Mais uma reunião do Copom, o Banco Central decide hoje se mexe na taxa Selic, uma das taxas básicas de juros na nossa economia. A taxa Selic é muito maior que a taxa de juros básica vigente na grande maioria dos países. Isso afeta negativamente a economia brasileira.
Esquece-se, porém, que temos também uma taxa básica de juros muito baixa na economia, a TJLP, que baliza os empréstimos às empresas agraciadas com o crédito subsidiado do BNDES.
Se tivéssemos apenas uma taxa básica de juros, ou seja, se o governo não emprestasse rios de dinheiro a taxas muito inferiores à que o próprio governo paga em sua dívida, teríamos uma taxa Selic menor sem que isso prejudicasse o controle da inflação.
Vou explicar.
O Banco Central controla a taxa de juros básica da economia, a Selic. Quando a taxa básica de juros está mais alta, investir em títulos públicos se torna mais atraente, então quem quiser tomar empréstimos precisa pagar juros mais altos. Assim, a decisão sobre a taxa de juros do Banco Central afeta o custo do crédito em toda a economia.
O Banco Central mexe no custo do crédito para influenciar as decisões de consumo e investimento. Se o crédito fica mais caro, há menos incentivos para investir e comprar a prazo. A taxa de juros mais alta tende, portanto, a afetar negativamente o consumo e o investimento.
Se as pessoas e empresas querem comprar menos, há menos demanda na economia. Assim, as empresas precisam vender os produtos a preços mais baixos. Além disso, as empresas vão acabar vendendo menos, o que leva a um menor nível de produção na economia.
Assim, a alta da taxa de juros pelo Banco Central tende a reduzir o produto da economia e os preços. Juros mais elevados ajudam a segurar a inflação, mas prejudicam o desempenho da economia.
O Banco Central manobra a taxa básica de juros para manter a inflação no nível desejado. Se o Banco Central deixa os juros em um nível mais baixo que deveria, sobe a inflação.
Esse efeito foi testado recentemente. No primeiro mandato de Dilma, o governo promoveu uma grande queda na taxa Selic para estimular a economia. Era a “Nova Matriz Macroeconômica”, apresentada na época pelo Ministro Mantega como uma grande inovação na política macroeconômica brasileira.
Como esperado, a inflação subiu. Para que a inflação oficial não refletisse esse aumento, o governo segurou o aumento dos preços administrados (os que o próprio governo controla). Uma espécie de “pedalada monetária”. Parte da inflação de 2015 reflete essa inflação escondida em anos anteriores.
Em suma, o BC não pode deixar os juros abaixo de um certo nível sem comprometer o controle da inflação.
Então, a pergunta importante é: por que os juros têm que ser tão altos no Brasil para que a inflação não aumente?
O BNDES é parte da resposta.
O BNDES fornece crédito a taxas muito inferiores à Selic para os mais diversos fins, por exemplo: nos últimos dez anos, o BNDES financiou diversos investimentos para construir ou renovar estaleiros, estimulando a indústria naval com juros baixos; há poucos anos, financiava a compra de caminhões a juros nominais de 3% ao ano (muito menos que a inflação); etc.
A expansão de crédito pelo BNDES tem efeitos sobre o investimento, mas também sobre a inflação, assim como qualquer outra expansão de crédito.
Por vezes, a discussão sobre política econômica parece supor que a taxa Selic (a que o BC escolha) afeta a inflação e o investimento, mas que o crédito do BNDES só afeta o investimento, não tem impacto sobre a inflação. Essa distinção não faz sentido algum!
Se o BNDES expande o crédito, o BC precisa induzir uma contração no crédito na economia (subir os juros) para que a inflação fique no patamar desejado. Se o BNDES contrai o crédito, o BC pode induzir uma expansão no crédito (baixar os juros), sem que isso afete o total de crédito na economia e, portanto, sem que isso afete o controle da inflação.
Dizendo de outra maneira, ao financiar a construção de navios, o BNDES está estimulando a demanda por bens na economia. Para que a demanda fique no patamar que não leva ao aumento da inflação, o BC precisa compensar esse estímulo. Assim, é preciso uma taxa de juros maior para desestimular o investimento e o consumo.
Se os investimentos financiados BNDES a juros subsidiados não existissem, poderíamos ter mais crédito para a economia a taxas de mercado. Isso significa que teríamos juros mais baixos.
Temos no Brasil mais de uma taxa básica de juros. Nos últimos anos, a TJLP anda abaixo da inflação e o BNDES tem expandido muito o crédito, sem se preocupar com a inflação. Sobra ao BC a tarefa de contrair o crédito para compensar o efeito das operações do BNDES.
Lê-se nos jornais que esse ano, o BNDES está emprestando menos dinheiro esse no ano passado. É verdade, mas continua emprestando muito e o estoque de crédito do BNDES continua altíssimo, bem mais que 20% do estoque de crédito no Brasil.
Fala-se que o BNDES custa muito aos cofres públicos porque empresta a taxas de juros muito menores que as que remuneram a dívida do próprio governo. É verdade e esse custo é muito alto. Mas o problema não para por aí.
O BNDES também causa um aumento na taxa de juros paga na dívida pública — e na taxa de juros paga por pessoas e empresas que não tem acesso ao crédito subsidiado.
Referências:
– A matéria “O Banco Camarada” de Consuelo Dieguez, publicada na Revista Piauí, 109 (outubro de 2015), traz informações muito interessantes sobre as operações do BNDES.
– Parte da explicação sobre o BC e o BNDES foi adaptada de meu livro “A Riqueza da Nação no Século 21“. Aqui, eu foquei no efeito sobre a taxa de juros, mas o livro traz uma explicação mais completa sobre os efeitos do BNDES na economia e sobre a política monetária.
Detalhe:
– Há casos em que juros mais altos podem não ajudar a segurar a inflação. Eu mesmo já escrevi sobre isso (o trabalho é “Monetary policy, default risk and the exchange rate”, co-autorado com Carlos Eduardo Gonçalves, publicado na Revista Brasileira de Economia em 2011). Mas para isso acontecer, o risco de calote na dívida pública precisa ser suficientemente grande.