O imposto sobre o combustível no curto e no longo prazo

Por Bernardo Guimarães

A Folha noticia hoje que a presidente vai se esforçar para aprovar a CPMF nos próximos meses e que o imposto sobre os combustíveis, a Cide, não tem o seu aval.

Como eu expliquei em post anterior, a Cide seria um imposto muito melhor. Neste post, trato de uma questão sobre a Cide que eu tenho recebido dos leitores deste blog.

Antes, um breve resumo do argumento: a Cide é um imposto melhor porque desencoraja uma atividade que de fato queremos desincentivar. Um imposto desencoraja justamente as atividades que geram a base da arrecadação. Um imposto sobre o salário desencoraja o trabalho no setor formal; a CPMF desencoraja transações financeiras; a Cide desencoraja o uso de combustíveis; etc.

Não queremos desincentivar o trabalho e as trocas, mas queremos reduzir o uso de combustíveis por conta da poluição e do trânsito — pois esses custos do uso do combustível não são arcados pelo indivíduo que anda de carro, mas pela sociedade como um todo. Para uma explicação mais completa, veja o post anterior sobre a Cide.

A questão que me é colocada é a seguinte: quase todos os setores da economia dependem de combustível. Os consumidores também. O problema é que é muito difícil substituir a gasolina por outros insumos. Quem vai deixar de ir ao trabalho de carro porque a gasolina subiu 10%? Então, o imposto não reduziria o uso de combustíveis, só deixaria tudo mais caro.

Respostas: (1) mesmo que o imposto só deixasse tudo mais caro, ele ainda seria melhor que outros que desincentivam o trabalho e as trocas; (2) mais interessante, esse tipo de imposto tem efeitos bem diferentes no curto e no longo prazo.

Para a parte (1), note que todo imposto deixa os bens mais caros ou tira renda das pessoas. Um imposto que arrecada R$ 10 bilhões vai transferir esse montante das pessoas e empresas ao governo. Isso se refletirá em preços mais altos ou em renda menor.

Todo imposto tem esse efeito. Mas em geral, impostos têm o efeito adicional de reduzir incentivos para a produção e as trocas. Um imposto que apenas deixa tudo mais caro não tem esse efeito negativo.

Para a parte (2), de fato, se a gasolina ficar muito mais cara neste fim de semana, muito poucas pessoas vão deixar de usar o carro na semana que vem; as empresas não vão conseguir usar menos combustível em seus processos produtivos do dia para a noite.

Contudo, é de se esperar que, com o passar do tempo, as pessoas e empresas comecem a se adaptar à nova situação. Aos poucos, as pessoas vão organizando sua vida para usar menos o carro; novas tecnologias que usam menos combustível são desenvolvidas; assim, o imposto acaba tendo o efeito desejado.

Parece fazer sentido, mas há alguma estimativa desse efeito?

Trabalho recente de Per Krusell e co-autores busca estimar o efeito de mudanças nos preços dos combustíveis, no curto e no longo prazo, a partir de dados macroeconômicos que cobrem várias décadas.

O resultado é o seguinte: no curto prazo, de fato parece haver muito pouca substituição de combustíveis fósseis por outros insumos. Por exemplo, o efeito imediato no uso de combustíveis da enorme alta no preço do petróleo em 1973 parece ser relativamente pequeno.

Contudo, mesmo uma possibilidade muito pequena de substituição no curto prazo pode ter um efeito grande no longo prazo. Eles estimam um parâmetro que pode ser interpretado como o avanço tecnológico em métodos de produção que não usam combustíveis fósseis (vou chamar de tecnologia limpa). O resultado é muito interessante:

– Entre 1949 e 1973, o petróleo está barato e seu preço caindo. O progresso nos meios de produção que usam tecnologia limpa é estimado em 0,15% ao ano.

– Entre 1973 a 1981, quando o preço do petróleo está nas alturas, o progresso nos meios de produção que usam tecnologia limpa é estimado em 3,7% ao ano.

– Esse valor cai um pouco a partir de 1981 (assim como o preço do petróleo), mas continua alto e parece responder bastante a variações no preço do petróleo.

As conclusões do artigo não devem ser tomadas como verdades absolutas, há muito que ainda precisamos aprender sobre o assunto, mas tampouco faz sentido descartar esses resultados.

No curto prazo, tornar o combustível mais caro tem um efeito muito pequeno no consumo e em seu uso como insumos. Contudo, a alta no preço do combustível estimula mudanças nos processos produtivos (e, quem sabe, no modo como organizamos nossas vidas) que, no longo prazo, parecem de fato reduzir bastante a demanda por combustíveis fósseis.

Referência:

– “Energy-saving technical change”, de John Hassler, Per Krusell, and Conny Olovsson, disponível aqui.