Por que os povos da América não descobriram a Europa?

Por Bernardo Guimarães

Maias, astecas, incas… Há registros de muitas civilizações avançadas na América antes da chegada dos europeus no final do século 15.

Entretanto, em comparação, as civilizações da Eurásia são ainda mais impressionantes. Há mais de 5 milênios, no Oriente Médio, já havia a escrita. O código de Hamurabi data de cerca de 1700 A.C. e o direito da Roma antiga tem influência no sistema legal até hoje. Estima-se, aliás, que a cidade de Roma tenha chegado a abrigar 1 milhão de habitantes há quase dois milênios.

Acredita-se que há três mil anos, já se produzia aço de qualidade onde hoje é o Irã. Há mais de dois mil anos, Eratóstenes estimaria a circunferência da Terra com boa precisão.

Com essa vantagem inicial, não é de se espantar que os povos da Eurásia tenham conquistado o poder na América antes dos povos da América começarem a se organizar para descobrir outros mundos.

Mas por que os povos da Eurásia chegaram antes nesse nível de desenvolvimento que os povos da América?

Explicações baseadas na superioridade ou inferioridade intrínseca de alguns povos falham os primeiros testes. Mas se alguns não eram mais inteligentes ou mais belicosos que outros, por que ao final do século XV, alguns estavam tão mais preparados para conquistar as terras dos outros?

Uma explicação muito respeitada é apresentada por Jared Diamond em seu livro “Armas, germes e aço”.

Tudo começa com o desenvolvimento da agricultura. Há mais de 10 milênios, em regiões da China e do Oriente Médio, os seres humanos já estavam deixando de ser caçadores-coletores, se tornando agricultores. Esse desenvolvimento da agricultura se espalharia pela Eurásia em não muito tempo.

Por que a Eurásia sai na frente? Em primeiro lugar, Diamond, que é biólogo, argumenta que algumas espécies de plantas presentes da Eurásia eram mais fáceis de serem adaptadas ao cultivo agrícola que as espécies presentes da América, mas essa seria apenas uma parte da história.

Mais interessante, a difusão de técnicas e conhecimentos seria mais fácil na Eurásia que na América por conta da geografia. O ponto chave é que, com frequência, o que se cultiva em um determinado lugar pode ser cultivado também 2 mil quilômetros para o oeste e para o leste, mas em geral, não pode ser cultivado 2 mil quilômetros para o norte ou para o sul.

O clima, afinal, depende muito da latitude, não da longitude.

Como mostra o mapa abaixo, as espécies domesticadas onde hoje é a Turquia poderiam ser transferidas sem grandes problemas em direção à Europa Ocidental e, também, à Asia. Por outro lado, era bem mais difícil transferir o que se cultivava onde hoje é o México para o Norte ou para o Sul por conta da geografia e das mudanças no clima.

diamond

Essa maior possibilidades de aprender dos outros na Eurásia levou a um desenvolvimento maior da agricultura.

Com a agricultura, surgem estoques de alimentos e a possibilidade de roubá-los. Surge também a possibilidade de arrecadar impostos e sustentar um grupo que vende proteção. Assim, nascem os reis e os Estados.

Como eu expliquei no post anterior, a possibilidade de taxar não depende apenas da produtividade agrícola. Alguns estudiosos argumentam que os Estados se desenvolveram mais onde havia o cultivo de cereais, pela facilidade de tributar.

Seja como for, isso tudo tornava mais fácil o surgimento de reis e Estados na Eurásia. Esses “reis” tributavam as pessoas e vendiam proteção mas, com o tempo, também passariam a prover bens públicos.

Esse papel de um rei na época é descrito em textos antigos, como a Bíblia. Em I Samuel 8:10-20, Samuel explica às pessoas que um rei tomaria parte dos grãos que elas produzem, faria seus filhos e filhas trabalharem para o rei e as exploraria de diversas formas.

As pessoas respondem a Samuel que querem um rei mesmo assim. Sim, por um lado, o rei seria um explorador, taxando o que as pessoas produziam. Mas por outro lado, parte desses recursos seria utilizado para prover bens públicos para as pessoas.

Bens públicos incluem estradas, sistemas legais e de justiça, sistemas de irrigação, coisas que permitem um maior desenvolvimento. Nessa passagem do livro de Samuel, o exemplo citado de provimento de bens públicos é a guerra com outros povos. Os impostos pagos pelos agricultores poderiam financiar exércitos para defendê-los e atacar os outros. (Ainda que haja guerras hoje em dia, o mundo melhorou muito desde então.)

Assim, os Estados começam a se desenvolver mais onde a agricultura é mais desenvolvida. Com o decorrer dos milênios, esses Estados passam a ter exércitos com poderosas armas de aço.

Além disso, Estados fortes podem sustentar aglomerações em cidades, pois muitas pessoas passam a viver não da produção de alimentos, mas de outras coisas.

Aglomerações em cidades tornam mais fácil a propagação de doenças epidêmicas, como a varíola e o sarampo. Muita gente nas cidades vai morrer desse tipo de doença.

Parece muito ruim. Note, porém que, com o tempo, passa a haver na população apenas quem tem maior resistência a essas doenças.

E é justamente o rapaz que não morreu de sarampo e varíola que vai chegar à América com germes e poderosas armas de fogo.

Sem terem sido previamente expostas a essas doenças, as populações da América foram dizimadas pelos germes trazidos da Europa.

Por que os europeus não morreram com vírus americanos? Na América, cidades grandes eram bem menos comuns, menores e muito mais recentes que as maiores cidades da Eurásia. Assim, vírus tão letais não se espalharam tanto por aqui.

Eis um breve resumo de uma história que se desenvolve por milênios e explica porque os povos da Eurásia descobriram a América, e não o contrário.

Referência:

– Essas ideias são desenvolvidas no livro “Armas, Germes e Aço” (Guns, Germs and Steel) de Jared Diamond. O livro é um dos mais influentes trabalhos nesse campo do conhecimento e eu recomendo fortemente para quem quer entender mais sobre o caminho traçado pela humanidade nos últimos milênios. Tendo dito isso, a meu ver, o livro não é particularmente bem escrito. Além disso, como ocorre com frequência em obras inovadoras, é provável que parte do argumento não sobreviva ao teste do tempo e à pesquisa futura (o post anterior é um exemplo de crítica à uma parte do argumento). A parte final do livro, em especial, me parece menos interessante.