Por que não havia um imperador na Amazônia?

Por Bernardo Guimarães

A Folha de ontem mostrou que de acordo com pesquisa recente, a Amazônia antes do descobrimento pelos europeus tinha ao menos 8 milhões de habitantes.

Talvez os moradores de São Paulo no século 21 não se impressionem com esse número, mas as estimativas que temos para a população do Egito antigo são menores: cerca de 5 milhões de pessoas na época do Império Romano, e algo como 1 ou 2 milhões de pessoas nas primeiras dinastias.

Esses números são estimativas relativamente pouco precisas, mas são o que temos de melhor até o momento. Mesmo que a área potencialmente populada da Amazônia seja bem grande, 8 milhões de pessoas é muita gente.

Surge, então, uma pergunta importante: não deveríamos esperar encontrar uma civilização avançada na Amazônia com grandes monumentos aos seus imperadores?

De acordo com pesquisa recente em economia, a resposta é não. Não porque as pessoas em cada um desses lugares fossem “melhores” ou “piores”, mais inteligentes ou mais malvadas. Esse tipo de explicação pode vir à mente de quem nunca pensou no assunto, mas não sobrevive a um maior escrutínio.

Há pirâmides no Egito porque lá se cultivavam cereais; na Amazônia, foi diferente porque se cultivavam frutos e tubérculos. Uau!

Essa importância dos cereais nas civilizações é uma teoria (amparada por evidência estatística), não é um fato. O tempo e pesquisa futura nos dirão quão relevantes são os cereais. Ainda assim, a explicação para essa relação é muito interessante.

Civilizações avançadas, como a do antigo Egito, tinham o poder centralizado e uma elite que não precisava produzir alimentos. Os impostos pagos por quem produzia comida alimentavam os nobres.

Os impostos sustentavam o luxo dos imperadores (como os faraós), o alimento de quem construía os monumentos (as pirâmides) e o que mais fosse preciso para que a elite conseguisse extrair recursos dos fazendeiros.

Não parece bom. Mas os impostos também garantiam o sustento dos escribas, financiavam a existência de um sistema legal e outros tipos de bens públicos (como estradas e aquedutos).

Impostos também financiavam os exércitos e as conquistas dos imperadores sobre outros povos, o que gerava maior possibilidade de extração de renda.

Sem poder centralizado, os fazendeiros não precisam financiar os luxos do imperador, mas também há menos provisão de bens públicos, menos conquistas militares e menos nobres que podem dedicar sua vida inteira estudando o movimento das estrelas.

Agora, como se consegue a capacidade de coletar impostos?

Cereais são perfeitos para isso por dois motivos: (1) a colheita se dá em um período relativamente curto; e (2) cereais podem e devem ser estocados por um longo período de tempo. Bela oportunidade para os coletores de impostos (e também para os ladrões). O fazendeiro não tem como escapar.

Vendo de uma maneira mais crua, um grupo disposto a brigar pode entrar em conflito com os fazendeiros, ou pode fazer um acordo: ao preço de uma certa quantidade de trigo, eles não atacam e ainda os protegem de outros ataques.

Assim, o cultivo de cereais gera tanto a demanda por proteção (fácil roubar) como a possibilidade de provimento (fácil cobrar impostos).

Com o tempo, esses impostos podem passar a financiar mais atividades. Eis o curioso papel da extorsão no desenvolvimento.

No antigo Egito, cereais funcionavam até como moeda. Com o desenvolvimento da sociedade, surgem outras formas de cobrar impostos e de transacionar, mas em uma sociedade primitiva, não há muitos outros meios de começar.

Por outro lado, raízes e tubérculos são diferentes: a colheita depende muito menos da estação do ano e eles são muito mais perecíveis. Assim, fica muito mais fácil para o fazendeiro escapar dos impostos e muito mais difícil o armazenamento do imposto coletado.

Na Amazônia, se cultivava mandioca, batata doce, frutas… não havia trigo, nem cevada.

Agora, compare a mandioca com o trigo: a mandioca estraga muito mais rapidamente. Se o centro do império for longe, a mandioca estraga antes de chegar.

Outra diferença importante é que o fazendeiro não precisa programar para colher a mandioca em um espaço de tempo tão curto.

Assim, não é possível coletar (como imposto) uma quantidade grande de mandioca do fazendeiro, levá-la para capital e usá-la aos poucos.

Consequentemente, em uma sociedade que vive da mandioca e da batata doce, taxar para sustentar um poder centralizado fica caro demais.

Assim, por conta das espécies cultivadas, faz sentido que tenha havido muito menos centralização de poder na Amazônia.

Sem centralização de poder, não há escravos construindo mausoléus, nem escribas documentando o movimento dos astros.

De acordo com essa teoria, a Amazônia pode de fato ter tido uma alta produtividade de alimentos, capaz de sustentar uma grande população, sem que isso levasse ao surgimento de um poder centralizado, grandes monumentos e nobres estudiosos.

Correta ou não, essa teoria mostra uma característica comum de boa parte da pesquisa econômica sobre sociedades antigas: por trás da história, há a geografia.

Referências:

– O artigo no qual esse post se baseia, sobre o desenvolvimento dos Estados onde se cultivam cereais, é J. Mayshar, O. Moav, Z. Neeman, e L Pascali (2015), “Cereals, Appropriability and Hierarchy”, CEPR Discussion Paper 10742. O artigo se opõe, em parte, à teoria de Jared Diamond apresentada no livro “Guns, Germs and Steel”, que eu explico neste post.

– Sobre estimativas da população no antigo Egito, este site tem algumas referências.