Deficit primário ou nominal? Nenhum dos dois

Por Bernardo Guimarães

Há um bocado de confusão sobre as medidas de déficit público. As mais usadas são o déficit primário e o déficit nominal. Nenhuma das duas é uma boa medida de quanto nós temos que nos endividar para cobrir o déficit público.

O déficit primário considera o que o governo arrecada com impostos, seus gastos e transferências, mas não considera as despesas do governo com pagamento de juros da dívida. É, portanto, uma medida bastante incompleta do quadro fiscal.

O déficit nominal leva em consideração os gastos com pagamento de juros. Muitos consideram essa a melhor medida de déficit público, mas na verdade, é uma medida muito pouco relevante. O problema é que o déficit nominal desconsidera a inflação.

Para entender esse ponto, suponha que um país tenha dívida de $100 e que os juros da dívida sejam de $10 em um ano. Esses $10 devem ser incorporados como gastos do governo? Depende:

  • Se não houve inflação no período, para que a dívida não aumente, esses $10 devem ser pagos. Portanto, nesse caso, esses $10 devem ser computados na conta do déficit (ou superávit) público.
  • Se a inflação no período foi de 10%, esses $10 apenas corrigem o valor da divida de acordo com a inflação. Em termos reais, a dívida de $110 ao final do ano equivale a dívida de $100 no início do ano. Assim, esses $10 não devem ser computados na conta do déficit. Os “juros” de $10 estão apenas atualizando o valor da dívida considerando a inflação.
  • Em casos intermediários, apenas os juros reais devem ser computados. Por exemplo, se a inflação foi de 5%, corrigimos a dívida pela inflação (de $100 a $105) e computamos os outros $5 como despesas com juros reais para calcular o déficit.

No caso do Brasil de hoje, isso significa o seguinte:

  • Esse ano, o déficit primário no Brasil estará (relativamente) próximo de zero. Ou seja, sem considerar as despesas com juros da dívida, as despesas do governo serão um pouco superiores à arrecadação.
  • Contudo, há o pagamento com juros. Fazendo uma conta muito aproximada, se a dívida pública está perto de 63% do PIB e a taxa de juros no período será próxima de 13,5%, chegamos a um déficit nominal próximo a 9% do PIB. Um número enorme. E irrelevante.
  • Afinal, a inflação esse ano será próxima de 9,5%. Assim, boa parte dos juros sobre a dívida está apenas corrigindo seu valor considerando a inflação. A taxa de juros reais (ou seja, descontando a inflação) será algo como 4%, e isso implica um déficit de verdade próximo a 2,5% ou 3% do PIB.

O conceito de déficit que leva em conta os juros reais sobre a divida pública é o déficit operacional. Apesar de ser raramente mencionado, é o que melhor representa o quanto de fato o governo gasta mais que arrecada e como isso afeta a dívida pública.

Infelizmente, as estatísticas oficiais não mais incluem o déficit operacional. Este deve fechar o ano de 2015 próximo dos 3%, como na conta aproximada acima.

Tem sido dito que os juros da dívida esse ano serão algo como 8% do PIB (que equivale a cerca de 15 vezes o Bolsa Família). Esse número é irrelevante, pois a maior parte desse montante está apenas corrigindo o valor da dívida pela inflação. É incorreto dizer que o gasto com juros seja 15 vezes o Bolsa Família.

O gasto real com os juros da dívida será em 2015 algo mais próximo de 2,5% do PIB, que é muito. Considerando as baixas taxas de juros vigentes hoje no mundo, deveríamos ser capazes de ter taxas de juros muito menores e uma conta de pagamento de juros muito menor (eu falei sobre isso neste post).

Por fim, a diferença entre o que o governo gasta e arrecada é o aumento na dívida do governo.

Se o déficit operacional é zero, há um aumento nominal na dívida, mas em termos reais, ou seja, considerando a inflação, a dívida permanece constante.

Contudo, esse ano, deveremos ter um déficit operacional de cerca de 2,5% ou 3% do PIB. Esse é um número preocupante, porque a dívida já é alta (para nossos padrões) e continuaremos tendo déficit nos próximos anos. Precisamos resolver esse problema.