo sobre a proposta neste post e dou mais detalhes neste post.