Além das boas ou más intenções

Por Bernardo Guimarães

Em sua coluna de ontem na Folha, Laura Carvalho argumenta que a política econômica do governo Dilma beneficiou o setor industrial e a Fiesp. Em suas palavras, “o setor empresarial foi o maior beneficiado pela expansão fiscal do primeiro governo Dilma Rousseff”.

Estaria então a colunista tardiamente reconhecendo que não devemos enxergar o PT como o defensor dos mais pobres?

De fato, muitas ações do primeiro governo Dilma Rousseff tiveram o efeito direto de beneficiar grandes grupos industriais.

A lei do conteúdo local, de dezembro de 2010, criou uma grande reserva de mercado para fornecedores nacionais de empresas como a Petrobrás.

Para tornar a vida desses empresários ainda mais fácil, o BNDES financiou muitos desses a taxas de juros bem inferiores às de mercado.

Aliás, a enorme expansão do BNDES direcionou crédito para as grandes empresas, o que tem um efeito negativo sobre a oferta de crédito para quem não tem acesso ao crédito subsidiado do BNDES (a maioria da população).

Vou então dizer que Dilma Rousseff tinha como objetivo a defesa do interesse dos mais ricos? Não.

Pelo menos em parte, no início, Dilma Rousseff e sua equipe realmente acreditavam que essas políticas seriam boas para o país como um todo.

Pelo menos em parte, o governo de Dilma de fato acreditava que a Nova Matriz Econômica estimularia a economia sem perder o controle da inflação; que a enorme expansão de crédito do BNDES promoveria o crescimento; que a lei do conteúdo local traria ganhos para a economia no médio e longo prazo.

Essas políticas não funcionaram. Para o país como um todo, foram muito ruins.

O desenvolvimentismo do primeiro governo Dilma foi um obstáculo ao crescimento da economia. A Nova Matriz Econômica foi um fracasso. As políticas monetária e fiscal empurraram parte do problema para o futuro. O futuro chegou em 2015.

É isso que precisamos aprender.

As divergências entre os que defendiam (e defendem) esse tipo de política e aqueles que, como eu, são contrários a elas não têm a ver com seus efeitos sobre ricos ou pobres.

Minha principal objeção a essas políticas é que elas são ruins para o país como um todo — não que elas beneficiam mais este ou aquele grupo.

O que está em jogo é o que é melhor para o país. Nenhum dos lados do debate tem o direito de ser visto como o defensor bem intencionados dos mais pobres, nem deve receber a pecha de mal-intencionado defensor dos ricos. Precisamos começar a discutir política econômica nesses termos.

O frustrante é que o governo e os defensores de suas malfadadas políticas têm logrado transformar esse debate sobre o que é melhor para o país como um todo em um embate entre poderosos e oprimidos (com o governo do PT ao lado dos oprimidos).

E muitos dos leitores da coluna de Laura Carvalho vão continuar pensando dessa maneira, mesmo depois de ler que a expansão fiscal do primeiro governo Dilma foi focada nos mais ricos.

Afinal, depois de uma coluna toda sobre os benefícios concedidos pelo governo do PT aos mais ricos (leia-se, aos membros da Fiesp), a colunista coloca a Fiesp ao lado dos maus (a CIA, o governo americano e os golpistas de 1964) contra o governo do PT.

A torcida do PT vibra com a comparação do apoio da Fiesp ao impeachment ao golpe militar de 1964. O PT é mais uma vez colocado como o inimigo dos mal intencionados.

O argumento tem a sofisticação intelectual de um grito de quem assiste futebol (“chupa!”) mas não é preciso mais que isso para dar munição aos torcedores da política.

Mais leitura:

– Para uma explicação mais completa sobre os efeitos dessas políticas sobre a economia como um todo, recomendo meu livro A Riqueza da Nação no Século XXI.

– Sobre o impeachment, não tenho nada interessante a acrescentar sobre o que já foi dito por colunistas como o Hélio Schwartsman (por exemplo, aqui).

– Sobre a Fiesp, escrevi algo neste post.