O torcedor da política

Por Folha

Imagine que você tivesse votado no partido de que menos gosta nas eleições mais recentes para presidente e governador.

Imagine-se apertando o número do partido, vendo a foto na urna eletrônica e confirmando o voto.

Absolutamente nada teria mudado no mundo da política. O resultado da eleição teria sido exatamente o mesmo.

A chance de seu voto modificar o resultado de uma eleição desse tipo é, praticamente, nula.

Isso é diferente da grande maioria das decisões que tomamos em nossas vidas. Se você comprar um sapato desconfortável, é o seu pé que dói.

Assim, cada um de nós tem fortes incentivos para fazer boas escolhas de consumo, carreira, investimentos etc.

Esses incentivos não aparecem na hora de escolher o voto. Se eu achar divertido votar em um candidato psicopata, não sofrerei as consequências.

Claro, se muitos acharem divertido votar nesse psicopata, todos nós sofreremos –mas não há praticamente nada que meu voto possa fazer a respeito.

Sendo assim, poderíamos pensar que as pessoas não dedicariam tempo para se informar sobre os candidatos e participar do processo político.

O fato, porém, é que as pessoas dedicam bastante tempo a questões políticas. Por quê?

O sentimento de dever cívico pode ser parte da explicação: um voto faz muito pouca diferença, mas o funcionamento do sistema depende da pequena contribuição de cada um.

Há, também, a nossa vontade intrínseca de entender as coisas e participar dos processos que definem os rumos da sociedade. Ainda que nossa participação individual praticamente não afete o todo, gostamos de entender e participar.

Contudo, a motivação para a participação nas discussões políticas envolve mais que isso.

Afinal, gastamos bastante tempo com coisas que não têm efeito prático na nossa vida.

Em particular, torcemos.

Quando um time de futebol ganha um campeonato, milhões de pessoas que assistiram aos jogos pela televisão se sentem vitoriosas. Os torcedores.

Um time ou seleção de futebol faz parte da identidade dos torcedores.

O partido ou a preferência polí- tica (por exemplo, “esquerda”), também. Assim como há santistas e palmeirenses, há petistas e tucanos. E, assim como há fãs do Neymar, há torcedores de personagens da política.

A vitória do partido ou da pessoa é como a vitória do time: faz o torcedor se sentir vitorioso.

O argumento “o outro partido também roubou” é muito parecido com “nosso gol foi de mão, mas no outro jogo o juiz não deu um pênalti para nós”.

Na política, todos nós temos um pouco de torcedores. Alguns mais, outros menos. Tudo bem, faz parte.

O problema é não perceber isso e se tornar um torcedor da política.

O torcedor corintiano entende que, no ano que vem, torcerá para Alexandre Pato do São Paulo se ele passar a jogar pelo Corinthians.

O torcedor da política, não. Ele é um cego que não quer ver.

Ele crê que está defendendo valores, princípios, uma ideologia, mas está só torcendo por sua identidade política. Quer se sentir campeão.

Preso a uma identidade, o torcedor da política pode tomar decisões muito erradas. Para ele, não faz diferença!

Quem paga o preço de um grande número de torcedores da política é a sociedade como um todo.