“Erramos e mentimos”

Por Folha

Ocorreu em fevereiro de 1972 a primeira visita oficial de um presidente norte-americano à China, controlada pelo Partido Comunista desde 1949. A visita abriu as portas para que Estados Unidos e China estabelecessem relações diplomáticas.

O interessante é que o presidente norte-americano na época era Richard Nixon, do Partido Republicano, conhecido por suas fortes posições anticomunistas.

Por que Nixon? Por que não um de seus antecessores do Partido Democrata, como John Kennedy?

De acordo com uma bem aceita explicação, Nixon foi o primeiro presidente americano a ir à China justamente por suas posições anticomunistas. Somente um presidente como Nixon teria visitado a China naquele momento.

A ideia parte de dois pressupostos: 1) os governantes têm melhor informação que os eleitores sobre os reais efeitos de políticas; e 2) os governantes têm suas próprias crenças, que batem com as de alguns eleitores, mas não com as de outros.

No exemplo, no início dos anos 1970, o governo americano julgava que estabelecer reações com a China seria vantajoso para o país como um todo. As pessoas não tinham informações suficientes para julgar.

Se um presidente democrata como Kennedy resolvesse visitar a China, os eleitores com fortes sentimentos anticomunistas se perguntariam: será que Kennedy não faz isso porque nutre alguma admiração pelo comunismo e pensa em trazer algo do regime chinês para os Estados Unidos? (Essa ideia parece bizarra no Brasil do século 21, mas não era nos Estados Unidos dos anos 1960 e 1970.)

Agora, se o anticomunista Nixon visita a China, só pode ser porque ele de fato julga que a visita interessa aos americanos, mesmo aos que, como ele, se opõem fortemente a qualquer ideia comunista.

Na literatura de economia política, a expressão “Nixon foi à China” virou jargão para designar esse tipo de ação política.

No Brasil, Dilma Rousseff demonstrou em seu primeiro mandato a oposição a políticas que ela classificaria de “conservadoras”. O resultado foi um óbvio fracasso. Pelo menos em parte, Dilma entendeu.

No segundo mandato, Dilma empossou Joaquim Levy no ministério, visando uma mudança na política econômica e, em particular, um ajuste fiscal.

O problema é que, diferentemente do exemplo de Nixon, isso vai radicalmente contra todo o discurso da presidente, incluindo a campanha. (Nixon dizia antes de ser eleito que era preciso melhorar relações com a China.)

Politicamente, é difícil dizer “erramos feio e mentimos muito”. Ao entregar o ministério a Levy, a presidente dizia isso de maneira sutil. Ao bom entendedor, bastaria.

Seguindo a lógica do exemplo de Nixon, o eleitor brasileiro pensaria o seguinte: se até Dilma quer fazer o ajuste fiscal, então essa deve ser mesmo a melhor escolha.

Muitos de fato entenderam. Só que muitos agem como se as propostas de ajuste não fossem do PT e do governo, mas de um ministro que está lá por acaso.

Agora, fala-se em substituir Levy, mas é claro que a primeira tarefa do novo ministro será o ajuste fiscal. Dilma estará repetindo: “Erramos e mentimos”.

Será que finalmente acabará esse falso debate sobre a necessidade de um ajuste?

Referências:

– Artigos acadêmicos que desenvolvem a explicação sobre eventos como a visita de Nixon: A. Cukierman and M. Tommasi (1998), “When Does It Take a Nixon to Go to China?”, American Economic Review 88, 180-197; T. Cowen and D. Sutter, “Why only Nixon could go to China”, Public Choice 97, 605-615 (1998).