Religião é um assunto que envolve muitos aspectos diferentes. Esse post busca passar uma das visões econômicas da religião.
Vivendo em sociedade, frequentemente temos que escolher entre “cooperar, fazer o certo” e “trapacear, levar vantagem”.
Por exemplo, pessoas envolvidas em um negócio frequentemente tem a chance de roubar um pouco dos ganhos da outra (“trapacear”), com baixa chance disso despertar suspeitas.
Ou, considere duas pessoas de uma comunidade primitiva caçando ou lutando em guerra contra um inimigo. Se um é ferido, o outro pode ajudá-lo (“cooperar”), ainda que isso implique riscos para si mesmo, ou pode abandonar o parceiro (“trapacear”).
De modo geral, as pessoas de um grupo estarão melhor se todos cooperarem, se ninguém trapacear. Isso possibilitará mais negócios (pois uma confia na outra), mais empenho nas batalhas (pois um sabe que o outro tentará socorrê-lo, se preciso for), etc.
Contudo, para um indivíduo pensando apenas em si mesmo, com frequência o melhor será “trapacear, levar vantagem”.
Além disso, cooperar é ainda mais custoso se o outro não coopera. O indivíduo que age de boa fé com um membro da comunidade que quer roubá-lo é o que mais tem a perder.
Em suma, apesar de “cooperar” ser o melhor para a comunidade, os indivíduos estarão tentados a “trapacear” com frequência. Essa perda de confiança nos outros afeta as decisões de cada um: há menos negócios, batalhas e caçadas. Isso afeta negativamente o grupo.
Essa exposição pode passar a ideia de uma visão simplista da humanidade, sem espaço para qualquer outro senso de moralidade. Não é isso. O ponto é que induzir mais cooperação entre as pessoas nos negócios e nas batalhas contra outros grupos traz vantagens para a comunidade.
Agora, entra a religião.
Suponha que exista nesse mundo a seguinte crença: se você trapacear, uma força superior lhe punirá; se você cooperar, uma força superior lhe recompensará. As punições e recompensas ocorrerão na vida que começa depois da morte.
Digamos que essa crença seja parte de um conjunto de crenças, chamada de “religião”.
Essa crença tem o poder de induzir os indivíduos a cooperarem, mesmo quando seria possível roubar sem o parceiro perceber, abandonar o amigo ferido ou fugir da batalha. Para o grupo como um todo, isso traz muitas vantagens no longo prazo.
Há, porém, uma questão: como eu vou saber que meu parceiro também vai cooperar comigo e, portanto, vale a pena cooperar?
Bem, ele vai cooperar comigo se acredita que será recompensado se assim o fizer, ou seja, se ele acreditar na religião.
Mas como eu sei que ele acredita na religião?
Suponha que, de acordo com a religião, as forças superiores que recompensam as boas ações também punem quem não obedece o jejum em determinadas épocas do ano, as mulheres que cortam cabelos ou as pessoas que não oferecem seus serviços ou doações aos templos.
Quem acredita na religião estará disposto a esses sacrifícios e privações e, com frequência, estará feliz de seguir as instruções e participar dos rituais, pois estará agradando às forças superiores.
Esses custosos rituais mostram que uma pessoa envolvida acredita que será punida se não cooperar com seu grupo. Assim, para os outros que também acreditam na religião, vale a pena cooperar com ela.
Como consequência, o grupo todo fica melhor, apesar dos custos (se esses não forem altos demais).
O que emerge dessa análise é o seguinte:
(1) A crença em uma força superior que recompensa os humanos por boas ações e pune as más ações pode trazer benefícios para a comunidade por si só (independentemente da existência ou não das punições depois da morte).
(2) Faz todo sentido que essa crença exija rituais custosos, pois isso permite às pessoas mostrarem aos outros que acreditam no conjunto de crenças (“a religião”) e, portanto, que vão cooperar. Assim, faz sentido cooperar com elas.
Uma implicação desse argumento é que não é nada surpreendente que a religião seja um componente importante da grande maioria das sociedades que prosperaram.
Cooperar, em geral, é algo muito bom. Entretanto, em muitos casos importantes, “cooperar” pode significar arriscar a vida na guerra. O grupo que tem indivíduos dispostos a morrer pela vitória na batalha vai ter mais chances de vencer guerras e, portanto, conquistar territórios e prosperar.
De acordo com essa lógica, não é nada estranho que a religião seja, ao mesmo tempo, fonte de crenças que nos levam a cuidar do próximo, mas também fonte de crenças que nos levam a matar quem enxergamos como inimigo.
Referências:
– Implicações dessa visão econômica da religião são estudadas, por exemplo, em artigos recentes de Gilat Levy e Ronny Razin, como: “Religious Beliefs, Religious Participation and Cooperation”, American Economic Journal: Microeconomics, 2012; “Rituals or Good Works: Social Signalling in Religious Organizations”, Journal of European Economic Association, 2014.