Suponha que o governo institua subsídios a um grupo de pessoas para a compra de estátuas de gesso. Por conta dos subsídios, essas pessoas passam a demandar mais estátuas.
Esse aumento na demanda gera mais oportunidades para os produtores, que aumentam a oferta de estátuas de gesso. A política de subsídios, portanto, estimula a produção de estátuas.
Agora, se o subsídio for para a compra de estátuas de artistas falecidos, a oferta não pode reagir.
O subsídio aumenta a demanda. Como a oferta não se modifica, o preço sobe. As estátuas ficam efetivamente mais baratas para quem tem acesso aos subsídios, mas mais caras para os que não têm acesso.
Assim, o subsídio leva a um aumento no preço das estátuas e a uma realocação: algumas estátuas passam para as mãos de quem recebe os subsídios. Mas não muda a quantidade total de estátuas, porque a oferta de estátuas produzidas por Aleijadinho não reage a mudança nos preços.
Agora, os subsídios dos empréstimos do BNDES.
A Folha noticiou nesse fim de semana que o governo encerrou o bilionário Programa de Sustentação de Investimentos (PSI), um programa de empréstimos altamente subsidiados para um grupo seleto de empresas e pessoas.
O governo não cria recursos do além. Para os propósitos desse post, podemos pensar nas operações do PSI como subsídios ao crédito específicos a certas pessoas ou empresas.
A Folha também noticiou que as “empresas dizem que o crédito do BNDES propiciou mais investimento” para quem recebeu o crédito subsidiado.
Isso não é nada surpreendente. Assim como o subsídio aumenta a demanda por estátuas de gesso no exemplo desse post, o PSI leva a uma maior demanda por empréstimos.
Em parte, esses empréstimos podem ser simplesmente emprestados de volta ao governo. Nesse caso, a empresa basicamente toma emprestado do governo a 5% e empresta a 12% para o próprio governo. Um belo negócio para a empresa — e um péssimo negócio para quem paga impostos.
Mas parte desses empréstimos de fato deve ser direcionada ao investimento em máquinas e equipamentos. Assim, o crédito subsidiado deve efetivamente levar a mais investimento das empresas agraciadas com o PSI.
Assim como subsídios a estátuas aumentam a demanda por estátuas, crédito subsidiado aumenta a demanda por crédito.
Contudo, para que esse aumento na demanda de fato gere mais investimentos na economia como um todo, e não simplesmente uma realocação nos investimentos para quem tem acesso ao PSI às custas de quem não tem, é preciso que a oferta reaja.
Quem produz as estátuas de gesso nesse caso?
O mercado financeiro liga quem tem recursos a quem quer investir das mais diversas formas. Os bancos nada mais são que intermediários nas operações financeiras. O dinheiro que um banco toma emprestado de um é emprestado para outro.
No mercado financeiro, a demanda por crédito vem de quem quer investir. O subsídio aumenta a demanda.
No lado da oferta, quem “produz as estátuas” é quem deixa de consumir e poupa (“poupar” aqui significa investir no mercado financeiro, não necessariamente na caderneta de poupança).
Se a demanda por crédito aumenta, os juros sobem. Essa alta nos juros pode estimular as pessoas e empresas a consumir menos e poupar mais. Se mais dinheiro é poupado, há mais oferta de crédito para quem quer tomar emprestado.
Então, a pergunta é: quão fortemente a oferta de crédito reage a juros mais altos? Quanto as pessoas deixam de consumir e passam a poupar por conta de taxas de juros mais altas?
Empiricamente, essa pergunta não tem resposta clara. É difícil estimar, mas o efeito parece ser pequeno.
À primeira vista, pode parecer estranho que taxas de juros mais altas não levem as pessoas a poupar mais, mas isso é menos estranho que parece. Explico com um exemplo.
Uma taxa de juros de 4% ao ano multiplica seu dinheiro por 4 em 35 anos. Uma taxa de juros de 5% ao ano multiplica seu dinheiro por 5,5 no mesmo período.
Deveríamos esperar que quem poupa para a velhice consumisse menos e poupasse mais no caso de juros de 5% ao ano?
– Por um lado, com juros mais altos, poupar mais fica mais atrativo por conta do maior retorno.
– Mas por outro lado, é preciso poupar menos para garantir um certo padrão de vida na velhice.
Qual efeito é o mais forte? Não é claro. As lições desse exemplo se aplicam a uma gama maior de situações. O ponto é que a oferta de crédito (a poupança) parece reagir relativamente pouco à taxa de juros.
Em suma, por conta do crédito subsidiado, algumas empresas demandam mais crédito e investem mais. Contudo, para que haja mais investimento na economia como um todo, é preciso que a oferta de crédito aumente. Alguém precisa produzir mais estátuas.
A oferta não parece reagir fortemente a taxa de juros. Assim, não é claro que os enormes subsídios ao crédito levem a um aumento relevante do investimento da economia como um todo.
O que é claro é que o crédito subsidiado causa uma realocação de recursos na economia: a taxa de juros fica mais baixa para quem tem acesso ao crédito subsidiado, mas mais alta para os outros.
Mais leitura:
– Eu expliquei o efeito das operações do BNDES na taxa Selic sob uma outra ótica neste post.
– Eu discuto os efeitos dessa realocação do crédito no meu livro A Riqueza da Nação no Século 21.