A raiz do problema

Por Bernardo Guimarães

Lula, Dilma, Temer, Aécio, Marina, Serra, não importa: quem estivesse no governo estaria buscando fazer um ajuste fiscal. Todos eles e muitos outros acreditam que o país estará pior sem o ajuste.

As possíveis exceções a esse consenso seriam partidos com muito pouca expressão, mas não é claro que esses seriam fiéis a seus discursos se acaso vencessem a eleição.

Apesar desse consenso, muito pouco ajuste fiscal foi feito. Claro, há discordâncias sobre a forma de fazer o ajuste fiscal, mas esse não é o principal empecilho. O problema é que muitos eleitores são contra o ajuste.

Em casos como esse, os políticos têm dois caminhos: (1) tentar convencer a população (se possível, antes da eleição); ou (2) falar uma coisa e tentar fazer outra.

Por tempo demais, a segunda opção tem sido escolhida – e, frequentemente, premiada pelos eleitores.

Em uma democracia que funciona bem, há partidos políticos com visões e propostas distintas. O partido que ganha a eleição busca implementar medidas condizentes com seus ideários que, em linhas gerais, são conhecidos pelo eleitor. Assim, ao votar em um candidato, estamos votando em um conjunto de propostas.

Aqui, não. Aqui, há o curioso conceito de estelionato eleitoral, que consiste, nas palavras de Lula, em ganhar as eleições com um discurso e, depois, mudar o discurso e fazer o que dizia-se que não seria feito.

Temos, então, uma estranha forma de democracia: o discurso de campanha não é para valer e nem é claro que um partido buscará implementar medidas consistentes com suas bandeiras. Não é só que os candidatos prometem demais; por vezes, prometem o oposto do que buscarão fazer.

A questão fiscal é apenas um exemplo do debate político de mentira que tem assolado o país nos últimos anos. Na eleição de 2014, dos pratos que sumiam das mesas das pessoas às ameaças de se entregar o Ministério da Fazenda a um banqueiro, nada buscava se relacionar à realidade.

O debate político em 2014 centrava-se em questões sobre as quais havia muito pouca diferença nos reais planos dos candidatos. Muito pouca atenção era dada a questões sobre as quais havia, de fato, grandes diferenças entre os planos da oposição e as ações de Dilma no primeiro mandato.

Por trás da dificuldade de governar de hoje, está o debate de mentira que há tempos assola o país.

De maneira mais geral, falta à nossa democracia uma discussão política de verdade. Assim, fica difícil construir um país melhor.

Na raiz do problema, a meu ver, há dois fatores: (1) a maior parte das pessoas (inteligentes e bem informadas) entende relativamente pouco de economia; e (2) os caminhos da história recente da nossa política contribuíram para nos trazer ao surreal debate corrente.

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Por conta disso, há um ano, eu resolvi descer da proverbial torre de marfim onde se passa minha vida acadêmica para escrever um livro. A versão impressa será lançada nessa sexta-feira dia 6 de novembro, pela Editora BEI. A versão digital (com pequenas diferenças, cerca de 4 páginas mais curta) foi lançada em julho deste ano.

O livro tem dois objetivos básicos: (1) gerar uma compreensão mais clara e profunda sobre política monetária, ajustes fiscais, o programa Bolsa Família e várias outras questões de política econômica menos aparentes, mas ainda mais importantes; e (2) mostrar os caminhos trilhados pela economia brasileira nos últimos anos e as visões por trás das políticas adotadas em diferentes períodos.

O título que imaginei há um ano era “A grande mentira”, mas acabei achando que parecia sensacionalista demais. Escolhi então “A riqueza da nação no século XXI”, em uma alusão a Adam Smith e Thomas Piketty.

Além de contribuir para a discussão sobre política econômica, o livro pretende ajudar o leitor a entender como chegamos a um debate político tão surreal (a “grande mentira” do título inicial).